STF proíbe Cremesp de requisitar prontuários de pacientes que fizeram aborto legal

MPF pede condenação do Cremesp por atuação indevida contra médicos que realizaram aborto legal

STF proíbe Cremesp de requisitar prontuários de pacientes que fizeram aborto legal
STF proíbe Cremesp de requisitar prontuários de pacientes que fizeram aborto legal

Foto: Cremesp reprodução

MPF pede condenação do Cremesp por atuação indevida contra médicos que realizaram aborto legal

São Paulo, Sp (folhapress) - 12/12/2024 07:30:43 | Foto: Cremesp reprodução

CLÁUDIA COLLUCCI E VICTÓRIA DAMASCENO,SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), proibiu o Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo) de requisitar prontuários médicos de pacientes que realizaram aborto legal em qualquer estabelecimento hospitalar paulista.

No despacho publicado nesta terça-feira (10), o ministro afirma que a medida foi necessária "diante de notícias reportando novas solicitações do Cremesp por prontuários médicos de pacientes que realizaram aborto legal no HCFMB (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu), vinculado à Unesp (Universidade Estadual Júlio de Mesquita Filho".

A Folha de S.Paulo revelou que o conselho está realizando uma operação para fiscalizar o aborto legal nos hospitais do estado e solicitando acesso aos prontuários das pacientes que utilizaram o serviço de interrupção da gravidez conforme a lei.

A primeira ação noticiada ocorreu em 12 de novembro, quando o Centro de Assistência Integral à Saúde da Mulher, da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), recebeu um médico fiscal para avaliar o serviço. Em uma ação na terça (3), o conselho solicitou os documentos das pacientes que realizaram aborto legal no hospital vinculado à Unesp.

No mesmo dia em que ocorreu a ação no hospital da Unicamp, o ministro mandou intimar o presidente do Cremesp e proibiu o estado e o município de São Paulo de fornecerem dados pessoais constantes de prontuários médicos de aborto legal. Segundo ele, não há justificativa para a requisição desses dados.

O conselho regional foi intimado a informar se as requisições foram mesmo feitas e esclarecer as circunstâncias em que elas ocorreram. Caso se confirmem, o presidente do órgão poderá ser responsabilizado pessoalmente, diz o despacho.

A direção do Hospital das Clínicas de Botucatu e o município também foram intimados para tomar conhecimento da proibição.

A decisão foi tomada na ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 1141 do PSOL contra uma resolução do Cremesp que proibiu o uso da técnica de assistolia fetal para interromper gestações acima de 22 semanas em casos de estupro. A técnica é recomendada pela OMS (Organização Mundial da Saúde) para interrupção de gestações avançadas.

Em maio, o relator havia suspendido a resolução em caráter liminar e proibido a abertura de procedimentos administrativos ou disciplinares baseados nela.

Ainda nesta terça, em resposta à intimação do STF, o presidente do Cremesp, Angelo Vattimo, negou qualquer descumprimento às decisões da Casa.

Em ofício encaminhado ao Supremo, ele afirma que, desde a liminar de 24 de maio deste ano, determinou a suspensão da tramitação de todas as sindicâncias e processos ético-profissionais em curso em relação aos procedimentos de aborto legal. Segundo o conselho, também não houve nenhuma instauração de processo administrativo disciplinar.

Quanto à fiscalização realizada no serviço de aborto legal do hospital vinculado à Unicamp, o Cremesp alega que a prática faz parte de suas atribuições legais e rotineiras. Diz que realizou de janeiro a outubro deste ano, 521 fiscalizações proativas e 748 reativas.

"O objetivo de ambas é verificar as condições de funcionamento do estabelecimento de assistência à saúde, o exercício da medicina nos locais a serem vistoriados, a organização das comissões obrigatórias, a organização dos prontuários médicos, as escalas médicas, a equipe médica e sua formação, as prescrições e todos os demais aspectos envolvendo o processo de trabalho."
Segundo o conselho, "não existe um direcionamento nas instituições a serem fiscalizadas, nem tampouco há que se falar que a requisição dos prontuários no hospital da Unicamp foi feita de forma excepcional".

O conselho médico também afirma que não descumpriu a determinação de Moraes . "Ao contrário do que consta na referida matéria, não houve qualquer descumprimento por parte do Cremesp de decisão prolatada pelo Poder Judiciário, em especial por este Colendo Supremo Tribunal Federal." Reportagem da Folha noticiando a fiscalização do hospital de Botucatu, porém, não traz afirmações do tipo.

Por fim, o Cremesp pediu ao STF a possibilidade da manutenção em requerer os prontuários aos hospitais do Programa Aborto Legal, caso necessário, aumentando o prazo para entrega, com os dados ocultados das pacientes antes da entrega ao Cremesp, "vez que não aceitaremos os prontuários requeridos à Unicamp e Unesp, diante da decisão de Vossa Excelência".

Em nota à Folha enviada em 3 de dezembro, o conselho afirma que a operação de fiscalização do programa de aborto legal "visa apurar, de forma integral, a regularidade da execução deste programa, verificando tanto o cumprimento quanto o eventual descumprimento das normas estabelecidas. A análise abrange a estrutura, a documentação e a qualidade das práticas médicas, assegurando que estejam alinhadas aos princípios éticos, legais e técnicos exigidos por lei".

MPF pede condenação do Cremesp por atuação indevida contra médicos que realizaram aborto legal

O MPF (Ministério Público Federal) pede que o Cremesp (Conselho Regional de Medicina) seja condenado a pagar R$ 500 mil em danos morais coletivos decorrentes do que considera conduta irregular do órgão contra médicos que realizaram abortos legais no Hospital Maternidade Vila Nova Cachoeirinha, em São Paulo.

Segundo o MPF, o Cremesp abriu procedimentos disciplinares indevidos contra os médicos que fizeram abortos em grávidas com mais de 20 semanas de gestações originadas de estupro.

No Brasil, a interrupção de gestação é permitida em caso de estupro, risco à vida da mãe ou de fetos com anencefalia.

De acordo com o MPF, o Cremesp fez uma vistoria no hospital em dezembro de 2023, quando o serviço de aborto legal foi encerrado pela prefeitura de Ricardo Nunes (MDB), e pediu os prontuários das mulheres que haviam feito aborto legal nos dois meses anteriores.

Na apuração do MPF, segundo a instituição, o órgão médico não demonstrou justa causa para a instauração dos procedimentos disciplinares e nem para o uso de dados sensíveis das pacientes, que foram acessados sem consentimento delas e dos profissionais. O MPF considera que o sigilo médico foi violado.

A ofensiva do Cremesp contra médicos que faziam aborto legal no Vila Nova Cachoeirinha começou no início deste ano.

Em novembro, o MPF abriu a investigação para apurar a conduta do Cremesp contra profissionais do Cachoeirinha. Segundo o órgão federal, ao menos três deles são vítimas de perseguição, o que gerou uma pena cautelar do conselho.

Reportagem da Folha de S.Paulo mostrou que integrantes do órgão de medicina acusaram médicas que fizeram procedimentos no hospital de praticar tortura, tratamento cruel, negligência, imprudência e até mesmo o assassinato de fetos, embora as interrupções realizadas estivessem dentro da lei.

O Cremesp pediu prontuários de pacientes de outros hospitais, como o do HC de Botucatu. A ação ocorreu cerca de um mês após o órgão realizar fiscalização semelhante no Centro de Assistência Integral à Saúde da Mulher, da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Na ocasião, o conselho pediu acesso a todos os prontuários de mulheres que realizaram o aborto legal nos últimos 12 meses, conforme revelado pela Folha de S.Paulo.

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