O Brasil precisa superar a influência de Macunaíma em sua história política.
Foto: FABIO RODRIGUES-POZZEBOM/AGÊNCIA BRASIL
O Brasil precisa superar a influência de Macunaíma em sua história política.
Por Marta Nobre - Portal Notibras - 24/11/2024 08:29:18 | Foto: FABIO RODRIGUES-POZZEBOM/AGÊNCIA BRASIL
Antes de qualquer análise sobre os atentados que marcaram a história do Brasil, é necessário afirmar, sem hesitação: repudiamos qualquer forma de violência. O arremedo de terrorismo, por mais incompetente ou desastrado que seja, sempre deixa marcas profundas, desviando o foco das discussões nacionais para o terreno do medo e da insegurança. A morte de Francisco Wanderley Luiz, ocorrida em 2024 diante das câmeras, é um exemplo desse impacto. Em meio a uma ação claramente precária, o Brasil foi confrontado com uma tragédia que expôs a vulnerabilidade de suas instituições e a fragilidade humana de um homem visivelmente em sofrimento mental.
Macunaíma, o herói sem caráter de Mário de Andrade, simboliza o improviso e a falta de planejamento que permeiam não apenas a cultura brasileira, mas também episódios históricos de violência política. No Brasil, até mesmo ações que pretendem abalar as estruturas de poder acabam refletindo o caos e a desorganização que parecem intrínsecos ao nosso modo de fazer as coisas.
Aeroporto dos Guararapes
O atentado ao Aeroporto dos Guararapes, no Recife, em 1966, foi um dos primeiros episódios de violência política urbana no Brasil. Planejado para atingir líderes do regime militar, o ataque deixou dois mortos – o almirante Nelson Gomes Fernandes e o jornalista Edson Régis de Carvalho – e 14 feridos, a maioria civis.
Embora trágico, o plano fracassou em seu objetivo político e acabou fortalecendo o regime ao fornecer argumentos para aumentar a repressão. O episódio já trazia traços daquilo que se repetiria em outros momentos: o custo humano de ações mal concebidas e executadas às pressas, onde o caos sobrepõe-se à estratégia.
Riocentro
Talvez o episódio mais emblemático do “terrorismo à brasileira” seja o atentado do Riocentro. Durante um show em comemoração ao Dia do Trabalhador, em 1981, agentes do DOI-CODI planejavam detonar uma bomba para incriminar a esquerda e justificar a continuidade da repressão militar. O plano falhou de maneira grotesca: o artefato explodiu dentro do carro dos próprios agentes, matando um deles e ferindo gravemente o outro.
O fiasco não diminui a gravidade do episódio. A intenção de manipular a opinião pública com violência revela o quanto esses arremedos de terrorismo são prejudiciais, mesmo quando fracassam de forma espetacular. O saldo, como sempre, foi mais uma demonstração de amadorismo com consequências reais.
Três Poderes e Anexo I
Em 2024, outro arremedo de terrorismo veio à tona, desta vez na Praça dos Três Poderes. Os explosivos, feitos com fogos de artifício, produziram mais fumaça e barulho do que perigo real. A cena, marcada por improviso e precariedade, poderia ser confundida com a “guerra de espadas” de Cruz das Almas, na Bahia, onde fogos são lançados em disputas festivas, causando caos e ferimentos, mas sem intenção política.
No entanto, o desfecho trágico desse episódio não pode ser ignorado. A morte de Francisco Wanderley Luiz, um homem com claros problemas psiquiátricos, revelou o custo humano de ações que, por mais desorganizadas que pareçam, possuem impacto devastador. Sua morte, ao vivo, foi um lembrete doloroso de que o terrorismo, mesmo em sua forma mais desastrada, sempre deixa cicatrizes profundas na sociedade.
Peso de Macunaíma
Os episódios de violência política no Brasil trazem a marca de Macunaíma, refletindo improviso, desorganização e a ausência de um propósito claro. Porém, o humor involuntário que permeia essas ações não pode obscurecer sua gravidade. Ao contrário: cada explosão, cada plano falho e cada tragédia pessoal reforçam a necessidade de condenar, sem hesitação, qualquer forma de violência como instrumento de poder.
O Brasil precisa superar a influência de Macunaíma em sua história política. O heroísmo não está em atentados fracassados ou em gestos desesperados, mas na construção de uma sociedade que rejeita o uso da força e do medo como ferramentas de transformação. Cada episódio de arremedo de terrorismo nos lembra do alto preço do improviso e da violência.
Condenamos, de forma inequívoca, qualquer ato que busque desestabilizar o país por meio da destruição e do caos. Por mais desastrado que pareça, todo ato de violência carrega consequências reais – e é por isso que deve ser repudiado em todas as suas formas. Afinal, a tragédia não precisa de jeitinho brasileiro para ser devastadora.
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