Por  francisco Nonato Do Nascimento Filho: A ‘Guerra da Água’ não acabou

No ano de 2000, na Cochabamba, terceira cidade e a maior da Bolívia, acontecia o levante popular contra a privatização da água na Bolívia, levante que ficou internacionalmente conhecido como a Guerra da Água.

Por  francisco Nonato Do Nascimento Filho: A ‘Guerra da Água’ não acabou
Por  francisco Nonato Do Nascimento Filho: A ‘Guerra da Água’ não acabou

Por  francisco Nonato Do Nascimento Filho* - Portal Bdf - 23/03/2025 09:46:05 | Foto: Portal BdF

O Dia Mundial da Água foi criado pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) em 1993, para atender às resoluções da Conferência das Nações Unidas sobre meio Ambiente e Desenvolvimento. A data é marcada por mobilizações na grande mídia para sensibilizar a “população” para o consumo consciente da água. Cartilhas e vídeos são produzidos e distribuídos por grandes corporações, com o propósito de chamar atenção para as práticas de boa maneira sobre uso e reuso da água.

No ano de 2000, na Cochabamba, terceira cidade e a maior da Bolívia, acontecia o levante popular contra a privatização da água na Bolívia, levante que ficou internacionalmente conhecido como a Guerra da Água. A reação do povo Boliviano à onda de privatização era um dos reflexos do que estava em curso em toda América Latina com a onda neoliberal de privatização dos serviços públicos.

A Guerra da Água não se encerrou, ela segue aberta em toda Nuestra América , e desoculta a luta de classes em curso em torno do acesso e direito à água e as desigualdades construídas e produzidas pela apropriação capitalista das águas.

Para os movimentos populares da luta socioambiental, o dia 22 de março é marcado por lutas, denúncia e anúncio. Os movimentos populares do campo e da cidade têm denunciado o Projeto de Lei 4162/2019, que privatiza os serviços de água e esgotamento. Tal projeto revela os interesses da elite econômica do país em estabelecer o mercado da água, como tem demarcado o Movimento dos Atingidos Por Barragem (MAB), os interesses são de grupos econômicos como: Ambev, Vale, Suez, Coca-Cola entre outras corporações que vem controlando e se apropriando dos rios e das águas subterrâneas.

O Relatório de Conflitos Socioambientais e Violação de Direitos Humanos em Comunidades Tradicionais Pesqueiras no Brasil, organizado pelo Conselho Pastoral dos Pescadores e Pescadoras (CPP), tem apontado para os altos índices de conflitos causados pela construção de barragens, pela indústria petrolífera, carcinicultura, piscicultura, privatização do acesso à água e ao território.

O Tribunal Popular Permanente dos Povos das Águas, lançado em 2023, é parte da aliança internacional que pescadoras e pescadores vêm construindo através da Via Campesina Internacional e do Fórum Mundial dos Povos Pescadores para enfrentar a ofensiva do capital.

Os movimentos populares do campo e da cidade têm disputado o 22 de março, têm territorializado as dimensões dos conflitos e luta de classes em torno do direito e do acesso à água. A concepção hegemônica da água como bem econômico é parte da gramática do sistema em transformar tudo em mercadoria. A Declaração Universal dos Direitos da Água não é só um monte de palavras bem articuladas, mas um tecido da perspectiva neoliberal sobre a água enquanto recurso, tendo como uma das suas finalidades atender às necessidades de ordem econômica.

Outra perspectiva sobre o 22 de março

O 22 de março dos movimentos populares é marcado pela denúncia aos projetos de mineração em curso no país, da exploração de petróleo na foz do rio Amazonas, da carcinicultura, piscicultura e agronegócio. Os movimentos populares têm construído outra perspectiva no sentido de apontar a água como bem comum, direito e não mercadoria. A agenda política e econômica sobre a água de governos e instituições financeiras são demarcadas pelos interesses do capital, que não vê a água enquanto patrimônio da humanidade, como consta na declaração universal dos direitos da água.

Contra a lógica que produz a água como mercadoria, os movimentos populares têm apontado através das lutas socioterritoriais que é urgente quebrar o consenso que o capital criou através dos governos e das instituições financeiras sobre a questão da água.

O Dia Mundial das Águas não pode ser reduzido a simples campanha de multinacionais sobre uso consciente, sendo que as mesmas investem pesadamente no lobby da água para alterar a legislação para atender seus interesses de classe.

A resistência indígena, negra e popular em Nuestra America tem construído e apontado alianças necessárias para a defesa dos bens comuns e contra a mercantilização e financeirização da vida e dos territórios. A questão ambiental, apontada por esses movimentos populares, perpassa pela materialidade da vida e da centralidade da natureza e do trabalho. Seguir denunciando e anunciando projetos de futuro perpassa por uma agenda socioambiental anticapitalista, para evitar a Queda do Céu , como tem alertado o xamã yanomami Davi Kopenawa.

*Francisco Nonato do Nascimento Filho é educador popular no Conselho Pastoral dos Pescadores e Pescadoras (CPP)

** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

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Edição: Flávia Quirino

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