Depois da enchente e das eleições: por uma Porto Alegre diversa e democrática

Em Porto Alegre, a proporção de mulheres apontadas como responsáveis pelo domicílio superou a de homens em todas os tipos de unidades domésticas

Depois da enchente e das eleições: por uma Porto Alegre diversa e democrática
Depois da enchente e das eleições: por uma Porto Alegre diversa e democrática

Foto: Jorge Leão/Brasil de Fato

Em Porto Alegre, a proporção de mulheres apontadas como responsáveis pelo domicílio superou a de homens em todas os tipos de unidades domésticas

Brasil De Fato/observatório Das Metrópoles - 26/12/2024 14:46:35 | Foto: Jorge Leão/Brasil de Fato

Vanessa Marx* e Paulo Soares**

Em 2020, depois das eleições municipais, repercutindo o crescimento da “bancada negra” e das mulheres na Câmara Municipal, publicamos um artigo que reivindicava uma Porto Alegre que levasse em conta questões de gênero e raça ao pensar e planejar a cidade (Por uma Porto Alegre para as mulheres e antirracista).

Quatro anos depois e com os dados disponibilizados sobre gênero, raça e domicílios no município pelo Censo de 2022 e pela PNAD Contínua (IBGE, 2021) podemos novamente discutir esta questão, especialmente a partir da nova composição da Câmara Municipal de Porto Alegre, que a despeito da derrota do campo popular na majoritária, apresentou alguns avanços importantes.

De acordo com o Censo 2022, em Porto Alegre os brancos representam 73,6% da população, enquanto pretos são 12,6% (168.196 habitantes) e os pardos 13,4%, (178.354) habitantes. A Capital possui ainda 2.957 indígenas (0,2%) e 2.306 amarelos (0,2%).

Quanto à divisão por sexo (nomenclatura atribuída pelo IBGE), em Censo 2022 a Capital tinha 719.538 pessoas do sexo feminino, representando 53,99% dos moradores. Porto Alegre tem o maior percentual de mulheres entre os 497 municípios do Estado.

Os cinco bairros mais populosos (Restinga, Lomba do Pinheiro, Sarandi, Mario Quintana e Partenon) representam 19,58% da população, quatro destes possuem população preta e parda acima da média municipal: Restinga (47,14%), Lomba (40,61%), Mário Quintana (42,94%) e Partenon (31,06%). Outros bairros periféricos e com significativa população negra são Bom Jesus (45,88%), Vila São José (44,96%), Farrapos (40,59%) Rubem Berta (39,78%), Santa Tereza (39,28%), Vila João Pessoa (38,76%), Cascata (37,48%), Santa Rosa de Lima (36,53%) e Glória (35,78%). O que queremos dizer é que é nas periferias que se encontra a grande maioria da população preta e parda da capital e, portanto, as políticas públicas devem levar em consideração estes territórios e esta condição.

Em relação à questão de gênero, os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD 2021) mostram que a maioria das pessoas que moram sozinhas em Porto Alegre são mulheres, sendo a capital brasileira com a maior proporção de mulheres que moram sozinhas. Segundo o levantamento, naquele ano havia 619 mil domicílios em Porto Alegre, dos quais 168 mil eram ocupados por um único morador. Desses 57,1% eram ocupados por mulheres.

Em Porto Alegre, a proporção de mulheres apontadas como responsáveis pelo domicílio superou a de homens em todas os tipos de unidades domésticas. As mulheres eram responsáveis por 57,1% das unidades unipessoais, 50,4% das nucleares, 57,4% das estendidas e 53,8% das compostas na pesquisa.

As mulheres são maioria em quase todos os bairros, embora os com maiores concentrações de mulheres na população encontram-se nas regiões centro e noroeste, as de maior poder aquisitivo. Se por um lado, este dado infere uma melhor situação financeira para estas mulheres, por outro também sugere uma maior longevidade e pautas específicas em termos de assistência social e bem-estar urbano para o grupo de idosos.

Quanto aos domicílios com “cônjuge do mesmo sexo” (nomenclatura do IBGE), Porto Alegre apresentou quase um por cento (0,94%) dos domicílios, dado bem acima da média do estado (0,48%), da Região Sul (0,53%) e do Brasil (0,54%)

Neste contexto, das eleições municipais de 2020, destacamos o recorde de candidaturas de mulheres e de mais negros que brancos, entre os candidatos. Por isso, a importância de pensar as políticas de proximidade nas transformações e formulação de políticas públicas que contemplem o olhar das mulheres, das/dos indígenas, das/dos negras/negros e da população LGBTQIAP+ sobre a cidade.

As candidaturas coletivas no legislativo foram se consolidando não só em relação à proporção de mulheres, principalmente as mulheres negras, mas também a diversidade como central nas pautas das/os vereadoras/es de oposição.

Nossa intenção neste artigo é retomar as análises iniciadas em 2020 sobre a importância do tema gênero, raça e classe em nossas interpretações sobre a cidade e fazer uma reflexão, após o pleito eleitoral municipal realizado em outubro de 2024. Assim, questionamos: a dimensão de raça e gênero vem ganhando espaço na representação política de Porto Alegre e nas análises sobre os dados da cidade?

A agenda da cidade deveria ter como prioridade a redução das desigualdades junto com a defesa de políticas de igualdade de gênero e da população LGBTQIAP+, a fim de que se amplie e se efetive a participação da diversidade dessa população e de mulheres nas instâncias de formulação, planejamento e execução da política urbana e nas políticas de combate à violência contra mulher.

Existe a necessidade de ir além e pensar estas mulheres no território, ou seja, verificar como se organizam nas regiões de gestão e planejamento, quilombos urbanos e comunidades indígenas e qual a ideia que têm de como planejar a cidade.

Para pensar uma cidade para as mulheres em sua diversidade seria importante repensar os espaços de participação, de articulação com o corpo técnico e na representação política. Por isso, em 2020 chamamos a atenção sobre a representação de mulheres na eleição municipal para a Câmara Municipal de Porto Alegre. A diversidade da representação feminina no legislativo porto-alegrense poderia ser uma oportunidade para que a agenda das mulheres fosse incorporada no planejamento da cidade.

Chegando ao final de 2024 vemos que as eleições em Porto Alegre trouxeram reflexões sobre que cidade queremos viver ou o que gostaríamos de mudar a partir do trabalho de incidência política realizado pelo Observatório das Metrópoles - Núcleo Porto Alegre. Artigos foram desenvolvidos por pesquisadores sobre diversos temas como desigualdade socioespacial, mobilidade, moradia, participação, transição ecológica entre outros.

Diante da confirmação de um cenário de mais quatro anos de governo do prefeito da situação Sebastião Melo, em Porto Alegre, e com o avanço do capital imobiliário sobre a cidade, que vem tensionando o processo de revisão do Plano Diretor, ainda em curso, podemos ver uma cidade fragmentada em projetos e com pouca participação. As eleições para o Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano e Ambiental (CMDUA), que aconteceram no início deste ano nas oito regiões de gestão e planejamento da cidade, demonstraram a disputa acirrada por garantir a presença de representantes neste conselho indicando a importância desta instância para a política urbana da cidade, principalmente no que se refere à aprovação dos grandes projetos urbanos. Nos últimos dias o prefeito anunciou a intenção de “reformar” a composição do Conselho Municipal do Meio Ambiente (COMAM): leia-se reduzir a participação popular e ampliar a participação da própria prefeitura e do empresariado.

A nova composição do legislativo em Porto Alegre, a partir das eleições deste ano, apresenta uma diversidade maior que em 2020 com maior número de mulheres vereadoras de oposição, em sua diversidade (brancas, negras, trans) e candidatas/os comprometidos com a pauta LGBTQIAP+. Com o cenário de mudança na representação política do legislativo e o reforço das candidaturas coletivas que advogam pelas pautas de gênero e etno-raciais, vemos que a oposição terá um papel fundamental na garantia de direitos, entre eles o direito à cidade, frente às forças conservadoras e neoliberais que insistem em um modelo de cidade em que os espaços públicos se tornem privados e que a expansão do capital continue perpetuando a lógica de mercado nas transformações urbanas no próximo período.

* Professora do Departamento e Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFRGS. Coordena o Grupo de Pesquisa Sociologia Urbana e Internacionalização das Cidades (GPSUIC) e o projeto de extensão Mulheres e Cidades. É pesquisadora do Observatório das Metrópoles

** Professor do Departamento e do Programa de Pós-graduação em Geografia da UFRGS e pesquisador do Observatório das Metrópoles Núcleo Porto Alegre.

*** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

Edição: Vivian Virissimo

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