Rio Grande do Norte tem histórico de pioneirismo feminino na política

Quase um século depois, as mulheres representam 53% do total de eleitores no Rio Grande do Norte.

Rio Grande do Norte tem histórico de pioneirismo feminino na política
Rio Grande do Norte tem histórico de pioneirismo feminino na política

Priscila Camazano, São Paulo, Sp (folhapress) - 19/03/2025 15:39:23 | Foto: Na imagem emblemática, a prefeita Alzira Soriano é a única mulher em meio aos homens de Lajes. (TRE-RN/Arquivo/Reprodução)

O estado do país que mais elegeu mulheres para o governo acumula outros feitos sobre a participação feminina na política, disputando a dianteira na escolha de prefeitas e deputadas e na atuação de eleitoras.

"No Rio Grande do Norte poderão votar e ser votados, sem distinção de sexos, todos os cidadãos que reunirem as condições exigidas por esta lei", afirmava a norma estadual nº 660, de 25 de outubro de 1927, que fez do estado um dos primeiros a garantir às mulheres o direito ao voto.

Na ocasião, cerca de 14 potiguares procuraram os cartórios eleitorais para se alistar. Entre elas, Júlia Alves Barbosa, Joana Cacilda Bessa e Celina Guimarães.

"Não havia nada escrito que elas não podiam votar", afirma a professora Teresa Cristina Novaes Marques da UnB (Universidade de Brasília). "Elas queriam forçar o sistema jurídico a se manifestar, dando razões para a negativa", completa, citando iniciativas semelhantes em São Paulo e no Espírito Santo.

Quase um século depois, as mulheres representam 53% do total de eleitores no Rio Grande do Norte. Não que isso tenha se refletido no resultado das eleições: na de 2022, dos oito eleitos pelo estado para a Câmara dos Deputados, apenas uma era mulher; na Assembleia Legislativa, eram 5 de 24 eram mulheres.

A professora da UnB afirma que, quando garantiu às mulheres o direito ao voto, o Rio Grande do Norte tinha uma elite política alinhada à ideia de modernização das instituições políticas.

Nesse sentido, é citado como relevante o papel dos políticos Juvenal Lamartine de Faria e José Bezerra Augusto Medeiros -tio e sobrinho, respectivamente.

Foi na gestão de José Bezerra como governador que surgiu o projeto de lei que dava às mulheres o direito ao voto. Porém, foi na administração de Juvenal Lamartine que a lei nº 660 foi promulgada.

Lamartine conhecia Bertha Lutz, liderança da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino e acompanhou o trabalho dela nas vindas ao estado para defender o voto feminino.

Na época, essas mulheres atuavam como professoras no magistério. Formavam os meninos, que, quando atingiam a idade adulta, podiam votar, mas não tinham o mesmo direito.

"Essa percepção já estava muito evidente dez anos antes, quando [a sufragista baiana] Leolinda Daltro encaminhou um abaixo-assinado para a Câmara com esse argumento: como ela podia ensinar aos meninos as primeiras letras e os fundamentos da cidadania e não podia votar?", afirma a professora.

No Rio Grande do Norte, Nísia Floresta foi uma das professoras que se destacaram nessa pauta.

Segundo Plínio Saldanha, antropólogo pela UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte) e curador do Memorial da Cultura e do Legislativo Potiguar, o protagonismo das potiguares se inicia quando ela, no começo do século 19, publica o livro "Direitos das Mulheres e Injustiça dos Homens".

A obra é apontada por alguns especialistas como uma espécie de tradução livre de um livro da inglesa Mary Wollstonecraft. Porém, como não restaram exemplares, não se sabe ao certo qual teria sido a verdadeira inspiração.

Mas foi só com a lei de 1927 no direito ao voto feminino que o pioneirismo do Rio Grande do Norte se consolidou. Saldanha afirma que isso só foi possível porque, na época, os estados tinham autonomia para legislar.

Entre essas mulheres que solicitaram o direito de votar estava Júlia Alves Barbosa. Porém, ela teve o pedido indeferido pelo juiz.

"Foram dados dois argumentos. Primeiro, porque ela era solteira, portanto, para a época, não poderia ter o direito ao voto. Segundo, por ela ser professora, o que mostra qual o tratamento dado às mulheres naquela época", afirma Saldanha.

Outra pioneira foi a professora Celina Guimarães, que era natalense, mas morava em Mossoró. No caso dela, o título foi concedido. Por isso, ela é considerada umas das primeiras eleitoras do país.

Ativista na educação, Celina aboliu os castigos físicos, que eram muito comuns, utilizou formas de comunicação alternativa como o teatro e foi juíza de futebol.

Joana Cacilda Bessa também integrou o grupo das sufragistas que pediram para votar. Ela é considerada a primeira intendente municipal -o correspondente ao atual cargo de vereador- potiguar, por ter sido eleita em 1928.

Outra lembrada é Alzira Soriano, do município de Lajes do Cabugi. Primeira prefeita eleita do Rio Grande do Norte, também em 1928, ela é apontada por especialistas também a primeira no cargo no Brasil e na América do Sul.

"A sua família já militava na política, mas ela só tomou gosto pelo ofício quando ficou viúva e passou a tomar conta das atribuições que eram do marido", diz Saldanha.

O estado tem ainda na sua história Maria do Céu Fernandes, que foi a primeira deputada estadual no Rio Grande do Norte e uma das primeiras nove deputadas eleitas do país.

Além do pioneirismo das sufragistas, o Rio Grande do Norte elegeu o maior número de mulheres governadoras. Foram três em toda a história: Wilma de Faria (PSB) em 2002 e em 2006, Rosalba Ciarlini (DEM) nas eleições de 2010 e Fátima Bezerra (PT), que exerce seu segundo mandato -o primeiro pleito ela venceu em 2018, quando foi a única governadora eleita em todo o país.

Segundo Aluísio Lacerda, jornalista e responsável pelo Memorial da Cultura e do Legislativo Potiguar, as mulheres que ingressam na atividade política no estado têm o incentivo na história.

"Todas que chegam à vida pública perseguem esses bons exemplos", diz.

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