Porcos caipiras ressurgem em pequenas criações, de olho no mercado gourmet

Trazidos pelos colonizadores, os animais se adaptaram a cada região do país.

Porcos caipiras ressurgem em pequenas criações, de olho no mercado gourmet
Porcos caipiras ressurgem em pequenas criações, de olho no mercado gourmet

Flávia G. Pinho, São Paulo, Sp (folhapress) - 07/02/2025 18:23:01 | Foto: Aacervo da Rede de Agricultura Familiar e Agroecologia- UFMG

De olho no mercado gastronômico, que redescobriu o valor da banha e busca carne suína vermelha, de sabor potente, pequenos suinocultores estão empenhados em recuperar raças caipiras que quase foram extintas.

São muitas. Trazidos pelos colonizadores, os animais se adaptaram a cada região do país e ficaram bem diferentes uns dos outros, dando origem a diversas raças consideradas brasileiras, como caruncho pintado, pirapitinga, nilo-canastra, canastrão e baé.

Proprietário da Fazenda Fundão, em Silveiras (SP), Rafael Cardoso é guardião do caruncho roxo. Ele descobriu o porco pequeno e de focinho achatado quando procurava matéria-prima para sua charcutaria, a Curiango. "Testei várias raças até entender que o porco daqui era o mais adaptado às nossas condições", conta.

Nos sítios vizinhos, onde viviam os últimos remanescentes, cruzamentos consanguíneos tinham dado origem a animais com deformidades. Por isso, Cardoso levou oito anos para chegar à estabilidade genética. Agora, seu trabalho virou referência.

Ele compartilha a experiência com chefs e outros criadores na imersão "Do rabo ao focinho", que acontece no próprio sítio e já foi levada até para Portugal –a segunda edição internacional acontece em fevereiro.

Trabalhos parecidos pipocam pelo país. Em Goianá (MG), o agrônomo Filipe Russo é um dos guardiões do porco piau, cuja relevância social e econômica foi reconhecida pela lei estadual 24.792/24. Ele usa os cortes para produzir a carne na lata Porco da Mata, conservada na banha.

Um dos pioneiros foi Marson Warpechowski, professor do Departamento de Zootecnia da Universidade Federal do Paraná, que se dedica à raça moura desde 2014. São animais grandes e peludos, resistentes ao frio, que conquistaram chefs de cozinha e ajudaram a dar visibilidade aos porcos brasileiros.

Warpechowski conta que aparece muita gente disposta a copiar seu exemplo e criar porco moura, mas em outras regiões –o que ele não recomenda. "Raças locais são únicas, por isso sugiro que comecem procurando porcos do próprio lugar."
Foi o que aconteceu com o veterinário Diego Costa. Em 2019, ele procurou Warpechowski com a intenção de levar porcos moura para Pardinho (SP), mas saiu de lá com 14 animais da raça canastra, mais apropriados para o clima do interior paulista.

"A genética já havia sido apurada, só precisei seguir os parâmetros corretos. Já tenho 65 fêmeas e sete machos para reprodução, todos de linhagens distantes", conta o criador, que se associou à queijaria Pardinho Artesanal na empreitada.

Os guardiões se inspiram no passado para criar os animais. Porcos pastam, o que muita gente não sabe, e devem viver soltos. Mas os protocolos do Sistema de Criação de Suínos ao Ar Livre (Siscal), da Embrapa, são bem atuais e preveem cuidados como piquetes rotacionados com vegetação forrageira, alimentação à base de grãos e soro de leite, maternidades em espaços reservados, além de muita sombra e lama, que garantem animais sadios e tranquilos –e, para o bem dos criadores, ambientes sem o mau cheiro dos chiqueiros de antigamente.

Porcos caipiras levam até três vezes mais tempo para chegar ao ponto de abate. A carne é naturalmente vermelha, devido à produção de mais miosina, com gordura entremeada nas fibras musculares, o tão desejado marmoreio, e uma camada grossa e bem branquinha no tecido adiposo.

Não se comercializam produtos assim, tão especiais (e caros), em qualquer lugar. Diego Costa vende os animais abatidos adultos para o restaurante A Casa do Porco, em São Paulo, do chef Jefferson Rueda, e para seu frigorífico, o Porco Real. Já os leitões, cerca de 30 por mês, são enviados ao empório de luxo Casa Santa Luzia, na capital paulista. O quilo do pernil com osso é vendido ao consumidor por R$ 97.

Os produtos da Curiango, charcutaria de Rafael Cardoso, estão em restaurantes, empórios de alto padrão e no perfil da marca no Instagram, onde um pote com 300 g de banha custa R$ 27. Uma peça de 200 g de barriga de porco, curada em especiarias por 180 dias, sai por R$ 53.

Cardoso reconhece que chegar à ponta de lá, onde está o consumidor de alto poder aquisitivo, não é fácil. "O produtor rural é especialista em produzir, mas nem sempre sabe agregar valor e se comunicar", pontua. Resolver este e outros gargalos, como a atualização da legislação, é o objetivo do 2º Encontro Brasileiro de Criadores de Porcos Crioulos, que acontece em abril, em Goianá.

"Nem todo produtor rural tem acesso a frigoríficos certificados para fazer o abate, por exemplo, o que se resolveria com a criação de microindústrias em polos regionais", defende Diego Costa. "O governo precisa dar aos pequenos a mesma atenção dirigida ao agro."
CONHEÇA AS CARACTERÍSTICAS DE ALGUMAS RAÇAS SUÍNAS BRASILEIRAS
Caruncho roxo
- Pequeno porte
- Pele fina e escura, sem pelos
- Focinho curto
- Alta proporção de banha
- Carne marmorizada
Moura
- Grande porte
- Pele preta e pelos longos e densos, rajados
- Aptidão mista para carne e banha
- Focinho longo
- Orelhas caídas
Piau
- Porte médio
- Pelo malhado
- Focinho comprido e reto
- Orelhas em pé
- Aptidão mista para carne e banha
Canastra
- Porte médio a grande
- Pele e pelo curto pretos
- Orelhas ibéricas médias
- Aptidão mista

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