São Paulo, Sp (uol/folhapress) - 20/11/2025 11:32:38 | Foto: Mulheres, incluindo meninas, são a maioria das vítimas de tráfico sexual, by Unicef/UNI91025/Noorani
O Camboja, país onde a arquiteta brasileira Daniela Marys Oliveira foi condenada a dois anos e seis meses de prisão por posse de drogas, é hoje um dos principais destinos de vítimas brasileiras de tráfico humano. A família diz que ela foi enganada por uma falsa oferta de trabalho e acabou em um esquema de exploração.
Camboja está entre os três principais destinos de vítimas brasileiras, diz Ministério da Justiça. Segundo o Relatório Nacional sobre Tráfico de Pessoas 2024, elaborado pelo governo federal e o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, 11% das vítimas brasileiras de tráfico internacional identificadas no último ano foram levadas ao Camboja.
As Filipinas (32%) e o Laos (17%) aparecem à frente no ranking. O documento aponta que 35 brasileiros foram traficados em 2024 para países asiáticos, incluindo Filipinas, Camboja e Mianmar. A maioria foi explorada em plataformas de apostas online e call centers, sob condições análogas à escravidão.
Trabalho forçado em plataformas digitais é o tipo mais comum de exploração. O Ministério da Justiça implementou o Protocolo Operativo Padrão, que define procedimentos para o atendimento de brasileiros vítimas de tráfico internacional. Segundo o relatório, as notificações feitas pelo Itamaraty à Secretaria Nacional de Justiça cresceram 2.350% em 2024, o maior salto já registrado.
Família diz que arquiteta foi vítima de esquema semelhante no Camboja. Parentes afirmam que Daniela Marys Oliveira viajou após receber uma proposta de trabalho por aplicativo de mensagens, que prometia vaga temporária como tradutora. Ao chegar ao país, teria ficado com o passaporte retido e sido mantida em um complexo fechado antes de ser presa por suposto porte de drogas, depois de se recusar a aplicar golpes.
Parentes relatam extorsão e condições precárias de detenção. Segundo a irmã, criminosos usaram o celular da brasileira para pedir transferências bancárias e a família perdeu cerca de R$ 27 mil. Daniela está detida há oito meses em uma cela com quase 90 mulheres, sem saneamento básico e precisando pagar por comida e remédios.
Outros países concentram vítimas estrangeiras no Brasil. O relatório do Ministério da Justiça também aponta que migrantes paraguaios (68%) e bolivianos (23%) são as principais vítimas de tráfico humano dentro do território brasileiro. Em 2024, 163 trabalhadores chineses foram resgatados de trabalho escravo em uma fábrica de automóveis na Bahia.
ONU alerta para aumento global de vítimas de tráfico humano. O Relatório Global sobre Tráfico de Pessoas 2024 mostra que a África Subsaariana teve o maior crescimento na detecção de vítimas desde 2019, seguida pela América do Norte e pela Europa Ocidental. O trabalho forçado já supera a exploração sexual como a forma mais comum de tráfico.
SINAIS DE ALERTA E FATORES DE RISCO
Coerção, retenção de documentos e dívidas falsas são indícios centrais. De acordo com a ONU, vítimas de tráfico costumam ter movimento restrito, dívidas forjadas, documentos retidos e medo constante. Em muitos casos, os passaportes são confiscados para impedir fugas —situação semelhante à relatada pela família de Daniela.
Promessas vagas de trabalho e recrutamento digital exigem atenção. O uso de aplicativos de mensagens e redes sociais para oferecer empregos imediatos no exterior é uma das estratégias mais usadas por aliciadores, segundo as autoridades. Propostas que não especificam salário, carga horária ou local de trabalho costumam indicar risco de exploração.
Mudança repentina de condições de trabalho é sinal de alerta. Vítimas frequentemente são levadas a outro país com uma promessa inicial de emprego legítimo e, ao chegar, têm o contrato alterado, sofrem retenção de salário ou passam a viver em confinamento.
Isolamento e vigilância constante reforçam o controle. A ONU registra casos em que vítimas são mantidas em complexos vigiados por seguranças, com restrição de contato externo e confisco de telefones. A presença de grades ou vigilância 24 horas é um forte indicativo de tráfico, diz o relatório.
Violência e ameaças completam o ciclo de dominação. De acordo com o documento, o uso de agressões físicas, chantagem e ameaças a familiares é comum para forçar vítimas a permanecer sob controle.
Dificuldade de identificação ainda é um desafio. Muitas vítimas não se reconhecem como exploradas e só são resgatadas após denúncias de terceiros.




