Após uma semana cumprindo agenda internacional na Rússia e na China, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva retorna ao Brasil em meio à crise do INSS, que ainda repercute no governo.
Lula esteve em Moscou no início de maio para participar dos 80 anos do Dia da Vitória, comemorado no dia 9 de maio. Duas semanas antes, a Polícia Federal (PF) e a Controladoria-Geral da União (CGU) realizaram a operação Sem Desconto, que investiga um esquema de corrupção responsável por descontar mensalidades associativas não autorizadas de beneficiários do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
Segundo as investigações, entre 2019 e 2024 foram descontados de aposentados e pensionistas cerca R$ 6,3 bilhões de forma fraudulenta. De imediato, o governo anunciou a suspensão de serviços que eram diretamente descontados dos beneficiários.
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A operação custou a cabeça de Carlos Lupi (PDT), então ministro da Previdência Social, que pediu demissão do cargo em meio às investigações. Para o seu lugar, o governo escolheu Wolney Queiroz, ex-deputado e também filiado ao Partido Democrático Trabalhista (PDT).
A saída de Lupi na pasta, entretanto, causou furor em seu partido, resultando na debandada de deputados federais do partido da base do governo. O senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), líder do governo no Congresso, por sua vez, contemporizou a situação e afirmou que, para "nós [governo], o PDT continua no governo, e para a bancada do Senado também".
Isabel Uchôa, cientista política e pesquisadora do Laboratório de Partidos, Eleições e Política Comparada (Lappcom) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), observa que a saída de Lupi se dá no contexto em que Ciro Gomes acena a forças bolsonaristas no Ceará, visando o governo do estado em 2026.
No âmbito do governo, a saída de parlamentares do PDT da base governista, caso se concretize, representa um desafio para o avanço de projetos importantes, como "a isenção do imposto de renda para aqueles que ganham até R$ 5 mil".
O desconto previdenciário de mais de R$ 6 bilhões virou escândalo, e a oposição surfou na onda do prejuízo no bolso dos aposentados. O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), com mais de 5,5 milhões de seguidores no Instagram (rede social da Meta, cujas atividades são proibidas na Rússia por serem consideradas extremistas), fez mais de 30 publicações sobre o assunto desde o dia 23, criticando o governo Lula e cunhando o escândalo como "aposentão".
O vídeo mais visualizado sobre o assunto no perfil do senador tem o apresentador de TV Carlos Massa, conhecido como Ratinho, dizendo que "funcionários do governo roubaram 6 bilhões de velhinhos, de aposentados do INSS". Foram 3,4 milhões de visualizações na mídia postada justamente no dia em que a operação foi deflagrada.
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Já na conta do deputado Nikolas Ferreira (PL-MG ), um dos políticos com mais seguidores nas redes sociais, publicou um vídeo sobre o assunto e obteve cerca de 25 milhões de visualizações. Postado há cinco dias, a mídia questiona o envolvimento do governo Lula no caso e confronta a situação por não ter assinado o pedido de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), protocolada pelo deputado.
Segundo Uchôa, a ação é um contra-ataque da oposição após o governo associar a crise do INSS ao governo Bolsonaro.
Além disso, Marcus Ianoni, professor de ciência política da Universidade Federal Fluminense (UFF), afirmou que atualmente impera uma disputa da narrativas dos fatos, que envolvem fake news e é um problema difícil de enfrentar.
"A repercussão do problema no INSS está ainda maior do que a fake news sobre a taxação do Pix. O governo está desafiado a enfrentar as narrativas sensacionalistas. Creio que, à medida que o governo for devolvendo o dinheiro descontado indevidamente e punindo os responsáveis, como já começou a fazer, essa crise será superada", afirmou.
A ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, disse na semana passada, durante evento em São Paulo, na bolsa de valores B3, que ninguém ficará prejudicado e todos serão ressarcidos.
Nesta quarta-feira (14), as vítimas dos descontos associativos já podem contestar os valores subtraídos de suas contas. A partir da notificação do INSS, as associações terão 15 dias úteis para responder à contestação. Caso a entidade não consiga comprovar o vínculo, ela será obrigada a restituir os descontos ao segurado.
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De volta ao Brasil após um encontro com importantes parceiros comerciais do país, Lula deve encontrar uma oposição mantendo o "tema da crise do INSS", diz Uchôa, sobretudo porque "a questão da anistia está um pouco morna", acrescenta.
"O governo ainda sofre de uma percepção negativa generalizada sobre seu sucesso, apesar de índices apresentarem progressos econômicos e sociais. É preciso que a ala governista busque reforçar sua comunicação política, como tem feito após a contratação de Sidônio Palmeira", ressalta a analista sobre a postura que pode ser adotada pelo governo para reverter a crise.