Em outubro, Cleusa vai para a China estudar embalagens.
Joana Cunha, São Paulo, Sp (folhapress) - 18/07/2025 16:33:29 | Foto:
A empresária Cleusa Maria da Silva, dona da rede de franquias Sodiê Doces, que já foi boia-fria, empregada doméstica, operária e inspirou personagem de novela da Globo, vai abrir um novo capítulo de sua trajetória conhecida no mundo do empreendedorismo como modelo de superação.
Quase 30 anos depois de começar o negócio que hoje tem bolos, docinhos e salgadinhos de festa, ela entra para competir no mercado de chocolates, um segmento disputado por concorrentes gigantes e marcas tradicionais.
Em entrevista à Folha, a empresária disse ter planos para lançar uma nova rede da marca, específica para os chocolates nos próximos anos.
Questionada se pretende concorrer com players de porte, como Cacau Show e Kopenhagen, ela não recua. "Vamos começar na linha de Kopenhagen, Dengo e por que não Cacau Show também? Mas com tranquilidade. Sem essa ideia de ter mais 100 ou 200 lojas", diz.
Por ora, é por meio das 400 lojas que a Sodiê tem no Brasil e duas nos EUA -nas quais o bolo é o carro-chefe- que será comercializada a nova linha de bombons e barras de chocolate idealizada por seu filho, Diego Rabaneda, diretor da empresa. Parte das unidades começou a ser abastecida em junho.
"Em 2027, vamos abrir uma loja conceito em um lugar bacana de São Paulo. E depois, a gente já pensa em fazer uma franquia [com lojas só para os chocolates]. É um projeto futuro", diz.
A fábrica de chocolates recebeu investimento de R$ 20 milhões.
Em outubro, Cleusa vai para a China estudar embalagens que vão incrementar o aspecto presenteável dos produtos -enfrentando o medo de avião que encara quando a rotina exige viagens internacionais.
No mês passado, ela foi para Mônaco, onde comprou o chemise de seda florido que vestia quando recebeu a reportagem em sua casa para falar da expansão dos negócios. Antes de começar a entrevista, sua assessora comenta que a roupa foi comprada em uma loja que teve Lady Di como cliente décadas atrás.
Quando lhe perguntam qual é o nome da grife, a empresária não sabe responder. Dá de ombros, diz que só comprou porque achou bonito e que não se deslumbra. Não tem grandes ambições de consumo. Nem carro tem.
A viagem a Mônaco não foi turismo de luxo. Ela foi selecionada pela EY para ser a representante do Brasil em uma premiação que reúne empreendedores de mais de 40 países.
Lá, contou o case da Sodiê, interagiu com empresários de outros setores e até começou a discutir uma potencial parceria com um produtor de farinha proteica -o que pode ser um aceno aos clientes da tendência fitness, que têm demandado produtos com proteína, sem abrir mão da indulgência doce nas ocasiões especiais.
Difícil foi explicar o conceito de boia-fria aos jurados no principado. "A maioria dos países representados lá são mais desenvolvidos", diz Cleusa- ela relembra a rotina de infância e adolescência que começava às 4h da madrugada levando a marmita para almoçar nas lavouras de cana ou algodão. "Nem era boia-fria, era gelada. É uma vida muito difícil", diz.
Em sua história, nada se assemelha a uma vida de princesa. Após a morte do pai em um acidente de carro, ela deixou o Paraná acompanhada da mãe e nove irmãos para ir morar no fundo da casa dos avós no interior de São Paulo.
"Minha mãe saía para trabalhar e levava as crianças. Dos 13 aos 16 ou 17 anos eu trabalhei com sol ou chuva, levava picada de abelha na mão quando cortava cana. Um dia meu tio veio de São Paulo e disse que poderia levar uma das crianças para ajudar a criar. Minha mãe negou. Disse que os filhos não eram cachorros e que ela mesma iria criar. Mas eu ouvi a conversa e pedi para ir", relembra Cleusa.
Chegando lá, trabalhou como empregada doméstica e voltou a estudar.
"Tinha três pessoas na casa e nove empregados. Lá, eu descobri uma realidade que eu nem sonhava que existia. Se na minha casa um sabonete dava para o mês todo, lá tinha caixas. Tinha governanta, mas o que mais me impactou não foi a fartura. Eu tinha que ficar com as mãos para trás, em pé, para servir água aos patrões quando estavam na mesa. Eu ficava indignada e me questionava por que ele não podia encher o copo dele. Eu não tinha raiva, mas pensava que não iria passar a minha vida servindo ninguém", diz.
Terminou os estudos, foi trabalhar em um escritório e depois voltou a morar com a mãe, que ainda era boia-fria. Arrumou emprego em fábrica de alto-falantes e dali saltou para os bolos. A transição começou quando a mulher de um gerente para quem trabalhou lhe pediu uma ajuda. Era dona Rosa, que fazia bolos, mas estava querendo parar e pediu que ela assumisse os clientes.
"Um dia ela quebrou a perna e tinha um bolo de 35 quilos para entregar. Me ensinou e pediu para eu fazer. Quando ficou pronto, disse que eu tinha uma mão abençoada e que eu fiz em um dia o que ela levou dez anos para aprender", conta.
Sem dinheiro para comprar uma batedeira porque ganhava pouco mais de um salário para sustentar a família, dona Rosa lhe deu a máquina para pagar quando pudesse. Dali, foram dois anos de madrugadas trabalhadas enquanto mantinha o emprego na fábrica.
O filho, Diego, lhe acompanhava na cozinha, ainda pequeno, até dormir debruçado sobre a mesa. Abriu a primeira pequena loja, depois mais três, com dificuldade -às vezes deixava de pagar a conta de luz em casa para manter o negócio operando. Uma década depois, um cliente chegou com a ideia de franquear a marca.
A inovação que a destacou era a destreza com que preparava um bolo na frente dos clientes, que podiam escolher o recheio na hora da compra, porque a base das massas era feita com antecedência na noite anterior. A ideia de vender bolo em fatia com um preço mais acessível também a diferenciava, segundo ela.
E o objetivo que a guiou sempre foi o sonho de tirar a mãe da vida de boia-fria e impedir que seus filhos tivessem o mesmo destino, conta a empresária. "Ela me viu vencer e venceu junto comigo", diz.
No ano passado, a rede ultrapassou os R$ 740 milhões de faturamento anunciado e prevê fechar 2025 com R$ 820 milhões. Para os próximos anos, a dona da Sodiê projeta R$ 1 bilhão de faturamento com as novas expansões.
"Eu queria que mais pessoas tivessem a vida que eu tenho. Mas tem que lutar. Tem gente que compra um carro, só para mostrar aos outros, e fica endividado. É uma besteira. Os objetivos têm que ser maiores. Tem que trabalhar e devolver cada centavo para o negócio para que ele se sustente, sem ficar deslumbrado", diz.
Comentários para "Ex-boia-fria, dona da rede de bolo Sodiê lança chocolate para concorrer com Cacau Show e Kopenhagen":