Declaração foi adotada por consenso por mais de 170 países que assumiram executar ações urgentes para proteção dos mares; evento reuniu mais de 15 mil pessoas em frente ao Mediterrâneo incluído 60 chefes de Estado e de Governo
Agência Onu News - 13/06/2025 18:22:08 | Foto: © Taryn Schulz
Navios no porto de Nice soaram suas sirenes de nevoeiro, na sexta-feira, num crescendo estridente para um raro momento de unidade global: a adoção, por consenso, da declaração política gerada pela Terceira Conferência dos Oceanos das Nações Unidas.
Mais de 170 países adotaram o documento prometendo ações urgentes para proteger o oceano.
Esperança e direção
"Encerramos esta semana histórica não apenas com esperança, mas com um compromisso concreto, uma direção clara e um impulso inegável", disse Li Junhua, subsecretário-geral da ONU para Assuntos Econômicos e Sociais.
Coorganizado pela França e pela Costa Rica, o evento contou com 15 mil participantes incluindo mais de 60 Chefes de Estado e de Governo, na costa mediterrânea da França.
Com mais de 450 eventos paralelos e quase 100 mil visitantes, o encontro, denominado UnoC3, aproveitou a dinâmica das cúpulas anteriores, em Nova York, 2017 e Lisboa, 2022. A reunião fez um apelo comum para expandir a proteção marinha, reduzir a poluição, regular o alto-mar e liberar financiamento para nações costeiras e insulares vulneráveis.
Promessas ambiciosas
O resultado da conferência, conhecido como Plano de Ação para o Oceano de Nice, é um quadro de duas partes que compreende uma declaração política e mais de 800 compromissos voluntários de governos, cientistas, agências da ONU e sociedade civil desde a conferência anterior.
"Estes compromissos vão desde a defesa por parte dos jovens até a alfabetização em ecossistemas de águas profundas, capacitação em ciência e inovação e compromissos para ratificar tratados intergovernamentais".
Os compromissos revelados esta semana refletem a amplitude da crise oceânica. A Comissão Europeia anunciou um investimento de € 1 bilhão para apoiar a conservação dos oceanos, a ciência e a pesca sustentável, enquanto a Polinésia Francesa se comprometeu a criar a maior área marinha protegida do mundo, abrangendo toda a sua zona econômica exclusiva, cerca de 5 milhões km2.
Alemanha quer remover munições
Já a Alemanha lançou um programa de € 100 milhões para remover munições subaquáticas dos mares Báltico e do Norte. Além disso, Nova Zelândia comprometeu US$ 52 milhões para fortalecer a governança oceânica no Pacífico, e a Espanha anunciou cinco novas áreas marinhas protegidas.
Uma coalizão de 37 países, liderada pelo Panamá e Canadá, lançou a Coalizão de Alta Ambição por um Oceano Tranquilo para combater a poluição sonora subaquática. Enquanto isso, a Indonésia e o Banco Mundial introduziram um "Título de Coral" para ajudar a financiar a conservação dos recifes no país.
"As ondas de mudança se formaram", disse Li. "Agora é nossa responsabilidade coletiva impulsioná-las para nosso povo, nosso planeta e as gerações futuras."
Um palco diplomático
A cúpula começou em 9 de junho com advertências severas do secretário-geral da ONU, António Guterres, ao lado dos presidentes da França e da Costa Rica, Emmanuel Macron e Rodrigo Chaves Robles, que pediram um multilateralismo renovado, ancorado na ciência.
No encerramento, nesta sexta-feira, o enviado especial da França para a conferência, Olivier Poivre d'Arvor, relembrou o que está em jogo: "Queríamos em Nice... arriscar uma mudança transformadora. Acredito que avançamos, mas não podemos mais retroceder."
Um dos principais objetivos da conferência era acelerar o progresso do Tratado de Alto Mar – conhecido como acordo Bbnj – adotado em 2023 para proteger a vida marinha em águas internacionais. Sessenta ratificações são necessárias para que ele entre em vigor. Na última semana, 19 países ratificaram o acordo, elevando o número total até sexta-feira para 50.
Mineração em águas profundas
"Esta é uma vitória significativa", disse Poivre d'Arvor. "É muito difícil trabalhar no oceano agora, com os Estados Unidos tão pouco envolvidos."
O enviado francês se referia à ausência de uma delegação sênior dos EUA, bem como à recente ordem executiva do presidente Donald Trump que promove a mineração em águas profundas. "O abismo não está à venda", disse ele, ecoando comentários feitos no início da semana pelo presidente Macron.
Impulso e um teste
O enviado especial da ONU para o Oceano, Peter Thomson, crê que Nice marcou um ponto de virada. "Não importa tanto o que acontece na conferência, mas sim o que acontece depois".
Olhando para o futuro, as atenções já se voltam para a Quarta Conferência dos Oceanos, programada para ser coorganizada pelo Chile e pela Coreia do Sul em 2028.
A cúpula de 2028 também marcará um momento de ajuste de contas, à medida que o ODS 14 se aproxima de sua meta de 2030.
A declaração política adotada em Nice, intitulada Nosso oceano, nosso futuro: unidos por uma ação urgente, reafirma a meta de proteger 30% do oceano e da terra até 2030, ao mesmo tempo em que apoia estruturas globais como o Acordo de Biodiversidade Kunming-Montreal e as metas climáticas da Organização Marítima Internacional.
Por Fabrice Robinet, enviado especial a Nice, na França.
Soluções baseadas na natureza podem salvar oceanos “doentes”, diz especialista
Os oceanos conectam diversos países ao redor do mundo e cuidar deles requer uma “forte união global”. Essa é a opinião da bióloga e doutora em Ciências Marinhas, Janaína Bumbeer, que participa da 3ª Conferência dos Oceanos das Nações Unidas em Nice, na França.
Falando à ONU News da cidade francesa, ela afirmou que a saúde e a resiliência do oceano estão em jogo. Janaína Bumbeer é gerente de projetos da Fundação Grupo Boticário, que há 35 anos apoia projetos de conservação da natureza, inclusive dos ecossistemas encontrados nos mares.
Proteção costeira
A especialista destacou que a preservação da vida marinha contribui para a adaptação de cidades costeiras frente às mudanças climáticas e ao aumento de desastres naturais.
“Só no Brasil os recifes de coral evitam um gasto de R$ 160 bilhões, só em danos evitados por prevenir inundações e erosão. É um número muito alto. Isso só considerando no Brasil, a região de uma faixa de recifes de coral. Então são R$ 160 bilhões de danos evitados. Sem contar o serviço que (os corais) fazem para turismo e vários outros serviços que ele presta. Então, proteger os corais, restaurar os corais, é uma das melhores soluções para a gente também proteger a nossa costa e a economia. É uma solução baseada na natureza”.
A Fundação Grupo Boticário atualmente apoia mais de 300 projetos relacionados à proteção costeira e à saúde do oceano no Brasil, envolvendo 170 instituições.
Aumento do financiamento climático rumo à COP30
Janaína enfatizou que, nos últimos três anos, o país teve prejuízos anuais de R$ 47 bilhões por causa de desastres relacionados diretamente às mudanças climáticas, mais do que o dobro em comparação com a última década.
De acordo com a especialista, a 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, a COP30, que será no Brasil, deve servir não apenas para aumentar os investimentos, mas também para definir um maior foco em ações de adaptação.
Impacto das mudanças
Para alcançar a meta de financiamento definida na COP29, de US$ 1,3 trilhão por ano para ação climática, a gerente de projetos ressaltou que a responsabilidade não é só do governo, mas também do setor privado.
Ela disse que a Fundação aposta em modelos de parceria para fazer investimentos que alavanquem outros aportes.
Janaína citou o Rio Grande do Sul, que sofreu muito com o impacto de mudanças climáticas recentemente. A Fundação Grupo Boticário investiu R$ 1,5 milhão em projetos no Estado e conseguiu alavancar R$ 9 milhões de outras instituições.
Cada brasileiro gera até 16 kg de plástico por ano
Ao comentar o risco que a poluição por plásticos representa para o ambiente marinho, a especialista citou um estudo que coloca o Brasil como um dos principais focos de atenção.
“O Brasil está entre os 20 países mais poluidores e cada brasileiro gera até 16 kg de plástico por ano. Então, realmente é um número muito alto, que mostra que a atitude e a solução podem começar por cada um de nós para reduzir o nosso próprio lixo. Mas o desafio é muito maior e tem que vir muito acima. Tem que vir do setor privado e do governo também, de várias formas. Mas as soluções têm chegado”.
Janaína explicou que a Fundação Grupo Boticário realiza editais para apoiar soluções inovadoras, criativas e práticas, que envolvem ciência e empreendedorismo no combate ao lixo no mar.
Preocupação com gerações futuras
A organização filantrópica também busca fomentar a “cultura oceânica”, para gerar uma mudança de atitude da sociedade e ressaltar os benefícios da chamada “economia azul”. Em estudo feito pela Fundação, foi revelado que 86% dos brasileiros nunca ouviram falar do tema.
A bióloga afirmou que “o oceano está doente” e as soluções precisam ser adotadas com urgência. Ela disse esperar que a conferência em Nice promova esse impulso.
“A hora de agir é agora, não vamos deixar para o ano que vem, nem para a próxima conferência. Somos a geração que pode ainda fazer alguma mudança para o oceano e para as futuras gerações. Não é responsabilidade das futuras gerações, é nossa, para que as futuras gerações ainda possam desfrutar de um oceano equilibrado, saudável”.
A Fundação Boticário é representante da sociedade civil brasileira na Década do Oceano, declarada pela ONU para o período de 2021 a 2030.
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