Frente tenta reativar único partido negro, extinto no Brasil na Era Vargas

A Nova Frente foi fundada em 2016

Frente tenta reativar único partido negro, extinto no Brasil na Era Vargas
Frente tenta reativar único partido negro, extinto no Brasil na Era Vargas

Ana Gabriela Oliveira Lima, São Paulo, Sp (folhapress) - 10/11/2025 07:07:49 | Foto: Nova Frente Negra Brasileira busca reativação do partido extinto. - Acervo Biblioteca Nacional

A organização Nova Frente Negra Brasileira tenta reativar junto à Justiça Eleitoral o único partido que já existiu no Brasil com a centralidade de defender as demandas da população preta e parda.

A FNB (Frente Negra Brasileira) foi fundada em 1931, em São Paulo, e é considerada por historiadores fulcral na luta por direitos. Em 1936 ela virou partido político, mas, antes de colocar candidatos nas urnas, foi extinta pela ditadura de Getúlio Vargas (1937-1945), que proibiu todas as organizações políticas da época.

Para militantes da Nova Frente Negra Brasileira, que diz reunir também descendentes do antigo movimento, a Justiça precisa explicar o que aconteceu com a sigla, que nunca foi extinta por este Poder. A Nova Frente foi fundada em 2016, tem representantes em 20 estados do país e cerca de 5.000 integrantes, segundo a organização.

"A gente levantou documentos jurídicos, históricos e políticos e fez um protocolo de reativação do partido da Frente Negra Brasileira", afirma Tadeu Kaçula, coordenador nacional da Nova FNB. De acordo com ele, o movimento iniciou diálogo –convertido em processo– no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) em 2022, quando o grupo foi recebido por Edson Fachin, então presidente da corte.

"Nós entendemos que, se o TSE homologou a Frente Negra Brasileira como partido político e não revogou a homologação, esse partido nunca se encerrou. Se os próprios membros da sigla não foram ao TSE e pediram para encerrar o registro, ele não se encerrou".

Agora, a organização prepara um documento para levar a demanda ao STF (Supremo Tribunal Federal). "Na semana passada, tivemos uma audiência no Supremo fazendo uma agenda positiva para entender os ritos, a liturgia jurídica para entrar com uma tese –que já está pronta– para que a corte possa julgar constitucional a reativação do Partido da Frente Negra Brasileira".

Kaçula afirma que a recuperação da sigla seria uma reparação histórica, considerando o peso que teve a FNB em sua época. Segundo Petrônio Domingues, doutor em história pela USP e professor da Universidade Federal de Sergipe, a frente reuniu milhares de filiados, com número estimado entre 15 e 200 mil.

Teve mais de 60 sucursais e se expandiu para Minas Gerais, Rio de Janeiro e Espírito Santo. De acordo com Domingues, ela conseguiu benefícios concretos para a população por meio da pressão junto a políticos, como eliminar a proibição velada do ingresso de negros em locais de lazer e na Guarda Civil de São Paulo. Teve escola, um jornal, chamado "A Voz da Raça", e time de futebol.

Inconteste a importância, um aspecto sobre a FNB é considerado espinhoso atualmente: seu espectro político. Enquanto parte dos pesquisadores, como Domingues, defende que predominou na cúpula da associação o discurso de direita, com aproximação da AIB (Ação Integralista Brasileira), outra parte diz que a Frente era progressista.

Essa é a interpretação da Nova FNB. Segundo Kaçula, a agenda da antiga frente se enquadrava assim porque era voltada a programas de ação afirmativa e de inclusão da população sub-representada.

Para o historiador Zezito Araújo, doutor honoris causa pela Ufal (Universidade Federal de Alagoas), é tendencioso tentar enquadrar a FNB em direita ou esquerda com as lentes contemporâneas. Ele destaca a diversidade interna que havia na organização e pondera que o mais importante é focar o ineditismo do movimento, que congregou várias tendências políticas contra o racismo.

Até hoje o alcance da agremiação é singular. Desde então, nunca o Brasil viu uma sigla partidária cuja centralidade fosse a questão racial.

Consta na lista de partidos em formação no TSE o PDA-B (Partido Democrático Afro-brasileiro), com a missão de "promover a igualdade racial, social e econômica no Brasil, valorizando a cultura afro-brasileira e combatendo o racismo estrutural", segundo o site da organização.

Tem sede em Brasília e 155 assinaturas registradas no tribunal. Para que a criação de um partido seja aprovada, uma sigla em formação precisa atualmente superar a marca de 500 mil assinaturas, distribuídas em pelo menos nove estados, dentre outros requisitos.

Projetos mais incipientes estão em curso no movimento negro. Dentre eles está o Raízes, com proposta "antirracista de protagonismo negro e indígena".

Segundo Edna Ramos Soares, diretora de mulheres da organização, a proposta é pautar a paridade de gênero e a proporcionalidade de negros e indígenas no interior da sigla, uma vez que os partidos existentes não assumem compromisso sério com a pauta.

Um empecilho, porém, é a falta de verba para seguir os trâmites necessários para fazer a propositura junto ao TSE, afirma.

De acordo com Douglas Belchior, diretor do Instituto de Referência Negra Peregum e co-fundador da Uneafro e da Coalizão Negra por Direitos, "sempre houve debate sobre a necessidade e viabilidade de partidos negros" no Brasil.

Ele diz ser importante a criação de uma sigla que represente essa parcela da população, em cenário com sub-representatividade de políticos negros e com partidos resistentes a investir na diversidade interna.

Apesar disso, acha que a empreitada é inviável no momento, em razão da dificuldade em criar uma legenda que represente de fato o movimento negro.

"Isso conversa com a complexidade do debate racial brasileiro. Não é simples discutir isso no Brasil, porque a população negra não se reconhece como um bloco uníssono. A sua diversidade política e ideológica justifica a sua dispersão política também. Nós não conseguimos construir –isso é um desafio para nós do movimento negro– uma unidade política que viabilizasse um partido negro".

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