Por que está tão difícil para Ronaldo concorrer à presidência da CBF
João Gabriel De Lima, Lisboa, Portugal (folhapress) - 27/02/2025 07:42:33 | Foto: Reprodução/Instagram
Em campanha eleitoral pela presidência da CBF (Confederação Brasileira de Futebol), o ex-jogador Ronaldo Nazário, o Ronaldo Fenômeno, disse em diversas entrevistas que seu objetivo é "recuperar o respeito pelo futebol brasileiro".
O tom lembra o adotado em 2018, quando comprou o Real Valladolid e afirmou que em cinco anos o clube espanhol estaria entre os líderes do campeonato local, disputando vaga na Champions League. A realidade, no entanto, tem sido bastante diferente.
No domingo (23), a tradicional equipe de Castela e Leão, que completará seu centenário daqui a dois anos, teve seu dia de 7 a 1. Perdeu por esse placar para o Athletic Bilbao, fora de casa, permanecendo no último lugar da tabela de classificação do Espanhol, a sete pontos do penúltimo -ou seja, correndo altíssimo risco de rebaixamento.
Desde que Ronaldo assumiu seu comando, em vez de disputar vaga na Champions, o Valladolid já foi rebaixado duas vezes, retornando à divisão principal no ano seguinte -em comportamento típico daquilo que os torcedores brasileiros chamam de "time ioiô".
Em entrevista dada logo após o 7 a 1 ao podcast Carrussel Deportivo, o chefe da torcida do Valladolid, Mario Puertas, disse que pediria ao clube que reembolsasse o ingresso dos 600 torcedores que presenciaram o vexame no estádio de San Mamés, em Bilbao.
Os debatedores do programa, em tom de deboche, sugeriram a Puertas que pedisse "la pasta [o dinheiro] a Ronaldo". "Estamos batendo neste ano todos os recordes negativos em nossas temporadas na primeira divisão", afirmou o chefe da torcida.
A equipe faz na temporada 2024/25 sua pior campanha desde que Ronaldo se tornou seu presidente. O 7 a 1 de Bilbao não chegou a ser um resultado surpreendente. Em rodadas anteriores, o time já havia levado sete do Barcelona, sem direito a gol de honra, e 5 a 1 do Villareal, em jogos fora de casa. Foi humilhado também em seu estádio, o José Zorrilla, perdendo por 5 a 0 do Atlético de Madrid. Ao todo, o Valladolid já levou 59 gols no campeonato e tem um saldo negativo de 43.
O presidente Ronaldo, que em seus tempos de jogador foi ídolo na Espanha vestindo as camisas dos rivais Barcelona e Real Madrid, é acusado de omissão pelos torcedores. Ele não participa de entrevistas coletivas e, segundo o jornal El País, raramente aparece em Valladolid. Nas arquibancadas, os aficionados da equipe lilás e branca empunham cartazes pedindo a sua saída, enquanto crescem os rumores de que o clube terá novos donos em breve.
O próprio Ronaldo admitiu que o Valladolid estava à venda em dezembro passado, quando formalizou sua candidatura à presidência da CBF. Em abril, já havia vendido sua participação no Cruzeiro por R$ 600 milhões. Segundo o jornal espanhol As, o ex-jogador gostaria de se desfazer do controle do Valladolid por valor equivalente -cerca de 100 milhões de euros-, mas as sondagens recebidas até agora não atingem nem metade dessa cifra.
Procurado pela Folha, Ronaldo respondeu, por meio de sua assessoria, que "as informações divulgadas pelo As não são corretas".
"Não podemos fornecer detalhes sobre a possível valuation do clube no momento. Podemos confirmar que, devido ao trabalho realizado na gestão de Ronaldo -incluindo a eliminação de uma dívida de 30 milhões de euros proveniente de um acordo anterior à sua chegada ao clube, melhorias nas infraestruturas, qualidade do staff e implantação de processos-, o Real Valladolid tornou-se atrativo para potenciais investidores", diz o texto.
Enquanto o negócio não se concretiza, Ronaldo continua firme em sua campanha pela presidência da CBF. O ex-jogador enviou uma carta para a entidade solicitando que a data para as eleições seja definida com a antecedência mínima de um mês, "a fim de assegurar a organização e participação dos interessados".
Solicitou também que a Fifa (Federação Internacional de Futebol) e a Conmebol (Confederação Sul-Americana de Futebol) -que receberam uma cópia da carta, assim como os clubes brasileiros das séries A e B- supervisionem o pleito, "para dar mais transparência e segurança jurídica ao processo eleitoral".
Sobre o sumiço de Ronaldo em Valladolid, sua assessoria disse que "Ronaldo é muito querido e muitos querem vê-lo de perto". "Sua presença traz tranquilidade, mas sua ausência não significa falta de interesse ou desconhecimento do que ocorre no clube. Ele está envolvido nas decisões e, embora esteja triste com a campanha do time no Campeonato Espanhol, acredita que o grupo pode reverter a situação atual."
Caso o Valladolid não interrompa sua caminhada célere em direção a um novo rebaixamento, o fracasso -em contraste com os prognósticos otimistas do início da gestão- será certamente usado pelos adversários de Ronaldo na campanha pela presidência da CBF.
Por que está tão difícil para Ronaldo concorrer à presidência da CBF
IGOR SIQUEIRA, RIO DE JANEIRO, RJ (UOL/FOLHAPRESS) - Pouco mais de dois meses se passaram desde que Ronaldo Fenômeno confirmou a intenção de ser candidato à CBF. Na prática, ele tem constatado a dificuldade que é arrumar o apoio para -pelo menos- ter o direito de participar.
O cenário político da CBF favorece quem está no poder. Atualmente, Ednaldo Rodrigues.
Ronaldo admite isso na carta que enviou a Fifa, Conmebol, CBF, clubes e federações. Numa crítica ao processo eleitoral, o ex-jogador disse que "o modelo dificulta (quiçá, impede) o surgimento de candidaturas alternativas".
Ronaldo, hoje, não tem qualquer apoio formal da principal categoria de eleitores da CBF: as federações estaduais.
Por mais que tenha se reunido com Reinaldo Carneiro Bastos, presidente da Federação Paulista, o Fenômeno deixou o encontro sem o apoio na eleição.
O TAMANHO DA BARREIRA
Para registrar chapa, um candidato precisa ter ao seu lado quatro federações e quatro clubes, no mínimo. Não é à toa que esse pedaço do estatuto é chamado de cláusula de barreira.
E tem mais: o voto das entidades estaduais tem peso três. Juntas, são capazes de ganhar "sozinhas" a eleição.
E os 40 clubes das Série A e B? Se decidissem apoiar um candidato específico de oposição, conseguiriam gerar uma obstrução eleitoral. Sem clubes, o nome da situação também não conseguiria registrar chapa. Mas trata-se de um cenário fora da realidade atual -para não dizer impossível.
Ronaldo fez sinalização aos clubes, mas sem retorno consistente até agora. A falta de previsibilidade sobre quando, de fato, o processo eleitoral começará embaralha as coisas. E quem aperta esse botão é justamente Ednaldo.
A partir de 23 de março, tudo pode acontecer -é o prazo estatutário a partir do qual o pleito pode ser marcado. O Fenômeno pediu na carta enviada esta semana que a data seja definida com pelo menos um mês de antecedência.
QUEM APOIA EDNALDO
Ronaldo disse que estaria disposto a viajar o Brasil para apresentar seu projeto. Mas tem encontrado resistência de Norte e Sul, pelo menos segundo as federações ouvidas pelo UOL nas últimas semanas.
"Se Ednaldo tiver um voto apenas, será o meu", disse Daniel Vasconcelos, presidente da Federação do Distrito Federal, ao UOL.
Mesmo que nos bastidores haja críticas à demora em algumas decisões da CBF atual, não tem quem publicamente coloque a cabeça para fora da casinha da chapa de situação.
Ednaldo tem se cercado de um círculo de apoio ferrenho. Começa pelo presidente da Federação Bahiana, Ricardo Lima -cunhado de Ednaldo-, e passa por outros que têm ou já tiveram cargos na administração, como Gustavo Vieira (ES) e Rozenha (AM).
Se perguntar a Ricardo Paul, do Pará, é Ednaldo na cabeça. Com Rubens Lopes, no Rio, Ronaldo também não teve abertura. Só para citar mais alguns.
Em geral, as federações também não confiam de cara em figuras que são consideradas outsiders. Ronaldo é campeão do mundo, mas não convive nos bastidores. Mesmo quando era dono do Cruzeiro, a atuação na Federação Mineira se dava mais por meio do então CEO da SAF, Gabriel Lima.
Tem também o aspecto financeiro. A CBF repassa mensalmente R$ 120 mil às federações para cobrir despesas. É o chamado PAF (programa de apoio às federações). Ednaldo tem o poder de travar a liberação, se quiser. Isso é um temor dos presidentes.
No embalo pré-eleitoral, o atual presidente da CBF recentemente conseguiu até afastar a ameaça de queda do poder via Supremo Tribunal Federal (STF). Ednaldo fechou acordo em ações judiciais anteriores que questionavam um documento assinado junto ao Ministério Público do Rio (MP-RJ). O Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) serviu de alicerce para a eleição mais recente, em 2022.
Por outro lado, as vozes que apoiaram Ronaldo publicamente até agora foram de ex-jogadores. Mas o nível de influência deles na eleição da CBF, na prática, é mínimo. Para não dizer nulo.
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