Ainda estou aqui de Walter Salles expõe a ferida ainda em carne viva aberta pela ditadura de 1964

Um convite a conhecer nossa história e como ela reverbera hoje, que nos convoca a lutar por memória, verdade e justiça!

Ainda estou aqui de Walter Salles expõe a ferida ainda em carne viva aberta pela ditadura de 1964
Ainda estou aqui de Walter Salles expõe a ferida ainda em carne viva aberta pela ditadura de 1964

Foto: Divulgação

Um convite a conhecer nossa história e como ela reverbera hoje, que nos convoca a lutar por memória, verdade e justiça!

Fabiano Sousa* Brasil De Fato | Fortaleza (ce) - 24/12/2024 09:42:08 | Foto: Divulgação

Lançado no mês passado, o filme retrata um breve momento da história da família Paiva e da consequente prisão, tortura e assassinato do ex-deputado Rubens Paiva pela Ditadura civil-militar em 1971. Dirigido por Walter Salles (autor de filmes como Central do Brasil e Diários de Motocicleta), “Ainda estou aqui” já passou de 2 milhões de espectadores nos cinemas de todo o Brasil.

É incrível como Walter Salles consegue contar tão bem uma história, apresentando e desenvolvendo com maestria todos os personagens. Desde as filhas, cada uma com personalidade marcante, o filho Marcelo (Rubens Paiva), por sinal, é autor da autobiografia do qual o roteiro do filme se baseia, passando até pela casa da família à beira da praia (que aqui, nas mãos de Salles, se torna um personagem próprio). Mas os destaques ficam a cargo de Selton Melo (que vive o ex-deputado), e obviamente da atuação deslumbrante e devastadora de Fernanda Torres (já indicada como melhor atriz por filme dramático no Globo de ouro de 2025).

Salles deixa propositalmente de lado, na primeira parte do filme, a personagem de Fernanda, a cativante e exemplo de lutadora do povo, Eunice Paiva, para depois deixá-la conduzir o momento de virada do filme. Após a prisão do marido e consecutivamente dela própria e posterior “desaparecimento” do primeiro, ela nos leva aos “porões” do Estado brasileiro. Solta e sem saber o que ocorreu ao marido, ela não pode expressar sua dor diante das filhas e filho apesar de toda angústia e sofrimento visível em sua face e ações. Fernanda mostra que atuações vão além de catarses exageradas, deixando a nós espectadores abalados com aquela dor latente. Até quando você acha que Fernanda vai “desabar” ela continua “em pé” e suprime todas as emoções, magistral.

Fotografia, edição, figurinos, toda a chamada “parte técnica” do filme está impecável, e nos faz mergulhar naquela época, desde o início muito claro, com a luz intensa do verão carioca, até o escuro das selas das cadeias e o produzido pelas cortinas que agora cobrem a sala da casa, antes cheia de alegria. Mas é a trilha sonora (assinada pelo australiano Warren Ellis) que se torna também um destaque aqui. Ela mostra como as músicas, mais que meros adereços ou enfatização de momentos dramáticos, podem ajudar a conduzir na contação do filme. A música de Roberto Carlos, cantada por Erasmo Carlos (“É preciso dar um jeito meu amigo”) é um exemplo disso.

“Ainda estou aqui” nos mostra que em momentos tenebrosos como a Ditadura civil-militar, é cobrado de nós um posicionamento, mesmo que porventura resulte “apenas” em uma entrega de cartas de exilados políticos no Chile para parentes brasileiros, ao seu modo e como pôde Rubens Paiva resistiu. Ao mesmo tempo mostra a insensatez de um Regime que seus defensores mostram como apenas reativo e que prendeu apenas “aqueles que faziam o terror comunista.” Pelo contrário qualquer um podia ser alvo da sanha terrorista de Estado perpetuado pela Ditadura, que podia destruir uma família, que ela dizia tanto defender e valorizar.

E mais do que sobre o passado que ele representa (muito bem), um filme como o “Ainda estou aqui,” nos diz muito mais sobre o nosso presente, sobre o contexto da sociedade que o produziu, a começar pelo nome do filme. Ele nos alerta sobre o quanto este passado ainda é uma ferida aberta em nosso presente, de que aqueles crimes não punidos, podem nos levar a barbárie novamente. A tentativa de golpe 8 de janeiro de 2023 e o planejamento minucioso de outros que eram para ter ocorrido ao longo do pós-eleições em 2022, são a comprovação de que “eles” ainda estão aqui para cometerem os mesmos crimes de 50 anos atrás. Por tanto, o filme também se torna uma lição de história e de como podemos lidar com isso agora em nosso presente. Lidar como? Basta começarmos a colocar em pratica esta palavra de ordem: Sem Anistia!!!

*Fabiano Sousa é historiador, professor da rede pública estadual do Ceará e militante do Movimento Brasil Popular.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.


Edição: Lívio Pereira

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