Censo conta 8.568 localidades indígenas no Brasil; 60,2% ficam no Norte

Mais da metade dos indígenas vive em áreas urbanas no Brasil, aponta Censo

Censo conta 8.568 localidades indígenas no Brasil; 60,2% ficam no Norte
Censo conta 8.568 localidades indígenas no Brasil; 60,2% ficam no Norte

Foto: Marta Antunes - agência IBGE

Mais da metade dos indígenas vive em áreas urbanas no Brasil, aponta Censo

Leonardo Vieceli, Rio De Janeiro, Rj (folhapress) - 20/12/2024 08:06:59 | Foto: Marta Antunes - agência IBGE

O Censo Demográfico contabilizou 8.568 localidades indígenas no Brasil em 2022, de acordo com novos dados divulgados nesta quinta-feira (19) pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

A definição abrange os aglomerados permanentes de 15 ou mais indígenas em áreas rurais ou urbanas, dentro ou fora dos territórios oficialmente delimitados.

As localidades podem ser desde aldeias em regiões de floresta até endereços dentro de uma cidade. O IBGE disse não ter um dado comparável no recenseamento anterior, de 2010.

Segundo a pesquisa de 2022, mais da metade das localidades fica no Norte, que também tem a maior população indígena do Brasil.

São 5.158 aglomerados do tipo na região, o equivalente a 60,2% do total no país -ou 6 em cada 10.

O Nordeste, com 1.764 (20,6%), e o Centro-Oeste, com 1.102 (12,9%), vieram na sequência. Os menores números de aglomerados foram registrados no Sudeste (236, ou 2,8%) e no Sul (308, ou 3,6%).

As localidades indígenas estão espalhadas pelas 27 unidades da Federação, diz o IBGE.

O Amazonas tem a maior quantidade: 2.571. Isso equivale a 30% do total no Brasil -ou 3 em cada 10.

Mato Grosso (924) e Pará (869) aparecem depois. Respondem por 10,8% e 10,1% do total no país, respectivamente.

Sergipe, por outro lado, tem o menor número de localidades indígenas. O IBGE contabilizou duas no estado em 2022.

Distrito Federal (seis) e Goiás (nove) foram as outras duas unidades da Federação com menos de dez aglomerados cada. São Paulo registrou 87.

Ainda de acordo com o IBGE, 71,55% das localidades indígenas do país ficavam dentro de terras declaradas, homologadas, regularizadas ou encaminhadas como reservas no período de referência da pesquisa. O percentual corresponde a 6.130 aglomerados.

A fatia restante das localidades, calculada em 28,45%, encontrava-se fora das áreas. A proporção equivale a 2.438 aglomerados.

Dados do Censo divulgados anteriormente pelo IBGE indicaram que o Brasil tinha quase 1,7 milhão de pessoas indígenas em 2022. O contingente se assemelha ao da população inteira recenseada em Curitiba (1,8 milhão).

Os números publicados nesta quinta não detalham quantas pessoas viviam apenas nas localidades.

Mais da metade dos indígenas vive em áreas urbanas no Brasil, aponta Censo

LEONARDO VIECELI, RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - Mais da metade dos indígenas vive em áreas urbanas no Brasil. É o que indicam novos dados do Censo Demográfico divulgados nesta quinta-feira (19) pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Em 2022, 914,7 mil indígenas moravam no meio urbano, o equivalente a quase 54% do total no país (1,7 milhão). É um percentual superior ao registrado no Censo 2010, quando a proporção era de 36,2% (324,8 mil).

Como consequência, os indígenas que viviam em áreas rurais perderam participação. Essa parcela foi estimada em 46% em 2022 (780,1 mil), ante 63,8% em 2010 (572,1 mil).

A população indígena recenseada em áreas urbanas em 2022 (914,7 mil) é 181,6% maior do que a verificada 12 anos antes (324,8 mil). Em termos absolutos, o aumento foi de 589,9 mil pessoas.

O IBGE, contudo, recomenda cautela na análise dessa alta. É que o Censo 2022 fez mudanças metodológicas para ampliar a coleta de dados junto aos indígenas. O instituto já reconheceu uma possível subenumeração nas estatísticas de 2010.

Apesar disso, é possível perceber indícios de que uma fatia maior dos indígenas está indo para o meio urbano em regiões específicas, segundo o órgão.

Para ilustrar o movimento, Fernando Damasco, gerente de territórios tradicionais e áreas protegidas do IBGE, citou o caso do Amazonas.

No estado, 59 dos 62 municípios (95,2%) tiveram perda de população rural em termos percentuais. O Amazonas concentra quase um terço dos indígenas do país.

"Ali, de fato, está em curso um processo muito intenso de remobilização de população para as cidades. Isso precisa, certamente, ser aprofundado, estudado, mensurado com maior detalhamento a partir de agora", afirmou Fernando.

O pesquisador indicou que os processos migratórios dos indígenas podem estar associados a diferentes motivos, incluindo a busca por trabalho e escolarização nos centros urbanos.

Também há comunidades, especialmente na região Norte, que podem estabelecer moradias temporárias em diferentes locais ao longo do ano, segundo o pesquisador.

"A gente vai precisar de mais informações das próximas divulgações para entender melhor esse processo", disse.

A proporção de indígenas em áreas urbanas (54%) é menor do que a parcela da população total na mesma situação (87,4%). O grau de urbanização do país como um todo também aumentou ante 2010.

COMO O IBGE CONTA OS INDÍGENAS?
No Censo 2022, o IBGE fez a seguinte pergunta em todo o território brasileiro: "A sua cor ou raça é?". As opções de resposta eram "branca", "preta", "amarela", "parda" ou "indígena".

Se uma pessoa estivesse dentro de uma localidade indígena e não se declarasse indígena no quesito cor ou raça, o recenseador abria uma segunda questão. Era a seguinte: "Você se considera indígena?".

Em 2010, o IBGE também fez a primeira pergunta sobre cor ou raça em todo o território.

A diferença é que, à época, a segunda questão só era aberta para brancos, pretos, amarelos e pardos se estivessem nas terras indígenas oficialmente delimitadas, e não em todas as localidades indígenas, como foi o caso de 2022. Isso teria contribuído para ampliar a coleta.

"A grande crítica em 2010 ao Censo, de uma subenumeração em contexto urbano, a gente não tem mais em 2022", afirmou Marta Antunes, coordenadora do censo de povos e comunidades tradicionais do IBGE.

"A gente está trazendo um retrato bem cuidadoso e aprofundado em todas as localidades indígenas que a gente visitou", acrescentou.

O instituto disse nesta quinta que contabilizou 8.568 localidades do tipo no país. A definição abrange os aglomerados permanentes de 15 ou mais indígenas em áreas rurais ou urbanas, dentro ou fora dos territórios oficialmente delimitados.

Ou seja, esses lugares podem ser desde aldeias no meio da floresta até endereços na cidade.

O IBGE já havia divulgado dados gerais sobre os indígenas e também pontos específicos dessa população, incluindo quesitos de alfabetização, saneamento e idade.

Uma das novidades desta quinta é justamente o olhar aprofundado para as diferenças entre o meio urbano e o rural.

Conforme o Censo 2022, a proporção de indígenas que viviam nas cidades superava 90% em três unidades da Federação. São os casos de Goiás (95,5%), Rio de Janeiro (94,6%) e Distrito Federal (91,8%).

Mato Grosso, por outro lado, teve o maior percentual em situação rural (82,7%). Maranhão (79,5%) e Tocantins (79,1%) vieram na sequência.

Os dados apontam que a população indígena é mais envelhecida nas cidades. Trata-se de mais um possível reflexo da migração ao longo da vida.

No meio urbano, o índice de envelhecimento dos indígenas foi de 58,32, acima do patamar nas áreas rurais (19,34). O indicador mostra o número de pessoas de 60 anos ou mais em relação a um grupo de cem habitantes de até 14 anos. Quanto maior o valor, mais envelhecida é a população.

Já a idade mediana dos indígenas foi de 31 anos nas áreas urbanas, acima dos 20 anos nos endereços rurais. A medida divide uma população em duas partes iguais, separando a mais jovem da mais velha.

21% DOS INDÍGENAS SÃO ANALFABETOS NO MEIO RURAL
De 2010 para 2022, a taxa de analfabetismo dos indígenas de 15 anos ou mais diminuiu de 32,2% para 21,2% em áreas rurais.

Mesmo com a redução, ainda é quase o dobro da registrada entre os indígenas em áreas urbanas, que baixou de 12,3% para 10,9%.

Os dois grupos têm taxas de analfabetismo superiores à da população como um todo, que recuou de 9,6% em 2010 para 7% em 2022.

DESIGUALDADES TAMBÉM APARECEM NAS CIDADES
Outro situação destacada pelo IBGE é a dificuldade maior dos indígenas na área de saneamento básico. Isso foi verificado até mesmo nas cidades.

Considerando os indígenas que moravam em áreas urbanas e fora de terras delimitadas, 44,3% viviam em domicílios com alguma precariedade de abastecimento de água, destinação do esgoto ou coleta de lixo em 2022. O percentual é mais do que o dobro do registrado entre a população total nas cidades (18,7%).

Quando se olha para os indígenas em áreas rurais e fora de terras delimitadas, a parcela em lares com alguma precariedade foi ainda maior: 94,4%. A proporção, porém, está mais próxima da registrada entre a população total no campo (87,2%).

O IBGE afirma que 22,9% dos indígenas nas áreas rurais moravam em domicílios sem banheiro nem sanitário em 2022. É um percentual bem superior ao registrado entre a população total no campo (4,3%) e os indígenas nas cidades (0,67%).

Quando a análise envolve mortalidade, os números sinalizam que os óbitos de pessoas mais velhas ganharam participação na comparação dos dois últimos recenseamentos.

Em 2022, a faixa de 70 a 74 anos respondeu por 8,8% das mortes de pessoas que residiam em domicílios com pelo menos um indígena. É o maior percentual entre os grupos de idade detalhados. A participação dessa faixa havia sido de 7,4% em 2010.

À época, as mortes de crianças de menos de um ano haviam respondido por 9,1% do total. Era a maior participação entre as faixas investigadas. Esse índice diminuiu para cerca de 5% em 2022. O IBGE considera mortes ocorridas nos 12 meses anteriores às pesquisas.

Saúde, educação e insegurança alimentar levam indígenas migrarem para cidades

JORGE ABREU, MACAPÁ, AP (FOLHAPRESS) - A artesã Zuleika Henrique dos Santos, 27, saiu de Oiapoque, que concentra 80% da população indígena do Amapá, para morar em Macapá. Da etnia galibi-marworno, ela conta que foi à capital para estudar enfermagem com objetivo de melhorar o atendimento de saúde na sua comunidade.

Zuleika nasceu e cresceu na aldeia Kumarumã, na terra indígena Uaçá, na região de fronteira com a Guiana Francesa. Lá, aprendeu a fazer artesanato, que hoje é a sua principal fonte de renda. Na capital, a 590 km de Oiapoque, teve a oportunidade expandir o negócio e os seus contatos.

"A convivência em Macapá é totalmente diferente da nossa realidade como indígena, mas aprendi a lidar. Foi difícil, mas como eu sou artesã, tenho minha fonte de renda para poder pagar o aluguel, a alimentação e o transporte", destacou.

Formada em curso técnico de enfermagem, Zuleika ainda busca espaço mercado de trabalho nessa área, enquanto tenta ingressar na universidade. Em Macapá, sonha em voltar para casa e proporcionar uma assistência de saúde melhor.

"Eu não posso desistir, porque tenho um objetivo. A nossa comunidade é muito carente da parte de saúde, não tem médico, não tem enfermeiro, e quando tem é difícil a entrada [na aldeia], mas a gente está tentando buscar melhorias. Eu saí da comunidade para capital para me formar e retornar com uma boa profissão, e assim ajudar o meu povo", acrescentou.

Zuleika faz parte dos 54% dos indígenas que vivem em áreas urbanas, do total de 1,7 milhão no país, segundo novo dado divulgado nesta quinta-feira (19) pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Esse percentual é superior ao registrado no Censo 2010, quando a proporção era de 36,2% (324,8 mil).

A antropóloga indígena Taynara Munduruku atribui a migração da aldeia para a cidade a três principais questões: educação, em primeiro lugar, seguido por saúde e segurança alimentar. Para ela, a falta desses direitos básicos, além de uma violência, faz parte do processo de colonização, que obriga os povos originários se afastarem de seus territórios.

"Muitas famílias acabam migrando para a cidade para que o filho possa ter aulas presenciais. A gente entende todas as problemáticas do ensino tecnológico dentro das comunidades indígenas. O ensino básico por si só ainda é muito falho, muito desigual. E nem todas as comunidades têm ensino médio presencial", afirmou Munduruku.

Morando em Manaus, a cidade com maior número de indígenas do Brasil, a antropóloga destaca que os processos migratórios dos povos indígenas para áreas urbanas nunca foram feitos de forma saudável. Há relatos de violações de direitos e violência, seja física, com invasão de territórios, ou mental, por meio do preconceito.

Ela cita, como exemplo de preconceito, a falta de uma educação diferenciada voltada para povos indígenas, respeitando as especificidades culturais de cada povo, e a intitulação do termo pejorativo "índio", que remete a atraso e outros conceitos ofensivos.

"A respeito dos jovens indígenas, quando eles passam por esse processo de migração de forma individual ou de forma conjunta com sua família, qual o processo de retorno dessas pessoas para a base? A base estará preparada para receber esses profissionais indígenas?", questiona.

Segundo Munduruku, muitos indígenas profissionais da educação, em algum momento, conseguem voltar para a sua base e desenvolver um trabalho de educação escolar indígena, específica e diferenciada, mas com todas as problemáticas da falta de estrutura.

"Dentro da academia, a gente sempre fala que escreve as nossas teses e dissertações porque são processos de reocupações para nós. Enquanto pesquisadores na pós-graduação, a gente escreve para os nossos povos, não para a academia branca. Estamos reescrevendo a nossa própria história", finalizou.

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