O que livro de filha de Barroso diz sobre redes e que pistas obra dá sobre voto do ministro do STF
Foto: Luna van Brussel Barroso
O que livro de filha de Barroso diz sobre redes e que pistas obra dá sobre voto do ministro do STF
Angela Pinho, São Paulo, Sp (folhapress) - 18/12/2024 09:57:37 | Foto: Luna van Brussel Barroso
Um mecanismo de emergência para conteúdos virais, maior transparência e uma espécie de autorregulação supervisionada das redes sociais são alguns dos pontos previstos em um livro que é provavelmente uma das principais referências do ministro Luís Roberto Barroso sobre o tema.
O presidente do STF (Supremo Tribunal Federal) deve votar nesta quarta-feira (18) na retomada do julgamento sobre o Marco Civil da Internet, que aborda a responsabilidade das plataformas por conteúdos postados por usuários.
O ministro tem uma proximidade especial com a obra citada por duas razões: escreveu a apresentação e é pai da autora.
Lançado há dois anos, "Liberdade de Expressão e Democracia na Era Digital" (editora Fórum) foi escrito pela advogada Luna Van Brussel Barroso como resultado de sua dissertação de mestrado em direito público, aprovada com distinção na Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro).
Em linha com o que sinaliza o ministro em gestos públicos, o livro defende o que seria uma posição intermediária entre a legislação existente para as plataformas e os dois votos já proferidos no julgamento, dos ministros Dias Toffoli e Luiz Fux.
Atualmente, de acordo com o artigo 19 do Marco Civil da Internet, as empresas só podem ser responsabilizadas por publicações de terceiros se não agirem após decisão judicial, com exceção de casos de violação de direitos autorais e imagens de nudez não consentidas.
Os votos de Toffoli e Fux, por outro lado, preveem a declaração de inconstitucionalidade do artigo e a definição, pela corte, de um escopo muito mais amplo de temas e situações em que as big techs poderiam ser responsabilizadas.
As manifestações de ambos foram vistas por diferentes setores como genéricas, colocando o Brasil sob risco de ter um modelo não existente em nenhuma grande democracia do mundo.
Na semana passada, Barroso pediu vista do caso, em um gesto entendido como uma tentativa de retomar o debate em outros termos, pois agora o ministro será o primeiro a votar na volta do julgamento, e não o último.
Ressaltando não ter acesso antecipado à posição do pai, Luna afirma esperar um voto intermediário.
"O que eu poderia dizer, objetivamente, olhando manifestações anteriores dele em temas de liberdade de expressão, é que ele sempre teve uma preocupação com censura, inclusive aquela inspirada por bons propósitos", diz a advogada.
"Mas, em outras ocasiões, ele também já apontou a percepção de que a internet não pode ser um espaço sem lei. Então, acho que a gente pode antecipar um voto que pondere esses dois elementos."
Conheça a seguir os principais trechos do livro dela, que faz doutorado sobre o tema na USP, e veja o que a obra sinaliza sobre a posição do presidente do STF no julgamento.
1) Ponderação
Na apresentação do livro, o presidente do STF deixa clara sua concordância com a abordagem do livro ao destacar tanto a necessidade de regulação das plataformas como a preocupação com a liberdade de expressão.
"O texto procura conciliar, na justa medida, ousadias e prudências: o reconhecimento da necessidade de regulação das mídias sociais e as cautelas necessárias para a proteção da liberdade de manifestação do pensamento, um direito sempre sob risco na experiência histórica brasileira", escreve.
O ministro reconhece ainda "contribuição valiosa" da obra no que diz respeito a comportamentos inautênticos de usuários e à disseminação de desinformação.
2) Análise geral
Luna defende que eventual responsabilização das plataformas seja feita a partir de uma análise sistêmica da moderação, e não sobre casos específicos.
"Isso porque, nos casos mais difíceis sobre liberdade de expressão, pessoas bem intencionadas podem divergir sobre a avaliação de licitude ou ilicitude do discurso. E o temor das plataformas de responsabilização poderia levar à remoção de conteúdo em excesso para evitar sanções posteriores", diz.
Em relação às exceções ao artigo 19 do Marco Civil, que já contemplam a nudez, ela afirma que eventualmente podem ser expandidas "para outros conteúdos cuja ilicitude também seja objetivamente aferível".
"Mas considero importante destacar que crimes contra a honra não são objetivos e não deveriam, em hipótese alguma, ser incluídos em eventual lista."
3) 'Autorregulação regulada'
No livro, a advogada propõe um modelo que chama de "autorregulação regulada", em que as plataformas teriam autonomia para estabelecer políticas de regulação de conteúdo, mas haveria exigências de transparência de informações a toda a sociedade e a um órgão de controle.
Esse órgão, com composição majoritária da sociedade civil, verificaria o cumprimento das políticas de moderação das plataformas.
Em entrevista à Folha em 2022, ela afirmou que o Comitê Gestor da Internet no Brasil poderia exercer esse papel se fosse capacitado para tanto.
4) Mecanismo de emergência
O livro também defende a instituição de uma espécie de mecanismo de emergência para evitar danos irreversíveis. Quando determinado conteúdo viralizasse a um ritmo muito veloz –ritmo esse que seria previamente estabelecido–, o compartilhamento seria suspenso até uma análise da plataforma.
Se o material não fosse considerado ilegal ou danoso, poderia voltar a ser compartilhado.
Barroso indica voto divergente na retomada de julgamento sobre redes sociais
ANA POMPEU, BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Luís Roberto Barroso, indicou a integrantes da corte que deve abrir uma divergência na retomada do julgamento sobre a responsabilidade das plataformas de redes sociais, nesta quarta-feira (18).
De acordo com essas pessoas, diferentemente dos colegas que já votaram, ele deve adotar uma posição intermediária em relação à possibilidade de punição das empresas por postagens de usuários das redes.
O presidente do tribunal deve defender a manutenção do artigo 19, ponto central da discussão do Marco Civil da Internet, mas com novos requisitos de controle das redes sociais e da responsabilização das empresas.
O artigo 19, atualmente em vigor, define que a empresa só pode ser responsabilizada civilmente depois de descumprir decisão judicial para remoção de conteúdo.
Assim, alguém que se sinta lesado precisa notificar a plataforma e, em caso de negativa, ir à Justiça pedir a derrubada de alguma publicação. Se mesmo com determinação de um juiz a empresa manter no ar o post questionado, só aí pode ser punida.
O ministro deve manter o artigo 19 em uma tentativa de apresentar uma via mais delimitada em relação ao que é ou não é responsabilidade automática das plataformas. Ele também se preocupa, segundo relatos, em definir formas para que as empresas cuidem do ambiente digital, de forma geral.
Uma possibilidade seria a "interpretação conforme a Constituição", em que o artigo é mantido, mas ganha nova interpretação pelo Supremo.
Primeiro ministro a votar, Dias Toffoli propôs usar o artigo 21 do Marco Civil como parâmetro para a regulação.
O trecho deve, para ele, ser a regra geral para balizar a responsabilização das redes, prevendo apenas a necessidade de notificação da vítima ou de seu representante legal para que as empresas possam ser responsabilizadas por não terem agido.
Hoje esse item só se aplica a casos de violação de intimidade, com divulgação de imagens com nudez ou atos sexuais sem autorização. Toffoli propôs incluir vários outros temas nesse rol.
Entre eles, terrorismo ou preparação ao terrorismo, racismo, indução ao suicídio, violência contra criança ou adolescente e pessoas vulneráveis, violações contra a mulher, infração sanitária, tráfico de pessoas, divulgação de desinformação, especialmente as que influenciem nos processos eleitorais.
Grande parte das empresas, advogados e membros do governo esperavam que Toffoli fosse propor uma interpretação do artigo 19 do Marco Civil que criaria exceções para a imunidade das plataformas.
Luiz Fux acompanhou esse voto.
Barroso então pediu vista –mais tempo para análise– na última semana e pautou o retorno do julgamento já para esta quarta, invertendo o rito usual. Normalmente, o presidente da corte é o último a votar. Com o pedido, Barroso será o primeiro depois dos relatores e, assim, tem chance maior de influenciar os colegas.
O ministro esperava concluir a análise do caso ainda neste ano, expectativa que deve ser frustrada. O voto de Toffoli tomou duas sessões e meia. Agora, faltam apenas duas sessões antes do recesso e ainda nove ministros para votar.
Ainda há no horizonte a possibilidade de um novo pedido de vista por outro ministro, interrompendo novamente o julgamento.
Sendo o primeiro a divergir, Barroso será o redator do acórdão (a decisão final da corte), caso a sua posição seja a vencedora.
O presidente da corte tem interesse no tema da tecnologia e da internet. Em agosto, por exemplo, lançou um livro sobre inteligência artificial e plataformas digitais.
"Esperei passar o período eleitoral para não termos uma decisão complexa como essa no meio das eleições. O Supremo vai traçar provisoriamente qual é o tipo de comportamento que deve gerar responsabilidade das plataformas e qual deve ser a proteção da liberdade de expressão", disse, no início do mês.
Em mais de uma ocasião, ainda, ele afirmou que a corte esperou a definição sobre o tema pelo Congresso Nacional, inclusive na abertura do julgamento.
"A matéria chegou ao Supremo já há algum tempo, O Supremo esperou para ver se o Congresso conseguia produzir um consenso nessa matéria. Não conseguiu até agora e os casos precisam ser julgados", afirmou em um encontro com jornalistas no último dia 9.
Na ocasião, o ministro disse que todo o mundo está preocupado em traçar, no ponto adequado, a linha entre a preservação da liberdade de expressão e preservação das democracias.
"A internet, da mesma forma que democratizou o acesso, também abriu avenidas para a desinformação, para o discurso de ódio, para ataques à democracia e para as teorias conspiratórias", disse.
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