Havia prazo de 45 dias a partir do início das negociações, em 28 de outubro, para a conclusão exclusiva das tratativas.
Foto: © flickr.com / Divulgação / Exército Brasileiro
Havia prazo de 45 dias a partir do início das negociações, em 28 de outubro, para a conclusão exclusiva das tratativas.
Fabian Falconi/agência Sputnik Brasil - 21/12/2024 18:47:35 | Foto: © flickr.com / Divulgação / Exército Brasileiro
Após 45 dias de negociações, o investidor nacional anônimo interessado em comprar a Avibras desistiu da transação, estendendo por tempo indefinido a crise que atinge uma das joias da coroa da Base Industrial de Defesa (BID) do Brasil. À Sputnik Brasil, especialistas são unânimes em pedir maior participação do governo no desenrolar da história.
Na segunda-feira (9), o representante do investidor "misterioso", Carlos Fortner, enviou uma carta ao Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos e Região (SindmetalSJC) afirmando que "não foram cumpridas as condições precedentes consideradas pelas partes como essenciais ao fechamento do negócio".
Havia prazo de 45 dias a partir do início das negociações, em 28 de outubro, para a conclusão exclusiva das tratativas. A nota, enviada ao sindicato por Fortner, chegou no 42º dia.
Em seu site, a Avibras informou estar "surpreendida pela comunicação unilateral do eventual investidor" e diz que, embora tenha cumprido todas as suas obrigações, "o investidor possui o direito contratual de desistir do investimento a qualquer momento e por qualquer motivo".
Já o sindicato, em seu site, afirmou ser "lamentável" o fim da transação, "uma vez que a Avibras e o investidor, que se mantém no anonimato, geraram grandes expectativas nos trabalhadores que estão há 20 meses sem salário, FGTS e INSS".
Chegando já ao seu terceiro ano, o drama da companhia sediada em Jacareí, São Paulo, parece não ter fim. À Sputnik Brasil, o presidente do SindmetalSJC repudiou a forma que as negociações se deram.
Desde o primeiro momento, a identidade do investidor nunca foi revelada aos representantes trabalhistas, disse Weller Gonçalves. "Como você faz a negociação sem saber quem é a empresa? Quem é a pessoa que, de fato, estava fazendo a proposta para fazer o pagamento aos trabalhadores?"
A forma que a Avibras lidou com as tratativas também foi criticada pelo líder sindical.
Segundo Gonçalves, o investidor disse que a Avibras teria se apresentado ao investidor como uma companhia com contratos firmados no exterior. "E na hora que eles foram ver esses contratos, ainda não estavam 100% garantidos."
Entre os dias 8 e 28 de novembro foram realizadas quatro reuniões entre os trabalhadores em greve e o representante do comprador, Carlos Fortner, com o objetivo de negociar o pagamento dos débitos trabalhistas.
A proposta final apresentada pelo investidor anônimo consistia em:
pagamento das dívidas trabalhistas — salários, 13º e férias em atraso — em até 13 parcelas, com início em janeiro de 2025;
pagamento de multas normativas e inibitórias — equivalente ao saldo salarial, 13º e férias em atraso corrigidos pelo Certificado de Depósito Interbancário (CDI), acrescidos de 2% ao ano — em duas parcelas iguais em fevereiro e março de 2026;
pagamento do salário de dezembro até o fim do mês e do 13º até 20/12;
restabelecimento do plano de saúde;
estabilidade no emprego até abril de 2025 aos empregados que anuírem com o acordo e retornarem aos postos;
permanência da empresa na região por um período de dez anos;
extensão das cláusulas sociais do acordo coletivo até a data-base 2026;
abono de R$ 4 mil, pago em duas parcelas, ao colaborador que retornar ao trabalho.
A oferta, contudo, nunca foi levada aos trabalhadores em assembleia, uma vez que sua validade estava condicionada à aquisição da Avibras e, portanto, não era garantida. "Para você fazer proposta para os trabalhadores, você tem que ter as outras frentes de negociação já concretizadas", condena o presidente do sindicato.
Qual será o futuro da Avibras?
De negociação fracassada à negociação fracassada, a direção do sindicato se encontrou com representantes do Ministério da Defesa, do Gabinete da Presidência e da Casa Civil em Brasília (DF).
Nas reuniões, a entidade pediu mais ação do poder público para resgatar a companhia e seus trabalhadores, desde a antecipação do pagamento no valor de R$ 360 milhões relativos a um contrato com o Exército Brasileiro, a realização de novas encomendas da fábrica e a participação do governo federal nas negociações.
Em resposta, as autoridades governamentais afirmaram que há outros interessados em comprar a Avibras e que esses investidores já estão conversando com o governo federal.
Entretanto, à reportagem, Weller Gonçalves defendeu a estatização da Avibras: "A Avibras é a principal indústria de defesa do país, uma empresa estratégica para o Brasil."
"Nós defendemos que essa empresa deve pertencer ao Estado e estar sob o controle dos trabalhadores", afirma o presidente da entidade. "Agora, se não vai estatizar, minimamente o governo tem que investir, garantir os contratos."
À Sputnik Brasil, o pesquisador do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional (Gedes) Jorge Rodrigues afirma que o setor de defesa tem um caráter único que o diferencia dos demais. "Investimentos na indústria de defesa não devem ser pautados pelos retornos financeiros, mas sim pelo produto final da defesa: a garantia da segurança nacional e da soberania."
Por conta disso, o setor é "monopsônico", isto é, possui apenas um comprador para financiar: o Estado. "A indústria de defesa exige investimentos elevados do Estado", explica o analista.
Nesse sentido, a Avibras integra uma categoria especial conhecida como Empresa Estratégica de Defesa (EED). Companhias desse tipo são reconhecidas por sua importância na condução de atividades relacionadas à segurança nacional.
Para entrar na lista, contudo, é necessário preencher algumas obrigações, como ter sede no país, produzir conhecimento científico ou tecnológico de ponta, manter o controle acionário nacional e ter linha de produção em território nacional.
O maior risco é que a empresa seja vendida ao capital internacional, sujeitando o país à dependência tecnologia estrangeira, diz Rodrigues. "Uma das consequências da venda da empresa a um comprador estrangeiro é a desnacionalização e perda desse acumulado de conhecimentos."
O cenário não é um pesadelo distante. Pelo contrário, aconteceu no passado recente com o caso da Mectron — companhia do setor de mísseis, comunicações e sensores militares pertencente ao grupo Odebrecht.
"Com o desgaste ocasionado pela operação Lava Jato, a Odebrecht se desfez da Mectron, que fora então incorporada pela AEL Sistemas, da israelense Elbit Systems. Com isso, perdemos todo o know-how da empresa."
A nacionalização da companhia foi proposta pelo deputado federal Guilherme Boulos (PSOL-SP) por meio do Projeto de Lei (PL) 2957/2024. Segundo o político, a Avibras deve ser desapropriada por "utilidade pública" em nome de "salvaguardar a segurança nacional e a defesa do Estado, bem como a autonomia e a indústria nacionais".
Rodrigues considera o debate da estatização "bem-vindo", devendo girar em torno da importância estratégica da empresa, e não dos aspectos econômicos.
O que aconteceu com a Avibras?
A Avibras é a companhia por trás do Astros 2020, um dos maiores projetos do Exército Brasileiro, comparado à aquisição dos caças F-39 Gripen pela Força Áerea Brasileira (FAB) e pelo Programa de Desenvolvimento de Submarinos (Prosub) da Marinha do Brasil.
O programa visa dotar a força terrestre com um sistema de artilharia de alta precisão e alcance de 300 quilômetros, o AV-TC (ou MTC-300). O míssil tático de cruzeiro permitiria ao Exército atingir o alvo com um erro máximo de nove metros de distância. Apenas 11 países possuem capacidade de disparo, alcance e precisão semelhantes em seus arsenais.
Com alta mobilidade, rapidez de disparo e emprego, tripulação reduzida e capacidade de transporte no C-390 da Embraer, o disparador é considerado um dos orgulhos da defesa brasileira.
Equiparado ao HIMARS norte-americano, o processo de fabricação e aquisição de unidades do Astro 2020 iniciaram em 2012 e estavam previstas para encerrar em 2031. Eram esperadas ainda versões para lançamento por aeronaves da FAB e por plataformas navais da Marinha do Brasil.
A empresa, contudo, encontrou dificuldades contábeis em 2022. Em março, a Avibras pediu recuperação judicial alegando uma dívida de R$ 600 milhões. Mais de 90% das ações da Avibras estão em posse de João Brasil Carvalho Leite, filho de um dos fundadores da companhia, o engenheiro do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA) João Verdi Carvalho Leite.
Segundo a empresa, os problemas se devem a estes fatores: o fechamento das fronteiras e a paralisação das atividades durante a pandemia de COVID-19 e a imprevisibilidade das compras governamentais. Entre 2020 e 2021, a Avibras alega queda de 70% na receita, de R$ 848 milhões para R$ 232 milhões.
Em setembro do mesmo ano, os trabalhadores da companhia entraram em greve devido ao atraso dos salários. Desde então, o passivo da empresa aumentou mais R$ 320 milhões e seu quadro de funcionários passou de 1,4 mil para 919.
Com o plano de recuperação judicial aprovado em julho de 2023, já ocorreram algumas tratativas de compra da Avibras desde então. A primeira interessada a aparecer publicamente, em abril de 2024, foi a australiana DefendTex. Em julho, no entanto, a empresa brasileira anunciou que o negócio não havia sido concretizado.
Ao mesmo tempo, a estatal chinesa Norinco mostrou interesse em adquirir 49% da Avibras, de modo a mantê-la majoritariamente brasileira. A venda, contudo, causou embaraços em Brasília, que via com preocupação possíveis embargos e boicotes de países-membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) a seus produtos.
Historicamente, uma fatia substancial do faturamento da companhia advém de exportações — em especial para o Oriente Médio, onde o sistema Astros II encontra bom mercado. Em 2017, por exemplo, a empresa anunciou faturamento de R$ 1,7 bilhão. Dessa quantia, 90% veio do exterior.
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