Em evento de divulgação, pesquisadora Heloísa Starling destaca relevância da “verdade histórica”
por cristiane Sampaio - Portal Bdf - 01/04/2025 18:06:14 | Foto: Livros editados pelo Senado podem ser adquiridos gratuitamente na internet / - Andressa Anholete/Agência Senado
No embalo do aniversário de 61 anos do golpe que deu origem à ditadura civil-militar (1964-1985) no Brasil, o Senado lançou, nesta segunda (31), um conjunto de três livros que exploram o tema a partir de lentes históricas. Foram publicados pelo Conselho Editorial da Casa (Cedit) os livros “Sessenta e quatro: anatomia da crise”, “1964 visto e comentado pela Casa Branca” e “1964 – Imagens de um golpe de Estado”, cuja versão digital pode ser adquirida gratuitamente.
Escritos respectivamente pelo cientista político Wanderley Guilherme dos Santos e pelo jornalista Marcos Sá Corrêa, os dois primeiros são republicações de obras editadas nas décadas de 1970 e 1980, enquanto o terceiro é um livro inédito organizado pela historiadora Heloísa Starling, coordenadora do “Projeto república: núcleo de pesquisa, documentação e memória”, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em parceria com os pesquisadores Danilo Araújo Marques e Lívia de Sá Baião. As publicações resultam de uma parceria entre o Senado e o projeto da UFMG.
As obras foram lançadas durante um seminário que rememorou a história do regime ditatorial a partir de diferentes óticas, mas todas elas com um foco em comum: o combate ao legado dos governos autoritários. “O melhor que podemos fazer para lembrar o golpe de 64 é, em primeiro lugar, trazê-lo ao conhecimento de todos. Então, a consequência não pode ser outra que não a publicação de livros que reportem o período”, disse o presidente do Cedit, senador Randolfe Rodrigues (PT-AP).
O evento se converteu também em um palco de celebração da importância do trabalho desenvolvido por jornalistas, historiadores e outros pesquisadores no resgate de fatos representativos do passado, em especial os que tiveram seu registro negligenciado por agentes do Estado ou por outras fontes, como ocorreu no período ditatorial. “A história tem uma função muito estratégica para a democracia. Ela define um referencial que é concreto e que é rigoroso para a gente averiguar, investigar os acontecimentos que estão sendo relatados. A história indica qual é a relevância das evidências e como a gente pode verificar um evento ocorrido no passado. O historiador é importante para a democracia porque ele deixa claro, em praça pública, que o fato histórico não é invenção. Teve golpe. Se o golpe foi bom ou ruim, são interpretações, mas teve golpe”, frisou Heloísa Starling.
Historiadora Heloísa Starling [à direita] integra o Conselho Editorial do Senado Federal/ Andressa Anholete/Agência Senado
A pesquisadora ressaltou ainda que o eventual desprezo pela verdade histórica causa abalos sísmicos na estrutura do regime democrático. “Se os fatos forem manipulados, as pessoas passam a acreditar naquilo que querem ouvir, naquilo que lhes parece mais conveniente em determinada circunstância, e aí tudo se resume a questão de opinião, a qual é a melhor versão em curso. As consequências dessa postura são imediatas para a democracia. Se as linhas divisórias entre verdade e fraude ficarem distintas, não existe mais uma base factual para nós questionarmos o poder. O historiador, então, é um perigo para as tiranias porque o trabalho dele se sustenta numa única modalidade da verdade, que é a verdade factual. Significa que ele faz ostentação pública de fatos – com imagens, inclusive – que não podem ser modificados nem pela vontade de quem ocupa o poder, nem podem ser demovidos, a não ser por mentiras cabais.”
Neto do ex-deputado Rubens Paiva, assassinado pela ditadura e personagem central do filme “Ainda estou aqui”, João Francisco Paiva Avelino exaltou a importância da produção intelectual, artística e do trabalho educacional para a popularização da luta contra o legado de regimes autoritários. Ele lembrou que o próprio longa-metragem, vencedor do Oscar de melhor filme internacional em 2025, inspirou-se em um livro de memórias.
“É importante sempre reforçar que essa luta é coletiva. Recentemente o senador Randolfe (PT-AP) me convidou para um evento lá no Amapá com os professores de história da rede pública do estado e, na ocasião, houve uma exibição do filme e distribuíram exemplares do livro para os professores. Eu acho que foi uma das vezes em que eu mais me emocionei vendo o filme por ver aquela luta refletida naquelas pessoas, que é isto: um professor de rede pública do Amapá [ajudando a divulgar a história], mas, sem ele, a luta pela democracia vai morrer”.
João Francisco Paiva Avelino, neto de Rubens Paiva / Andressa Anholete/Agência Senado
João Vicente Goulart, atual presidente do PCdoB no Distrito Federal e filho de João Goulart, presidente da República deposto pelos militares em 1964, sublinhou que a luta pela democracia exige uma amplitude de ações, inclusive por parte do Estado brasileiro. Sem citar diretamente o presidente Lula (PT), ele criticou o governo atual por proibir que instâncias da gestão lembrem o aniversário do golpe militar. “Tivemos, nesses 60 anos, alguma censura por parte de entes federais para ‘não remoer o passado’, e isso é muito grave. Mas hoje nós estamos aí e temos que romper essas barreiras. A ditadura foi um momento muito difícil. Temos que resgatar isso pela memória do povo brasileiro, que nunca mais deve repetir aquilo que foi 1964. Não foi só um golpezinho, não foi só uma quartelada. Foram 21 anos de ditadura, 21 anos de perseguições”.
Obras
O livro intitulado “Sessenta e quatro: anatomia da crise” aglutina dois livros distintos de Wanderley Guilherme dos Santos. O primeiro se chama “Quem dará o golpe no Brasil?”, publicado em 1962, nas vésperas do golpe militar, e “Sessenta e Quatro: Anatomia da Crise”, que data originalmente de 1987. O trabalho do cientista político, morto em 2019, é considerado uma referência no assunto por traçar detalhes do processo de gestação da empreitada militar.
Já o livro “1964 visto e comentado pela Casa Branca” foi escrito por Marcos de Sá Corrêa a partir de materiais descobertos nos arquivos da biblioteca Lyndon Baines Johnson, da Universidade do Texas, nos Estados Unidos. A obra revela detalhes comprobatórios da atuação do governo ianque no golpe militar que levou o general Castelo Branco ao poder no Brasil. Para produzir o livro, o jornalista se debruçou sobre milhares de páginas de documentos oficiais, a partir dos quais elegeu 450 peças que mostram como se deu a chamada “Operação Brother Sam”.
A obra “1964 – Imagens de um golpe de Estado” retrata, ao longo de 180 páginas, um conjunto de fotografias que exibem momentos ligados ao regime militar. Os registros são acompanhados de contextualização histórica e foram retirados de revistas, jornais, arquivos da Fundação Biblioteca Nacional e do Arquivo Nacional, entre outras fontes que ajudam a dar ao leitor uma visão plástica do cenário histórico da ditadura.
Acesso
Os três livros lançados nesta segunda pelo Senado podem ser baixados gratuitamente na página da instituição por meio dos seguintes links: Anatomia da crise
1964 visto e comentado pela Casa Branca
Imagens de um golpe de Estado
Para leitores que queiram adquirir a versão impressa dos materiais, as obras estão disponíveis a preço de custo, com valores que variam de R$ 8 a R$ 20. O Senado disponibiliza frete gratuito para qualquer ponto do território nacional.
Editado por: Nathallia Fonseca
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