BR-101 vira avenida e trava acessos a portos e cidades de Santa Catarina
Foto: Arteris Litoral Sul/ Divulgação / Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes
BR-101 vira avenida e trava acessos a portos e cidades de Santa Catarina
Marcelo Toledo - Itajaí E Itapema, Sc (folhapress) - 19/11/2024 10:32:21 | Foto: Arteris Litoral Sul/ Divulgação / Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes
MARCELO TOLEDO,RECIFE, PE (FOLHAPRESS) - Radares não faltam no trecho urbano da BR-101 no Recife, e a via é toda duplicada no entorno da capital pernambucana, mas mesmo assim ela figura entre os pontos mais críticos do país em relação ao número de mortes e concentra os trechos rodoviários mais perigosos para acidentes no estado.
No intervalo de um ano, dois trechos entre os quilômetros 60 e 80 da rodovia, na região metropolitana do Recife, registraram 24 mortes em 436 acidentes, aponta um estudo da CNT (Confederação Nacional do Transporte) sobre segurança nas estradas federais brasileiras, o que a coloca no ranking dos dez pontos mais críticos do país.
Por ser uma via de escoamento logístico, sua situação atrasa os negócios em pontos do Nordeste.
Além disso, a BR-101 teve 1.103 acidentes de novembro de 2022 a outubro do ano passado, o correspondente a 38% do total de Pernambuco, e quatro trechos seus, todos no entorno da capital, foram listados no topo dos mais perigosos no estado.
Entre os quilômetros 40 e 80 da rodovia, no entorno do Recife, ocorreram 755 acidentes, com 42 mortes no período, explicados pelos vizinhos pela ausência de passarelas, o intenso tráfego de caminhões e automóveis e camionetes que trafegam pelo acostamento e se deslocam para cidades como Olinda ou Jaboatão dos Guararapes.
A Folha percorreu cerca de mil quilômetros da rodovia em quatro estados -Santa Catarina, São Paulo, Rio de Janeiro e Pernambuco- para mostrar os problemas.
Segunda maior rota rodoviária do país, atrás somente da BR-116, a litorânea BR-101 corta 11 estados de três regiões brasileiras -Sul, Sudeste e Nordeste-, ligando o Rio Grande do Sul ao Rio Grande do Norte e que, embora tenha condições gerais classificadas pela CNT como boas ou regulares, enfrenta gargalos que travam o desenvolvimento.
No Nordeste, praticamente um em cada quatro acidentes ocorreu na BR-101 (3.330 no total), e ela foi também a rodovia com mais mortes (293, 17% do total).
"Isso [trânsito intenso] vai até pelo menos 9h, todos os dias, mas só acalma mesmo depois das 10h. Se os caminhões não contribuírem, não dá para passar. Faltam passarelas por aqui", disse o pedreiro Davi Alves às 7h30 de uma terça-feira, duas horas após sair de sua casa, no sentido Recife-Olinda.
Gerente de uma transportadora, Cristiano Souza afirmou que a regra na rodovia no estado é saber a hora que o veículo parte da empresa, "mas nunca a hora que chegará" ao destino.
"É complicada, pois há muitos trechos urbanos, que sempre seguram a viagem, além de acidentes, que são comuns", disse.
Em outro ponto da rodovia, idosos e estudantes passavam a 101 conforme a possibilidade. "Quando é um caminhão muito carregado, a gente sabe que ele vem mais lento e dá para passar correndo", disse o aposentado João Claudio Freitas.
A situação é mais crítica nos entornos de comunidades, casos da região do Jardim Monte Verde e do bairro Ibura, entre os quilômetros 60 e 70, no sentido Jaboatão, que concentram aglomerações à espera de uma oportunidade para cruzar a pista.
O gerente-executivo de desenvolvimento do transporte da CNT, Tiago Veras, afirmou que o problema seria solucionado com a criação de contornos rodoviários, como o Rodoanel na região metropolitana de São Paulo ou o contorno viário inaugurado em agosto em Florianópolis. O problema é o custo, que no caso catarinense foi estimado em R$ 3,9 bilhões.
"Em muitas cidades com um contorno relativamente simples isso se resolve. E, claro, planejamento urbano, controle urbano, para que não haja novamente essa ocupação desse contorno. Na proximidade das áreas urbanas, é onde a gente tem muitas vezes uma maior concentração de acidentes, não só pelo número de veículos, mas também porque o elo mais frágil está mais presente, que é o pedestre, o ciclista", disse.
Vendedor de bichos de pelúcia, Sebastião Damasceno afirmou que é praticamente impossível cruzar a BR na região. "Aqui não tem lugar para a gente passar se não for pela pista. Perco venda com isso, já que quem está do outro lado não consegue vir comprar, nem eu consigo levar até a pessoa", disse ele, nas proximidades de Jaboatão.
ACIDENTE E ESPERA
O soldado da Força Aérea Brasileira Yago Gomes, 20, foi uma das vítimas do trânsito na BR. Ele trafegava no quilômetro 72 da rodovia, em frente a um posto de combustíveis, quando um caminhão que estava à sua frente saiu da pista sem dar seta. Ele, que estava de moto, atingiu a traseira do veículo.
O militar sofreu ferimentos na perna esquerda e ficou sentado no acostamento aguardando a chegada do resgate do Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência).
Em todo o país, a BR-101 foi a rodovia federal com mais acidentes de novembro de 2022 a outubro de 2023, 11.337, o equivalente a 17% do total do Brasil em um ano, ainda segundo a CNT.
A BR tem gestão privada em cinco estados, dos quais em quatro as classificações são boas (Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Espírito Santo e Rio de Janeiro). A exceção é São Paulo, com classificação geral regular.
Nos seis estados em que a gestão é pública, ela só é boa na Paraíba e em Alagoas. Em Pernambuco, Sergipe, Rio Grande do Norte e Bahia, a classificação é regular.
A CNT pesquisou 3.731 quilômetros da BR-101, dos quais 10,5% são ruins ou péssimos. Há predominância de trechos bons (43,2%), seguidos por regulares (30,8%) e ótimos (15,5%). São analisadas as condições de pavimento, sinalização e geometria da via.
A extensão total chega a quase 4.600 quilômetros, mas há trechos sobrepostos a outras rodovias, afirmou o executivo da confederação.
Nos finais de tarde, o cenário visto pela Folha no início do dia no Recife se repetiu, com o acréscimo de vendedores ambulantes no meio da pista, entre os carros, oferecendo água e salgadinhos de origem duvidosa.
A Folha de S.Paulo questionou o governo pernambucano sobre o que tem sido feito em relação às queixas na área urbana da rodovia no entorno do Recife, mas não houve resposta.
BR-101 vira avenida e trava acessos a portos e cidades de Santa Catarina
Estado que viu suas cidades litorâneas e a economia se desenvolverem de forma acelerada nos últimos anos, Santa Catarina se transformou em um exercício de paciência para motoristas que trafegam pela BR-101, uma das principais rodovias brasileiras. A solução discutida é investir mais de R$ 9 bilhões na criação de uma rodovia paralela.
Seja para os motoristas que precisam se deslocar a um dos cinco portos do estado ou para turistas que planejam visitar cidades como Balneário Camboriú, Itapema, Porto Belo, Navegantes ou Itajaí, um fato é certo: eles enfrentarão lentidão ou tráfego parado na chegada ou saída desses locais, travando não só o trânsito, mas também a economia.
A reportagem percorreu cerca de 1.000 quilômetros da rodovia em quatro estados -Santa Catarina, São Paulo, Rio de Janeiro e Pernambuco- para mostrar os problemas que atrapalham as populações que habitam o entorno da BR-101 ou que necessitam dela para o escoamento das suas produções.
A rodovia litorânea corta 11 estados de três regiões brasileiras -Sul, Sudeste e Nordeste-, ligando o Rio Grande do Sul ao Rio Grande do Norte e , embora tenha condições gerais classificadas pela CNT (Confederação Nacional do Transporte) como boas ou regulares, enfrenta gargalos que travam o desenvolvimento.
Em Santa Catarina, o ponto mais crítico fica entre Itapema e Navegantes, com cerca de 50 quilômetros, onde ao crescimento dos portos soma-se o avanço de edifícios cada vez mais altos e em maior quantidade na região, que se transformou nos últimos anos num canteiro permanente de obras.
Motoristas relataram que já chegaram a levar três horas para percorrer o trecho, que, em condições normais, seria percorrido em 30 minutos, cenário que piora quando há acidentes, como a reportagem presenciou.
"Esse trecho tem os portos de Itajaí e de Navegantes, que é o segundo do país em movimentação de contêineres. Todos que entram e saem de Navegantes passam pela BR-101, e todo o fluxo turístico de pessoas que vêm do Vale do Itajaí desemboca pela BR-470 na 101, nesse trecho", disse o presidente da Fiesc (Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina), Mario Cezar de Aguiar.
A entidade contratou um engenheiro para avaliar uma proposta de prorrogação da concessão rodoviária por mais 15 anos -a atual vence em 2033-, que resultaria em investimento de R$ 8,59 bilhões, segundo a Fiesc, mas que em 2035 já será insuficiente pelo ritmo de crescimento do estado.
"O estado é o quinto que mais recursos envia para Brasília e tem uma economia pujante que fica prejudicada na ligação entre os cinco portos. É o segundo estado que mais movimenta contêineres, que vão por via rodoviária e fatalmente passam pela BR-101."
Dos cinco portos do estado, só o de São Francisco do Sul é atendido por ferrovia, justamente o que se tornou o maior de Santa Catarina e passará por um aprofundamento do canal para receber navios maiores, com investimento de R$ 300 milhões.
Mas nem ele está livre dos problemas da rodovia federal. O congestionamento de veículos na BR-101 trava o acesso ao porto pela secundária BR-280. Quando não paralisado totalmente, o fluxo de caminhões rumo ao porto pode gerar uma espera de quase duas horas.
"Como todo porto no Brasil, há esses problemas de acesso, e aqui não é diferente. A gente tem feito um trabalho com a bancada catarinense no Congresso [para a duplicação da BR-280]. Estão fazendo por partes. É um problema sério para a gente", disse Lindomar Dutra, diretor de administração e finanças do porto de São Francisco do Sul.
Ele afirmou que o cenário é mais crítico no verão devido ao fluxo de turistas, e só não é ainda pior porque em média 50% dos produtos do agronegócio que têm o porto como destino são transportados pela ferrovia.
A também portuária Itajaí viu sua economia crescer e se transformar na maior do estado, superando Joinville e a capital, Florianópolis, ancorada também na comercialização de apartamentos que chegam a custar R$ 50 milhões. Só no ano passado foram negociados na cidade cerca de R$ 3 bilhões em 3.300 imóveis, segundo o Sinduscon (Sindicato da Indústria da Construção Civil) da Foz do Rio Itajaí, que inclui Navegantes, Penha e Balneário Piçarras.
A situação é tão crítica na região que em dezembro foi permitido, em caráter experimental, o tráfego de veículos leves no acostamento da BR-101 como forma de melhorar o fluxo no litoral sul.
O pedido foi feito pela Amifri (Associação dos Municípios da Região da Foz do Rio Itajaí), composta por 11 municípios, e apoiado pela ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) entre 15 e 17 de dezembro, das 14h às 22h, num trecho de 35 quilômetros entre Itapema e Navegantes, perto do trevo da BR-470.
A PRF (Polícia Rodoviária Federal) não viu a solução como a ideal, mas como o possível para melhorar a fluidez das vias.
A situação agravada anualmente fez com que a associação de municípios se reunisse em Brasília com o ministro dos Transportes, Renan Filho, o governo catarinense e deputados para tratar da mobilidade na rodovia.
"As cidades foram crescendo. Não é que a rodovia passou onde já havia uma cidade, a cidade é que foi se aproximando da rodovia [...] Isso é um problema, porque o ideal é que você vede o máximo possível a rodovia para não ter problema de fluidez e de segurança", disse o gerente-executivo de desenvolvimento do transporte da CNT, Tiago Veras.
NOVA RODOVIA E PEDÁGIO VARIÁVEL
A alternativa vista para resolver o gargalo da rodovia no estado é construir uma nova rodovia, cujo valor é estimado em R$ 9,2 bilhões e teria 144 quilômetros de extensão, ligando Joinville a Biguaçu, na região metropolitana de Florianópolis, ou a Tijucas.
Uma frente parlamentar para a criação do corredor rodoviário litorâneo norte foi lançada em setembro na Assembleia Legislativa.
"Não escapa de fazer uma rodovia paralela, esse é o projeto que tem de ser feito dado todo esse crescimento na economia. Essa tendência é irreversível [...] Mas, na melhor das hipóteses, ela ficaria pronta lá para 2032, 2033", disse o presidente da Fiesc.
O Governo de Santa Catarina informou somente que está encabeçando o projeto para a construção de uma nova rodovia, paralela à 101, que é complexo e avança dentro dos trâmites e exigências legais.
O Ministério dos Transportes disse que representantes da pasta participaram de agendas junto à Fiesc recentemente em que foram levantadas ideias da criação de uma rodovia paralela, mas que não foram apresentadas propostas formais até o momento.
Enquanto isso não ocorre, uma proposta de curto prazo feita por empresários é a adoção de tarifas de pedágio variáveis, conforme o fluxo -nos horários de pico, tarifa mais cara, enquanto em horários de baixa demanda o valor seria menor. "Vai resolver? Não vai, mas melhora", disse.
Um outro trecho considerado muito crítico em Santa Catarina era o entorno de Florianópolis, mas um contorno viário foi inaugurado em agosto pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o que contribuiu para desafogar a 101 na região.
A obra do contorno, com 50 quilômetros de extensão, foi entregue com 12 anos de atraso. O objetivo é justamente retirar caminhões e veículos pesados que trafegam em um trecho praticamente urbano da BR-101 na Grande Florianópolis.
A expectativa da Prefeitura de Biguaçu, um dos quatro municípios catarinenses por onde passa o anel viário, é que o trânsito na BR-101 caia em 35% na região. A obra também reduziu o tempo de viagem entre Palhoça e Tijucas, de cerca de duas horas para 40 minutos.
O anel viário tem pista dupla nos dois sentidos, quatro túneis duplos, 14 pontes e 20 passagens em desnível.
Além de beneficiar o transporte de cargas, a nova via encurtou o tempo de quem viaja do Sudeste às praias do sul catarinense, como Garopaba.
Planejada pelo governo federal na década de 1990, a obra entrou no contrato de concessão da BR-101 entre Paraná e Santa Catarina, assinado pela Arteris em 2007. A obra começou cinco anos depois, ano em que estava prevista a inauguração. Segundo a empresa, o atraso ocorreu devido à complexidade do projeto.
Ainda segundo o ministério, o contrato de concessão da Arteris Litoral Sul, em que está contido o trecho da BR-101, está em análise para o processo de otimização. "Dentro desta modernização do acordo, estão sendo discutidas a implantação de diversas obras de ampliação de capacidade. O objetivo é melhorar o nível de serviço para os usuários da rodovia no estado", informou o governo.
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