O templo é pequeno, mas tem duas missas diárias, ao meio-dia e às 18h. Do lado esquerdo do altar, o quadro de um adolescente chama a atenção: ele veste camisa polo vermelha e também tem uma mochila às costas
São Paulo, Sp (uol/folhapress) - Camila Mazzotto - 24/04/2025 08:26:41 | Foto: Reprodução globonews
Assim que a aula termina, Giovanna de Souza, 19, pega sua mochila e vai direto para a missa. A igreja fica a poucos passos da sala, dentro do próprio Centro Universitário Católico Ítalo Brasileiro, em Santo Amaro, zona sul de São Paulo.
O templo é pequeno, mas tem duas missas diárias, ao meio-dia e às 18h. Do lado esquerdo do altar, o quadro de um adolescente chama a atenção: ele veste camisa polo vermelha e também tem uma mochila às costas. É o beato italiano Carlo Acutis, que seria canonizado no próximo dia 27 de abril com a morte do papa Francisco, o Vaticano comunicou nesta segunda-feira (21) que a cerimônia foi suspensa.
Erigida em 25 de janeiro de 2023, a Paróquia Beato Carlo Acutis é considerada a primeira paróquia universitária do mundo dedicada ao beato, que morreu de leucemia aos 15 anos, em 2006.
Acutis ficou conhecido como "padroeiro da internet", por usar a internet para evangelizar, e será o primeiro "santo millennial" termo usado para pessoas nascidas entre os anos 1980 e o fim dos anos 1990.
Estudantes católicos costumam frequentar o espaço antes ou depois das aulas para participar de celebrações, confissões e grupos de oração. Uma relíquia de primeiro grau um fragmento de seu corpo, doado pela mãe de Carlo fez da igreja também um local de peregrinação.
"Tem gente que vem da zona leste, ou até de outros municípios, como Cotia, só por causa do Carlo. Já vieram também pessoas da Bahia e do Ceará", afirma o pároco, frei Diego Santana Dias, da Congregação dos Carmelitas Mensageiros do Espírito Santo.
'QUANDO TENHO VONTADE DE SURTAR NA SEMANA DE PROVAS, VOU PRA CAPELA'
Giovanna começou a participar das atividades da paróquia quando ingressou no curso de pedagogia, em 2024. Ela conheceu a história de Acutis em 2020, depois de receber de seu tio uma biografia sobre o jovem.
"O livro falava da santidade da vida do Carlo e eu pensei 'meu Deus, o que é isso?'", relembra a estudante, que se tornou católica depois de conhecê-lo. "Carlo estudava, jogava videogame, fazia caridade, amava a Jesus. Foi ele que me apresentou a possibilidade de você ser santo sendo jovem."
O amor que o adolescente tinha pela missa foi uma das coisas que mais chamaram sua atenção, diz ela. Desde muito pequeno, Acutis passou a se interessar pela Igreja Católica mesmo que seus pais não fossem praticantes. Ainda criança, se confessava semanalmente e rezava o terço todos os dias.
Desde os 7 anos, ia à missa diariamente, fato que inspirou Giovanna a fazer o mesmo. "A Eucaristia é o meu sustento. O pão do céu me alimenta espiritualmente, não sei o que seria de mim sem isso", diz ela.
A Eucaristia é um ponto central da fé católica, em que os fiéis recebem pão e vinho como corpo e sangue de Cristo, em memória da Última Ceia.
Helen Raquel Silva da Cruz, 19, também vai às terças e quintas na paróquia universitária. Na semana de provas, confessa a estudante de direito, chega ao local "com vontade de surtar".
Quando tenho vontade de surtar, vejo Deus na minha frente na capela. Eu ajoelho, choro e sigo a vida. É de onde tiro forças pra enfrentar a semana de provas. Helen Raquel Silva da Cruz
INFLUENCER(S) DE DEUS
Apaixonado por programação, Acutis chegou a criar sites para a escola e a paróquia que frequentava, mas ficou conhecido por lançar um site que buscava documentar todos os milagres eucarísticos relatados o site foi lançado dias antes de sua morte.
Inspirada no adolescente, Giovanna começou a produzir conteúdo sobre fé em suas redes sociais, onde atualmente acumula 53 mil seguidores no Instagram e 116 mil no TikTok.
Jean Carlos Coelho, 18 anos, diz que também acredita no poder da internet para "espalhar o amor de Deus para todos". O estudante de educação física da mesma faculdade ajuda a administrar o perfil do grupo de oração de jovens de sua paróquia, em Embu das Artes (SP).
"Alguém pode passar na frente de uma igreja e não entrar, ou não ter ninguém para falar com a pessoa na hora, só que nesta terça-feira (22) em dia todo mundo tem Instagram e lá você pode encontrar toda a programação de uma igreja, por exemplo", diz ele, enquanto lancha no intervalo da aula, sentado em um banco diante da porta de vidro da Paróquia Beato Carlo Acutis.
"Às vezes, com a rede social é mais fácil de acolher as pessoas", diz o estudante.
Foi pelo TikTok que a estudante de enfermagem Karine Gomes de Souza, 20, conheceu Acutis. "Tem um menino que é super devoto e fez vários vídeos falando sobre ele", conta ela. "Achei incrível que ele é o santo da tecnologia, nunca tinha visto nada do tipo".
A paixão pela internet também é um ponto em comum entre o adolescente italiano e a mineira Ana Sophia Rocha, 30. Moradora de Itajubá (MG), ela ouviu falar pela primeira vez de Acutis em 2010, quando aconteceu o primeiro milagre atribuído à intercessão do adolescente, em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul: a cura de uma criança brasileira de uma doença congênita que afetava o pâncreas.
O milagre foi oficialmente reconhecido pela Igreja em 2020, dez anos após o ocorrido. Os milagres são normalmente investigados e avaliados durante um período de vários meses ou anos. Para que um caso seja classificado como milagre, é preciso que ele envolva um acontecimento que não possa ser explicado pela ciência como a cura repentina de alguém em estado terminal.
No caso de Ana Sophia, o pedido era mais simples, mas igualmente carregado de fé. "Ela tem deficiência intelectual e nasceu com uma vértebra aberta que, por volta dos 20 anos, começou a deslizar", conta Andrea, sua mãe. "A própria Ana Sophia começou a pedir para ele e sempre falava 'mãe, o Carlo Acutis vai ajudar a tirar essa dor de mim'".
Elas foram para São Paulo visitar a Paróquia Carlo Acutis em 2021. Segundo Andrea, o médico de Ana Sophia havia dito na época que era alto o risco de uma cirurgia caso a vértebra não parasse de escorregar. Em 2023, porém, o cenário mudou. "Ele disse que minha filha não ia mais precisar operar, porque a vértebra tinha sido calcificada", conta ela, que atribui o caso à intercessão do beato.
Segundo o frei Diego, até agora pelo menos duas pessoas afirmam que foram curadas depois de tocarem na relíquia do beato. "Teve uma jovem que tinha câncer no pescoço, por exemplo, e veio aqui relatar que fez a cirurgia e o tumor sumiu", diz ele, acrescentando que esses testemunhos ainda não foram documentados.
Graziele Macedo, 37, conduz um dos grupos de oração da paróquia. Diretora de uma clínica de oncologia, ela diz que a fé não é uma garantia de milagres, mas um caminho para viver o sofrimento com sentido. "Deus não nos promete uma vida livre de problemas, mas viver com Deus vale a pena. Para alguns, a cruz é justamente a porta de entrada para o céu", diz ela.
AMIGO DOS POBRES
A maioria das pessoas associa Acutis à sua paixão pela tecnologia, mas há outro aspecto sobre a vida do adolescente que também inspira os jovens: o amor pelos mais pobres.
Biografias relatam que o beato costumava pedir à babá um lanche extra para levar à escola no caminho, entregava o sanduíche a pessoas em situação de rua.
"Às vezes, a gente pensa que a caridade deveria vir de uma pessoa mais velha, que tem a sua independência financeira, mas o Carlo era só um adolescente e, mesmo assim, já ajudava as pessoas através de coisas simples", diz Giovanna. "Isso é muito inspirador".
Italiano de classe média alta, o adolescente também tinha o hábito de dar para os necessitados pares de tênis novos que ganhava de presente dos pais. "É verdade que às vezes as pessoas acabam vendendo as coisas que ganham na rua, mas acho que dar o que você tem para ajudar o próximo é um ato de amor puro", diz Lucas Souza Conceição, 27.
"O Carlo viveu o que Jesus ensinou sobre dar de comer aos que têm fome", acrescenta o estudante de psicologia, que já participou de atividades da ONG católica Missão Belém, cujo objetivo é acolher pessoas em situação de vulnerabilidade.
Para o frei Diego Santana, é como se Carlo Acutis fosse um "São Francisco de Assis atualizado".
"São Francisco também era de uma família rica, esbanjou dinheiro na juventude, depois viveu uma conversão e deu tudo aos pobres. Carlo não precisou de uma conversão, já tinha essa consciência desde menino, mas também era de uma família rica e foi generoso com o próximo."
É como se Deus tivesse pensado 'vou fazer o download de uma atualização de São Francisco de Assis para o mundo moderno', e aí criou o Carlo Acutis. Frei Diego Santana Dias, pároco da Paróquia Beato Carlo Acutis
Nascido na Inglaterra, Acutis morou a maior parte da vida em Milão, mas dizia que a cidade onde mais se sentia feliz era Assis, onde pediu para ser enterrado. Seu corpo está exposto no Santuário do Despojamento, ao lado de outras relíquias ligadas a ele.
Por coincidência, antes de se tornar paróquia, a igreja no Centro Universitário Católico Ítalo Brasileiro era uma capela dedicada a São Francisco de Assis. Uma capela é um espaço menor que depende de uma paróquia já a paróquia é uma igreja com autonomia pastoral, responsável por organizar missas, sacramentos e acompanhar os fiéis da região
Segundo o frei Diego, a mudança de título foi ideia do bispo de Santo Amaro, dom José Negri, que nasceu em Milão. "Ele pensou que poderia ser um grande modelo atual para os jovens da universidade", diz ele.
O frei cita um episódio que, para ele, resume bem a relação de Acutis com a tecnologia: fã de videogames, o adolescente certa vez percebeu que estava gastando muito tempo com o hobby e decidiu que jogaria apenas uma vez por semana. Disse à mãe que não queria se tornar "escravo" do jogo.
"A vida de Carlo Acutis é um legado para a juventude, ele mostrou que a gente não precisa demonizar o mundo moderno e tecnológico, mas saber fazer as pessoas encontrarem meios para terem liberdade interior, e criar coisas boas para ajudar o próximo", diz o religioso.
Thiago Ribeiro, 21, estudante de educação física, concorda. "Eu peço ajuda para o Carlo porque ele é jovem, então é gente como a gente."
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