Musical 'Jeca' faz viagem lúdica a partir do álbum 'Refazenda', de Gilberto Gil

Outros dois álbuns também darão origem a peças teatrais

Musical 'Jeca' faz viagem lúdica a partir do álbum 'Refazenda', de Gilberto Gil
Musical 'Jeca' faz viagem lúdica a partir do álbum 'Refazenda', de Gilberto Gil

Cristina Camargo, São Paulo, Sp (folhapress) - 13/11/2025 18:48:37 | Foto: Pridia / Reprodução Instagram Gilberto Gil

Gilberto Gil, 83, que emociona milhares de fãs com "Tempo Rei", seu show de despedida das grandes turnês, é o inspirador do musical "Jeca - Um Povo Ainda Há de Vingar", em cartaz no Sesc Consolação, em São Paulo. Ou oráculo, como dizem os artistas do Grupo 59 de Teatro.

O espetáculo, baseado no álbum "Refazenda", lançado por Gil em 1975, foi montado pela trupe após uma ampla pesquisa sobre a trilogia "Re" ("Refazenda", "Refavela", de 1977, e "Realce", de 1979), um marco na carreira do cantor e compositor.

Os outros dois álbuns também darão origem a peças teatrais.

Escrito por Lucas Moura da Conceição, com poemas cênicos de Marcelino Freire, e dirigido por Kleber Montanheiro, o musical acompanha as idas e voltas de Jeca para sua terra natal.

Nas etapas dessas viagens, ele reencontra pai, mãe, a mulher amada, o velho abacateiro da cidade e suas próprias origens -a feira, o forró, o baião, as rendeiras e as jangadas.

Enxerga, também, as dores do homem sertanejo: o pau de arara, a terra seca, a repressão, os retirantes, as violências e a devastação causada por grandes empreendimentos, como as torres eólicas -elas produzem ventania capazes de carregar tudo, até mesmo as lembranças.

Nos anos de pesquisa, os artistas da companhia também viveram os seus próprios encontros e desencontros.

O de Fernando Vicente, um dos Jecas da montagem, foi com a obra de Gil, que chegou a rejeitar antes do aprofundamento proporcionado pelo período de estudo.

"Eu tinha algumas questões. Perguntava: por que o Gil não bate de frente? Por que ele não fala que o Brasil é racista?", recorda, citando principalmente o álbum "Refavela".

O ator percebeu, aos poucos, que o jeito de Gil é outro. Envolve acolhimento e transformação, fazer e refazer.

"E isso é genial, é incrível. Não é à toa que muita gente fala que ele é um orixá", diz o agora fã do músico.

No caso de Felipe Gomes Moreira, que também interpreta o Jeca na peça, a relação com Gil vem da infância. Os pais, ligados a movimentos sociais em Santo André, no ABC paulista, sempre tiveram o baiano como uma das referências.

"Meu pai tocava 'Expresso 2222' no triângulo", lembra sobre Eduardo José, morto em dezembro do ano passado.

A família Gomes Moreira, conhecida em Santo André por promover a Cantoria de Reis, foi uma das convidadas do grupo para participar da fase das ideias e provocações que deram origem à dramaturgia, ao lado de pesquisadores e outros artistas.

No palco, os dois atores se emocionam com "Pai e Mãe", uma das canções do álbum "Refazenda", que embala uma cena comovente sobre o afeto entre homens de gerações diferentes. Fernando lembra do primeiro beijo que deu no pai, aos 26 anos. Felipe ainda vive o luto da perda paterna.

Todas as músicas de "Refazenda" estão no musical, algumas na íntegra, outras em citações. O espetáculo tem também canções originais do músico Marco França, com letras de Moura e Freire.

O enredo é construído a partir de personagens, paisagens e situações retiradas das letras. Outras músicas de Gil, como "Back in Bahia" e "Lugar Comum", essa com João Donato (1934-2023), fazem parte da trilha sonora.

A ideia de mergulhar na trilogia "Re" veio de Mirian Blanco, atriz e produtora do projeto, a partir do histórico de 15 anos de pesquisas sobre a cultura popular brasileira do Grupo 59, que inclui espetáculos premiados como os infanto-juvenis "Um Dia, Um Rio" e "O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá". "Jeca' herdou a ludicidade dessas outras montagens.

"O Gil tem essa audácia maravilhosa de criar um projeto de país", afirma a atriz. "Até o Caetano Veloso disse que, embora goste das músicas, das letras, dos timbres, o que ele acha mais forte no Gil é essa capacidade de criar um Brasil inteiro em sua música".

No palco, o que aparece é um país de revezes, mas também de belezas e esperança.

Gil liderou uma construção artística que mescla influências do período do exílio em Londres ao acordeon de Luiz Gonzaga, Beatles ao sertão, ácido e cachaça, reza e festa, passado e futuro, recuo e avanço.

"O Gil escreve em alegorias, cada verso é uma alegoria", diz Blanco. "Refazenda" traz a voz dos interiores do Brasil e, também, do interior do próprio Gil e dos dez artistas em cena no musical.

"Cada disco da trilogia é um manifesto. A trilogia manifesta um projeto de país que não passava pela ideia de uma elite branca militar, em plena ditadura. Passava por uma pluralidade das frentes que ele organiza, do Brasil interiorano e rural, um Brasil negro, diaspórico. Um Brasil festivo e colorido".

Gil define "Refazenda" como uma "justaposição de nonsense", uma celebração à natureza e um resgate de suas raízes nordestinas.

"Trazemos um pouco das raízes do Brasil e como elas se conectam com os dias de hoje, com o que a gente vive e ainda se espelha no passado, o que evoluímos e o que não evoluímos", define Montanheiro.

No cenário do espetáculo, um praticável circular remete ao abacateiro da canção "Refazenda", um marco simbólico e temporal da peça. O abacateiro, velho amigo de Jeca, é também um cúmplice de sua trajetória.

O diretor destaca o momento de valorização das dramaturgias musicais autorais, em uma linha histórica em que o teatro musical brasileiro passou por diversas transformações, desde o teatro de revista até as peças biográficas dos últimos anos.

"É um momento produtivo. Estamos conseguindo contar outras histórias nessa linguagem. Vejo mais pessoas fazendo isso ao meu redor. Acho que estamos firmando um movimento muito importante".

A equipe de Gil aprovou o projeto e o grupo sonha com a presença do cantor em uma das apresentações do musical. Dizem que seria como uma benção.

JECA - UM POVO AINDA HÁ DE VINGAR
- Quando Até 23 de novembro. Quinta a sábado, às 20h, e domingos e feriados, às 18h
- Onde Sesc Consolação
- Preço R$ 70,00 (inteira), R$ 35,00 (meia) e R$ 21,00 (credencial sesc)
- Autoria ucas Moura da Conceição, com poemas cênicos de Marcelino Freire
- Elenco Carolina Faria, Felipe Gomes Moreira, Fernando Vicente, Gabriel Bodstein, Gabriela Cerqueira, Jane Fernandes, Mirian Blanco, Nilcéia Vicente, Nathália Ernesto e Thomas Huszar
- Direção Kleber Montanheiro

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