Qualidade das praias brasileiras cai ao pior nível já registrado
Foto: O Mapa de Qualidade das Praias foi divulgado nesta quinta-feira (3) / Divulgação/PMSV
Qualidade das praias brasileiras cai ao pior nível já registrado
João Pedro Pitombo, Aléxia Sousa E Marina Pinhoni, Salvador, Ba, Rio De Janeiro, Rj E São Paulo, Sp (folhapress) - 26/12/2024 07:08:20 | Foto: O Mapa de Qualidade das Praias foi divulgado nesta quinta-feira (3) / Divulgação/PMSV
O Brasil registrou neste ano uma piora na qualidade das suas praias e atingiu o menor patamar de trechos próprias para banho durante o ano inteiro desde 2016, aponta levantamento da Folha de S.Paulo. O cenário demanda cuidados aos banhistas, que devem tomar a costa brasileira no verão que começa neste sábado (21).
Levando em conta as 861 praias que tiveram a sua balneabilidade medida em todos os anos de 2016 a 2019 e de 2021 a 2024, apenas 258 estiveram próprias durante todas as medições deste ano, por isso, são consideradas boas.
É o menor número da série histórica que contempla oito dos nove últimos anos -a exceção é 2020, quando houve um apagão nos dados sobre balneabilidade em meio à pandemia da Covid-19.
Em 2016, quando os dados de balneabilidade começaram a ser compilados pela Folha de S.Paulo, 384 destas mesmas praias foram classificadas como boas, ou seja, tiveram apenas classificações próprias durante o ano.
Uma das praias que registraram classificação ruim no levantamento é o trecho do Leblon próximo à rua Afrânio de Melo Franco, na zona sul do Rio de Janeiro. A situação já tinha acontecido no ano passado.
Um semblante de decepção toma conta do rosto da advogada Camila Queiroz ao saber disso. Ela saiu com a família do bairro de Botafogo, onde mora há 14 anos, em busca do mar do Leblon ao meio-dia de uma quinta-feira, em meio ao de dezembro.
"Que pena saber disso porque é bonito demais. Às vezes a água está clarinha, transparente, engana muito", afirma Camila ao ser informada sobre a condição imprópria para banho da praia que é um dos cartões-postais do Rio de Janeiro.
Os dados apontam para uma progressiva queda na qualidade da água dentre o universo de praias que mantiveram constância na aferição da balneabilidade. Há nove anos, 44% delas foram consideradas próprias o ano todo, percentual que caiu para 30% em 2024.
Dentre as praias que tiveram queda na qualidade da água estão alguns destinos turísticos badalados como Morro de São Paulo, no baixo-sul da Bahia.
Em 2016, as 3ª e 4ª praias do balneário eram consideradas boas, mas neste ano elas foram respectivamente classificadas como ruim - imprópria em mais de 25% das medições - e péssima - imprópria em mais da metade dos testes realizados ao longo do ano.
A Embasa, empresa de água e saneamento da Bahia, informou que moradores e empreendimentos lançam esgoto e lixo no riacho da Biquinha, que deságua na 1ª praia, o que compromete a balneabilidade na região. A estatal destacou que realiza fiscalizações periódicas.
No Rio de Janeiro, praias que em 2023 estavam próprias o ano todo chegaram rapidamente ao outro extremo, sendo classificadas como péssimas. Foi o que aconteceu com as praias de Lagomar, em Macaé, e a do centro de Rio das Ostras, ambas na Região dos Lagos.
O mesmo aconteceu com três praias de São Francisco de Itabapoana, cidade do norte fluminense onde desemboca o rio Paraíba do Sul, um dos mais importantes do Sudeste. As praias de Gargaú, Itaperuna e Tropical, todas classificadas como boas no ano passado, agora foram consideradas péssimas.
O Instituto Estadual do Ambiente informou que a estiagem modificou a foz do rio Paraíba do Sul, influenciando a balneabilidade das praias em seu entorno. Sobre o Leblon, na capital, destacou que o trecho impróprio fica próximo à foz do canal do Jardim de Alah, onde ocorre a troca de água entre o mar e a lagoa Rodrigo de Freitas.
A reportagem seguiu normas federais no levantamento. Um trecho é considerado próprio se não tiver registrado mais de 1.000 coliformes fecais para cada 100 ml de água na semana de análise e nas quatro anteriores.
Foram apurados dados das praias de 14 estados no período de 12 meses entre novembro de 2022 e outubro de 2023. As praias do Amapá, Piauí e Pará ficaram de fora porque não medem a qualidade da água.
Para a avaliação anual, foi adotado o método da Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo), que classifica as praias a partir dos testes semanais. Nos dois extremos estão as boas, próprias em todas as medições, e as péssimas, impróprias em mais da metade das medições.
Nadar em áreas impróprias pode causar problemas de saúde, sobretudo doenças gastrointestinais ou de pele, como micoses. Outros focos de contaminação, como a presença de lixo e óleo no mar, que não são considerados nesta análise.
O lançamento de água sem tratamento ao mar também afeta o ecossistema local, podendo contaminar organismos que servem como alimentos, caso de ostras, sururus, vôngoles e mariscos. O aumento da turbidez da água pode ser um problema para organismos sensíveis, como os corais.
De todos os 1.361 pontos do litoral brasileiro que disponibilizaram dados sobre balneabilidade em 2024, só 416 foram considerados bons o ano todo (30,6%). Outros 447 foram avaliados como ruins ou péssimos (32,8%) e 416 regulares (30,6%). Há ainda 82 pontos sem medição (6%).
Entre as regiões, o Sul concentra o maior percentual de praias boas (36,3%). Os destaques são os estados do Rio Grande do Sul, com 81,4% de praias próprias o ano inteiro, e Paraná, com 63,6%.
Santa Catarina vai na contramão com apenas 21% das praias classificadas como boas neste ano. Um dos principais destinos turísticos do estado, Balneário Camboriú teve apenas 3 dos 15 pontos de medição considerados bons. Dentre os demais, 1 estava regular, 7 ruins e 4 péssimos.
Dentre os estados Nordeste, Maranhão e Bahia concentram a maioria das praias consideradas ruins ou péssimas. Em Salvador, as praias da Pituba, Corsário e Cantagalo passaram a figurar entre as péssimas, ou seja, impróprias em mais da metade das medições.
A Bahia ampliou os pontos de medição da balneabilidade em 2024, incluindo praias turísticas como Pratigi, em Cairu, Arraial D'Ajuda, em Porto Seguro, e Santo Antônio, em Mata de São João.
Foi um movimento na contramão de Pernambuco, onde não houve medição em metade dos pontos de monitoramento. O estado ainda não retomou a análise em pontos cuja qualidade da água era medida antes da pandemia.
Embora o Sudeste esteja próximo à média nacional, o Rio de Janeiro se destaca como o estado em todo o país com o pior percentual de praias classificadas em 2024 como ruins ou péssimas: 43,4%.
A cidade de Santos, por sua vez, viu melhorar a qualidade das suas praias neste ano. Pela primeira vez desde 2016, a principal cidade da Baixada Santista não teve nenhuma praia péssima.
Dos sete pontos analisados pela Cetesb (agência ambiental paulista), cinco foram classificados como ruins e dois, como regulares. Em 2023, foram quatro péssimos e três ruins e, no ano anterior, todos estavam péssimos.
O avanço da urbanização de áreas litorâneas sem planejamento, associado a gargalos no saneamento básico e no descarte irregular das águas da chuva, estão entre os fatores centrais para a queda na qualidade da água das praias brasileiras.
"As cidades cresceram, aumentou a vazão das águas lançadas sem tratamento, ou com tratamento primário, nas redes pluviais ou na drenagem diretamente nos corpos d'água que desembocam no oceano. É uma realidade em quase todas as cidades litorâneas", avalia o biólogo Clemente Coelho, professor da Universidade de Pernambuco.
Veja onde estão as praias mais sujas em SP
MARCELO TOLEDO E JOÃO PEDRO FEZA, RIBEIRÃO PRETO, SP E SANTOS, SP (FOLHAPRESS) - Região mais populosa do litoral paulista, a Baixada Santista concentra 9 das 10 praias mais sujas da costa de São Paulo no último ano. Espalhadas em quatro cidades, elas ficaram impróprias para banho em mais de 30 das 52 medições anuais -a partir de 26, já são consideradas péssimas.
A pior praia na Baixada é a Perequê, em Guarujá, que ficou imprópria em 51 medições semanais feitas pela Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo). Isso significa que somente em uma semana no período de novembro do ano passado a outubro deste ano ela esteve própria para banho.
Nas demais, sempre que o banhista chegava à praia encontrava uma bandeira vermelha instalada pela Cetesb, indicando que ela estava inadequada. A praia tem avaliação péssima desde 2016, em todos os levantamentos anuais feitos pela Folha de S.Paulo.
Há somente mais uma praia suja em 51 das 52 análises semanais: Itaguá, em Ubatuba, a única do litoral norte a figurar na lista das dez mais sujas do estado.
As demais ficam em São Vicente, Praia Grande e Mongaguá. Compõem a Baixada Santista ainda Santos, Bertioga, Itanhaém, Peruíbe e Cubatão, região que concentra cerca de 82% dos habitantes do litoral, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
O litoral norte responde por 16%, enquanto o sul, por 2%.
Praia Grande é a cidade com mais praias sujas, quatro das dez: Vila Tupi (imprópria em 47 das 52 medições), Vila Mirim (39 semanas impróprias), Boqueirão (35) e Balneário Flórida (32).
Ela é seguida por São Vicente, com três: Prainha (imprópria em 47 medições), Gonzaguinha (46) e Milionários (44). Mongaguá completa a lista das dez mais sujas, com a praia de Vera Cruz, imprópria em 31 medições semanais feitas pelo órgão ambiental paulista.
Praia de pescadores, Perequê tem algumas áreas que precisam de melhorias de saneamento, o que já foi motivo de debates em anos anteriores com a prefeitura, de acordo com Cláudia Lamparelli, gerente do setor de águas litorâneas da Cetesb.
"É uma preocupação, que eu acredito que tomarão algumas medidas corretivas lá. Não é o fato de ela ser de pescador que define estar suja ou não. Ela tem atividade de pesca mais intensa, mas isso também faz com que acabe não tendo tantos banhistas", disse.
Já em São Vicente, na avaliação da gerente, o problema existe devido à situação geográfica do município e às moradias irregulares, em palafitas.
"A maioria das praias fica na baía, que tem uma circulação de água bem prejudicada, e muita contribuição do estuário, com ocupações irregulares. São locais onde não há condição de colocar rede de esgoto."
A prefeitura tem investido nos últimos anos para buscar a melhoria da qualidade da água e, embora o cenário continue ruim, houve diminuição da média de bactérias.
Nadar em áreas consideradas impróprias para banho pode provocar problemas de saúde, principalmente doenças gastrointestinais ou de pele, como micoses. Outros focos de contaminação, que não são considerados na análise, podem ser a presença de lixo na areia das praias -ou até mesmo desastres ambientais como o vazamento de óleo que atingiu o litoral nordestino em 2019.
Especialistas recomendam, além de o banhista não entrar na água quando ela estiver imprópria, que evite tomar banho no mar depois de chuvas intensas.
O cenário verificado nas outras cidades da Baixada contrasta com o de Santos, mais populoso município da região e que, pela primeira vez desde 2017, não teve uma praia sequer classificada como péssima -são sete locais analisados semanalmente.
Cinco dos pontos foram avaliados como ruins (Ponta da Praia, Boqueirão, Gonzaga e José Menino, esta com dois locais) e dois, como regulares (quando a praia está imprópria em até 25% das medições), o que indica a melhora gradual na balneabilidade.
É a primeira vez desde 2016 que praias santistas alcançam a classificação regular. Em 2022, todos os sete pontos analisados estavam péssimos, enquanto no ano passado quatro locais foram classificados como péssimos, e outros três, como ruins.
Os dois pontos regulares deste ano ficam nas praias Aparecida (em frente à rua Marechal Rondon) e Embaré (em frente à Casa da Vovó Anita). No ano passado, ambos estavam ruins e, no anterior, péssimos.
Para a gerente da Cetesb, além de medidas de saneamento adotadas de forma gradual nos últimos anos, também contribuiu para a melhora a estiagem severa que atingiu São Paulo neste ano. Com menos chuvas, menos detritos são carreados para o oceano.
DESAFIO CONTINUA
A melhora na balneabilidade em Santos, porém, contrasta com o dia a dia desafiador de quem conhece bem as águas. "A maré traz detritos de todos os tipos", disse o aposentado Sidnei Alves Hurtado, 60.
"Às vezes a água fica suja na medida em que a maré aumenta e arrasta coisas de outros lugares", disse o empresário Danilo Duarte, 45, que pratica natação com frequência no lugar. "Fora que ainda surgem muitos galhos na água nos dias seguintes às chuvas mais fortes."
Recém-chegado a Santos, o goiano Samuel Bueno, 27, disse ter se acostumado a ver a bandeira verde da Cetesb no trecho de Aparecida, indicando que a praia está limpa.
"Gosto e aproveito. A gente percebe que a água é boa. Mas também vejo detritos. Esses dias apareceu até um pedaço de madeira com prego. É uma situação até comum quando chove, o mar fica mais mexido e traz essas coisas."
Na praia do Embaré, perto do orfanato Casa da Vovó Anita, a professora Rosana Macario Bitencourt, 29, costuma aproveitar os dias de sol com amigas. Exatamente ali, a poucos metros do número 48 da avenida Bartholomeu de Gusmão, fica o segundo trecho que foi de ruim para regular na balneabilidade.
"Não tenho queixa. A gente tem ido para o mar sem problemas, nunca tive problemas de pele ou coisa parecida por entrar nessa água [...] Sou santista e um pouco bairrista. Defendo minha cidade porque é organizada e limpa. A qualidade do mar, estando melhor, é algo bom para todo mundo."
Praia do Sossego resiste limpa em meio à poluição do litoral do Rio de Janeiro
Aléxia Sousa, Rio De Janeiro, Rj (folhapress)
Chegar à praia do Sossego, em Niterói, na região metropolitana do Rio de Janeiro, é quase como ganhar um presente. A trilha curta, cercada pela vegetação nativa, esconde a visão da faixa de areia pequena até o último segundo. Quando se chega, a recompensa é clara: um mar verde-azulado, calmo e transparente, sem rastros de lixo ou esgoto. Em um estado onde a poluição ameaça boa parte do litoral, o lugar é quase um segredo bem guardado.
A classificação boa na balneabilidade tem sido mantida por quase uma década, de 2016 a 2024, e Sossego não cansa de fazer jus ao nome. Sem acesso por carro -só trilha ou mar-, o isolamento funciona como um filtro contra o impacto urbano .
A praia esteve própria para banho em todas as medições feitas pelo Inea (Instituto Estadual do Ambiente) durante o último ano, o que faz dela boa, de acordo com os critérios da Cetesb, adotados no levantamento da Folha de S.Paulo. É um quadro que se mantém desde 2016, quando os dados de balneabilidade começaram a ser compilados pelo jornal.
"O que mantém essa praia assim é o difícil acesso e a consciência de quem frequenta", afirmou o biólogo Pedro Freitas, 38, que costuma levar grupos para estudar a vegetação local. "Não tem quiosque, som alto, movimento de carros. É quase um pedaço de como o litoral era antes da expansão urbana", disse.
A preservação rendeu à praia do Sossego a indicação, pela quarta vez seguida, ao prêmio internacional Bandeira Azul, em junho. A certificação faz parte de um programa credenciado pela ONU para destacar destinos que mantêm boas práticas de gestão ambiental, cuidado com o ecossistema e qualidade da água.
"Temos desenvolvido várias ações de sustentabilidade e preservação ambiental, 56% do território de Niterói é hoje composto por áreas protegidas. Continuamos trabalhando para ampliarmos cada vez mais as nossas ações e políticas públicas de preservação", afirmou o prefeito de Niterói, Axel Grael (PDT).
O isolamento é um mérito, mas não apenas ele. Visitantes habituados sabem que a praia não perdoa quem deixa rastro de sujeira. Ali, os banhistas recolhem o que trouxeram e respeitam as regras não escritas.
O local passou por melhorias e obras de infraestrutura recentes, como a instalação de um sistema de infraestrutura verde com jardins de chuva como forma de manejo de águas pluviais.
"As intervenções são necessárias até mesmo para mostrar aos frequentadores a importância de preservar aquele local", disse o secretário municipal de Meio Ambiente, Rafael Robertson.
Para a professora Ana Paula Lima, 43, que frequenta o Sossego aos finais de semana com os filhos, a praia tem uma energia que vai além do visual: "A gente chega, desliga o mundo e entende o valor desse lugar. Parece que o tempo anda mais devagar".
Apesar dos desafios ambientais, o Rio de Janeiro ainda mantém outros paraísos de águas limpas. Na zona oeste da capital fluminense, a praia de Grumari também fica em uma área de proteção ambiental e isolada. Ela teve balneabilidade boa na maior parte dos últimos anos.
A aposentada Vera Lucia Ribeiro, 71, disse que gosta de frequentar Grumari aos fins de semana, com a família. "Eu moro próximo, mesmo assim tenho que vir com tempo porque é uma área de difícil acesso. Tem que subir de carro, e tentar chegar cedo, porque quanto mais tarde, mais difícil parar por aqui. Mas isso não é um problema, acho até que é bom para manter ela preservada", disse.
Não há transporte público na região. O acesso só pode ser feito por táxis ou veículos particulares, e só é permitida enquanto houver vagas de estacionamento disponíveis.
Para o oceanógrafo da Uerj David Zee, o isolamento é fundamental para a preservação dessas praias. "É um parâmetro muito importante pois não recebe influência das águas pluviais urbanas severamente contaminadas por esgotos não segregados pela rede pública, além de dejetos de animais domésticos e ratos, muito comum em áreas densamente povoada", afirmou.
"Praias isoladas e com reduzido adensamento urbano a natureza ainda tem capacidade de renovar as águas e promover a desinfecção em função da insolação, salinidade e temperatura mais fria das água do mar", completou o especialista.
A reportagem seguiu normas federais no levantamento. Um trecho é considerado próprio se não tiver registrado mais de 1.000 coliformes fecais para cada 100 ml de água na semana de análise e nas quatro anteriores.
Para a avaliação anual, foi adotado o método da Cetesb, que classifica as praias a partir dos testes semanais. Nos dois extremos estão as boas, próprias em todas as medições, e as péssimas, impróprias em mais da metade das medições.
Praia do Leblon, na zona sul do Rio, enfrenta quase uma década de mar impróprio para banho
ALÉXIA SOUSA, RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - O cenário na praia do Leblon, na altura da rua Afrânio de Melo Franco, é típico de um dia ensolarado na zona sul do Rio de Janeiro: cariocas e turistas aproveitam a água convidativa e, muitas vezes, cristalina. Mas por trás da aparência limpa, um dado surpreende a maioria dos banhistas: a balneabilidade no trecho é ruim, segundo levantamento da Folha.
- Veja a qualidade das praias do litoral do Brasil
"A água aqui costuma ser clara, a gente nem imagina que está poluída", afirmou Márcio Gonçalves, 42, frequentador assíduo da praia. Ele entrou no mar com os filhos pela manhã, sem saber da classificação negativa do local. "Isso preocupa. Vimos o mar bonito e acreditamos que estava tudo bem", disse.
Segundo o Inea (Instituto Estadual do Ambiente), a balneabilidade da praia do Leblon nos três pontos de medição é considerada entre ruim e péssima desde 2016. A análise indica ainda que a qualidade da água no trecho da rua Afrânio de Melo Franco permanece entre as piores da cidade ao longo dos últimos anos.
O cenário fica mais alarmante de 2019 a 2022, quando foi classificada péssima de forma consecutiva.
De acordo com critérios da Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo), adotados pela Folha, uma praia é considerada ruim quando é indicada como imprópria entre 25% e 50% do tempo na avaliação anual, e a péssima, quando em mais da metade das medições.
O oceanógrafo da UERJ David Zee afirma que a pior fonte de contaminação são os canais e rios canalizados e encobertos pelas ruas e calçamentos que recebem esgotos de redes antigas.
"Tudo que é subterrâneo e não visto não tem o devido cuidado de manutenção e recuperação. Imagina uma rede de esgoto dimensionada e construída 50 anos atrás em uma cidade que só cresce e se adensa. Ela não é redimensionada para áreas que antes eram de casas e agora são de edifícios de mais de 15 andares", disse ele.
"No Leblon, temos o canal do Jardim de Alah de um lado e o canal da Visconde de Albuquerque do outro, que extravazam um bom volume de esgotos clandestinos, que contaminam as águas da praia."
O Inea reconhece que o trecho da rua Afrânio de Melo Franco é o mais prejudicado por estar próximo a foz do canal do Jardim de Alah, onde ocorre a troca de água entre o mar e a lagoa Rodrigo de Freitas.
"Por isso obtemos resultados acima da média permitida. Porém, após a concessão do saneamento, verificamos a melhora nos níveis bacteriológicos nesse trecho, e a expectativa é para que num breve futuro, esse resultado seja melhor", afirmou o órgão.
Apesar dos indicadores, banhistas continuam a frequentar o mar, muitas vezes iludidos pela aparência cristalina, especialmente após dias de tempo seco.
"Quando não chove, as águas parecem limpas e atraem mais gente", disse Fernanda Oliveira, 28, carioca que aproveita a praia com amigos. "É realmente uma surpresa ruim saber disso, uma pena.", lamentou.
Para a especialista em gestão de saúde pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) Chrystina Barros uma praia imprópria para o banho é uma questão de saúde pública.
"A gente está falando desde contaminação de problemas de pele, hepatite A, leptospirose, uma série de doenças que podem vir com essa exposição. Principalmente se a gente falar de pessoas que têm alguma vulnerabilidade, crianças, pessoas com alguma deficiência imunológica", afirmou.
"Se existe uma praia que chega a ponto de estar contaminada e imprópria para banho. A gente está falando de um sistema de esgotamento sanitário que não está funcionando, e impacta a saúde, o meio ambiente, o potencial turístico", completou.
Além do Leblon, outras praias icônicas do Rio também sofrem com o problema, como Botafogo, que apresenta níveis péssimos em ambos os trechos analisados, e Flamengo, onde houve leve melhora em 2024, com uma classificação regular.
A reportagem seguiu normas federais no levantamento. Um trecho é considerado próprio se não tiver registrado mais de 1.000 coliformes fecais para cada 100 ml de água na semana de análise e nas quatro anteriores.
Para a avaliação anual, foi adotado o método da Cetesb, que classifica as praias a partir dos testes semanais. Nos dois extremos estão as boas, próprias em todas as medições, e as péssimas, impróprias em mais da metade das medições.
Praias do litoral norte de SP ficam mais limpas em 2024
MARCELO TOLEDO
RIBEIRÃO PRETO, SP (FOLHAPRESS) - As praias do litoral norte de São Paulo, região composta por quatro municípios, atingiram em 2024 o melhor índice de balneabilidade dos últimos três anos, com 43 de suas 99 praias analisadas próprias para nadar durante todo o ano. Eram 37 pontos no ano passado.
O quadro é favorável aos banhistas, segundo dados apurados pela Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo) principalmente em São Sebastião e Ubatuba, que responderam por 37 das praias boas em todas as semanas entre novembro do ano passado e outubro.
Em Ubatuba, as praias em condições ideais foram 21, o que representa 60% dos pontos analisados pela Cetesb, enquanto em São Sebastião a proporção foi de 53% -16 dos 30 locais com coleta semanal da água.
Nas outras duas cidades da região, a proporção de praias boas foi muito inferior: Caraguatatuba teve 4 dos 15 pontos propícios para banho o ano todo (26,6% do total), enquanto em Ilhabela somente 2 dos 19 locais ficaram o ano todo em boas condições (10,5%).
No estado, foram 64 praias adequadas dos 175 locais analisados, ou 36,5% do total.
Embora em números absolutos Ubatuba tenha mais locais propícios em relação à balneabilidade, o avanço se deu por causa de São Sebastião, que viu o total de praias boas subir de 6, no passado, para as atuais 16.
No Carnaval de 2023, as fortes chuvas que atingiram São Sebastião, evento climático considerado extremo, causaram 64 mortes após deslizamentos. O fenômeno também carregou detritos para o mar.
Na ocasião, técnicos da Cetesb ficaram duas semanas sem conseguir acessar alguns pontos de monitoramento em praias da cidade e a qualidade da água ficou comprometida.
Ubatuba e São Sebastião têm a maior quantidade de praias monitoradas em função da configuração da costa. São praias pequenas, separadas por costões, com a Serra do Mar muito perto do mar, de acordo com Cláudia Lamparelli, gerente do setor de águas litorâneas da Cetesb.
Para ela, o cenário de melhora da qualidade no litoral norte se deve a avanços no saneamento e ao regime de chuvas -no caso, a falta delas em 2024.
"A estiagem reflete numa melhoria da praia na medida em que a água não carreia os detritos para o mar."
Outro ponto favorável no litoral norte em relação à Baixada Santista, por exemplo, é que há praias com acessos mais complicados e a população é menor que na Baixada, que concentra 82% dos habitantes do litoral, conforme o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Em 2021, ano que superou o cenário de 2024, 44 pontos estavam em boas condições o ano todo. Desde o início do levantamento anual feito pela Folha, em 2016, o melhor ano foi 2017, com 57 praias do litoral norte boas em todas as semanas.
São Paulo teve 175 pontos monitorados em 15 municípios do litoral. Desses, 157 são avaliados todas as semanas. O mais recente a entrar na lista foi a praia Fortaleza, em Ubatuba, em 2022, analisada mensalmente e que foi classificada como boa nos três anos.
A gerente da Cetesb afirmou ainda que é preciso que a população entenda tudo o que envolve o trabalho de monitoramento das praias ao chegarem a um ponto e encontrarem uma bandeira, seja ela vermelha (imprópria) ou verde (própria).
"Tem o pessoal que faz as coletas, que passa por todas essas praias todo final de semana, depois tem todo o pessoal que faz as análises nos nossos laboratórios, depois os resultados chegam para nós para fazermos a classificação. O maior objetivo desse trabalho, além de ter um diagnóstico ambiental e orientar medidas corretivas, é informar a população sobre isso."
O banhista pode acompanhar a qualidade das praias monitoradas por meio de um aplicativo da Cetesb e por uma nova plataforma no site da agência ambiental, em que é possível acompanhar a classificação atual de todas as praias de um determinado município ao mesmo tempo.
"A gente não recomenda uma praia que está imprópria, pois o risco de você adquirir uma doença é maior. Aí o banhista procura outra praia. Em termos de proteção de saúde pública, essa informação tem que chegar nas pessoas", disse a gerente.
Bahia e Maranhão têm maior patamar de praias impróprias no Nordeste
JOÃO PEDRO PITOMBO E JOSÉ MATHEUS SANTOS, SALVADOR, BA E RECIFE, PE (FOLHAPRESS) - Salvador tem 105 quilômetros de orla, somando o trecho voltado para o oceano Atlântico, a parte que margeia a baía de Todos-os-Santos e as três ilhas que fazem parte do município -Frades, Maré e Bom Jesus.
São 37 pontos de medição da qualidade das águas, dos quais apenas dois são uma espécie de oásis, com praias próprias para banho durante todo o ano: a Ponta de Nossa Senhora, na Ilha dos Frades, e um dos trechos da Praia do Flamengo.
Fora da capital, outras praias como Busca Vida, Itacimirim, Costa do Sauípe e Baixios também estiveram boas durante o ano todo. São ao todo 22 praias classificadas como boas, levando em conta o período entre novembro de 2023 e outubro de 2024, o que representa 17% dos pontos de medição do litoral do estado.
Na outra ponta, 42,9% dos trechos que tiveram a balneabilidade avaliada no estado foram classificados como ruins ou péssimos.
Esse número coloca a Bahia, ao lado do Maranhão, com maior percentual de praias impróprias entre os estados do Nordeste.
Os indicadores de balneabilidade são coletados pela Folha de S.Paulo junto aos governos estaduais há nove anos. A reportagem seguiu normas federais no levantamento. Um trecho é considerado próprio se não tiver registrado mais de mil coliformes fecais para cada 100 ml de água na semana de análise e nas quatro anteriores.
Para a avaliação anual, foi adotado o método da Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo), que classifica as praias a partir dos testes semanais. Nos dois extremos estão as boas, próprias em todas as medições, e as péssimas, impróprias em mais da metade das medições.
Ceará e Pernambuco aparecem na sequência com mais praias consideradas ruins ou péssimas em 2024, seguidos de estados menores do Nordeste como Paraíba, Alagoas, Rio Grande do Norte e Sergipe.
Em comum, Maranhão e Bahia abrigam duas das maiores baías do país -a de São Marcos e a de Todos-os-Santos. Ambas ficam nas margens das respectivas capitais, que registram um alto patamar de praias consideradas ruins ou péssimas nas medições de balneabilidade.
Das 37 praias avaliadas em Salvador, 16 foram consideradas péssimas, 13 ruins, 6 regulares de 2 boas. Entre as regulares, estão praias como Stella Maris, que fica no norte da cidade, e Santa Maria, trecho ao lado esquerdo do forte de mesmo nome próximo ao Porto da Barra.
A Embasa, empresa de água e saneamento da Bahia, disse que a balneabilidade das praias não depende exclusivamente da cobertura do serviço de esgotamento sanitário, mas também da poluição de canais e rios urbanos, influenciada por descarte irregular de lixo e de esgoto clandestino.
Em Salvador, a empresa mantém estações que captam todo o fluxo de rios e canais poluídos, direcionando-o para a rede de esgoto. Quando chove, contudo, essa captação não pode ser feita porque os rios aumentam de volume, o que afeta a balneabilidade.
Em São Luís, no Maranhão, nenhuma das praias esteve própria o ano inteiro -uma foi considerada regular, dez, ruins, e três, péssimas.
O Governo do Maranhão disse que promove o uso sustentável dos recursos hídricos e intensificou ações de fiscalização, aplicando sanções em casos de lançamento irregular de efluentes.
A Caema, empresa estadual de saneamento, afirmou que realiza inspeções e limpeza em ramais de esgoto como medida preventiva, reduzindo o efeito do descarte incorreto de esgoto nas praias.
Nadar em áreas impróprias pode causar problemas de saúde, sobretudo doenças gastrointestinais ou de pele, como micoses. "Quando há coliformes fecais, pode ter também outros elementos, como vírus e bactérias que podem causar doenças associadas à água", diz Rodrigo Oliveira, doutor em ciências biológicas pela Universidade Federal de Pernambuco.
Em Pernambuco, 24 trechos de praias deixaram de ter aferição do índice de balneabilidade desde a pandemia de Covid-19. O estado não retomou desde então as medidas.
As áreas que deixaram de ser contempladas pelo levantamento têm trechos de seis municípios.
Deixaram de ser monitoradas praias de Goiana, Conceição e Pau Amarelo, em Paulista, pontos da praia de Casa Caiada (Olinda), Pina (Recife) e de Boa Viagem (Recife), além de áreas das praias de Piedade (Jaboatão), Barra de Sirinhaém e Guadalupe (Sirinhaém).
Procurada, a CPRH (Agência Estadual de Meio Ambiente do Estado de Pernambuco) afirmou que, durante a pandemia, foi necessário transferir o laboratório para o Instituto de Tecnologia de Pernambuco, reduzindo a capacidade de atuação. A mudança é provisória e foi motivada pela construção do atual edifício sede do laboratório no bairro de Dois Irmãos, no Recife.
O órgão disse que segue atuando para expansão da rede de coleta e, até julho de 2025, deve chegar a 50 pontos de monitoramento espalhados por todo o litoral do estado.
Para o biólogo Rodrigo Oliveira, a ausência de monitoramento é prejudicial ao ecossistema marinho e aos banhistas, que podem ter a saúde afetada direta ou indiretamente nas praias.
"Existe, em muitas praias, o consumo de sururus, mariscos e outros crustáceos, que são muito suscetíveis à poluição. Se não há um monitoramento, esses animais, que são filtradores, acumulam as substâncias tóxicas", afirma.
Uma das praias que foram incluídas nas aferições ao longo de 2024 foi a do Capitão, conhecida como Mangue Seco, em Igarassu, no litoral norte do estado. O ponto que voltou a ser medido tem acesso pela rodovia PE-014. A praia fica localizada a 34 quilômetros do Recife.
Como a retomada aconteceu apenas em fevereiro, a Folha de S.Paulo não incluiu a praia do Mangue Seco no levantamento Praias Limpas, que faz uma avaliação de todas as semanas entre novembro de 2023 e outubro de 2024.
Pernambuco não teve uma praia sequer considerada boa para banho no levantamento de 2024. Ao todo, o estado teve oito praias avaliadas como ruins, nove como péssimas e oito como regulares, incluindo as turísticas Porto de Galinhas, em Ipojuca, e Carneiros, em Tamandaré.
Na capital Recife, o único ponto avaliado na praia do Pina foi considerado péssimo, e, em Boa Viagem, os dois trechos medidos foram classificados como ruins.
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