PCDF lança primeiro protocolo de atendimento a crimes contra diversidade religiosa
Foto: Protocolo define diretrizes para atuação policial na investigação de crimes de discriminação religiosa - Foto: Divulgação/Alerj
PCDF lança primeiro protocolo de atendimento a crimes contra diversidade religiosa
Bianca Feifel - Brasil De Fato | Brasília (df) - 14/02/2025 17:06:16 | Foto: Protocolo define diretrizes para atuação policial na investigação de crimes de discriminação religiosa - Foto: Divulgação/Alerj
Policiais são orientados a realizar acolhimento humanizado.
A Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) lançou o primeiro protocolo do Brasil para atuação policial em crimes contra a liberdade religiosa. O documento estabelece orientações para acolhimento às vítimas, desde o primeiro atendimento até a conclusão do caso, e para respeito à diversidade religiosa em todas as atividades investigativas da polícia e nas relações de trabalho internas.
O protocolo determina que todas as pessoas de crença religiosa ou convicções filosóficas, o que inclui aquelas que não professam nenhuma fé, sejam atendidas de forma humanizada, independentemente de sua situação na ocorrência policial – se são vítimas, autoras ou testemunhas. O policial deve praticar a escuta ativa, sem julgamentos ou uso de termos pejorativos, expressões discriminatórias ou piadas que possam constranger e configurar violência institucional.
“Este POP [Procedimento Operacional Padrão] da diversidade religiosa nasceu da necessidade de entender o que é sagrado para cada religião e quais são as convicções e valores de quem não tem religião ou crença. Surgiu do clamor da população, especialmente dos povos de terreiro que têm suas práticas religiosas discriminadas, que são vítimas do preconceito vindo muitas vezes dos próprios policiais, que sem capacitação externam seus preconceitos praticando a violência institucional ao atender essas ocorrências”, explicou Ângela Maria dos Santos, delegada-chefe da Delegacia Especial de Repressão aos Crimes por Discriminação Racial, Religiosa, ou por Orientação Sexual, ou contra a Pessoa Idosa ou com Deficiência (Decrin).
De acordo com o documento, o registro de crimes contra a liberdade religiosa demanda cuidado especial por parte do policial, levando em conta a maior condição de vulnerabilidade da vítima, que é “atacada naquilo de mais profundo e íntimo, representado por suas crenças”.
O protocolo também chama atenção para as opressões cruzadas entre diferentes marcadores sociais de gênero, raça, classe, religiosidade e outras características individuais, e determina que as circunstâncias do crime sejam descritas “sob a perspectiva interseccional”. O texto cita como exemplo o atendimento a mulheres negras, a homens idosos homossexuais e mulheres trans de religião de matriz africana.
POP da Diversidade Religiosa foi lançado no auditório da PCDF nesta quarta-feira (12) / Foto: Divulgação/PCDF
Além disso, os policiais são orientados a indagar sobre todos os detalhes do crime, como pessoas presentes, motivação, descrição do ambiente e sentimentos da vítima. Em relação às ofensas verbais, devem registrar exatamente quais foram as palavras proferidas, e em caso de danos materiais, solicitar perícia no local.
Há também orientações específicas para crimes contra a liberdade religiosa no ambiente virtual ou redes sociais. A principal preocupação é com a preservação das provas e da materialidade do crime, por isso é indicado aos policiais tirar print e juntar ao boletim de ocorrência, identificar emissor e destinatários de mensagens ofensivas, preservar os dados em cds, pendrives e nuvens.
“Enfrentar a intolerância e o racismo religioso e construir uma comunidade de paz e de respeito a todas as religiões é muito importante. É um avanço civilizatório. Nós saímos da era das guerras religiosas, da era da imposição religiosa e filosófica, para a era do respeito às diferenças. Estabelecer com transparência um protocolo que pode colaborar nesse processo é fundamental também para mudança cultural da sociedade”, destacou o deputado distrital Fábio Felix (Psol-DF), durante o lançamento do POP na sede da PCDF nesta quarta-feira (12).
O documento também traz diretrizes de tratamento em relação à religiosidade da pessoa que é suspeita de autoria de algum crime. A busca pessoal íntima para recolhimento na cela provisória deve ser realizada respeitosamente, principalmente se o suspeito estiver paramentado com roupas e acessórios religiosos, como véus, guias, contas, turbantes, quipás. nesses casos, é recomendado o contato com algum familiar familiar para recolhimento dessas vestimentas.
Já o cumprimento de mandado de busca e apreensão em templo religioso deve ser feito preferencialmente acompanhado por líder ou responsável religioso local.
Crimes contra a liberdade religiosa
O POP da Diversidade Religiosa realizou extensa pesquisa em todo o ordenamento jurídico brasileiro e reuniu os tipos de crimes contra a liberdade religiosa ou convicções filosóficas.
É crime, por exemplo, a injúria, a zombaria e a violência política por motivo de religião. O impedimento de acesso a cargo público ou a promoção por motivo de religião, bem como a obstrução de emprego em empresa privada com a mesma motivação também estão tipificados como crime.
Recusa de cliente ou comprador em estabelecimento comercial, de ingresso de aluno em instituições de ensino público ou privado e de hospedagem em hotel ou pensão por motivos religiosos também é crime. Impedir, em razão da religião, acesso ou atendimento em estabelecimentos públicos, desportivos, clubes, salões de beleza, edifícios públicos ou residenciais, transportes públicos, serviço militar ou convivência familiar é igualmente rechaçado pela lei.
Decrin
A Decrin, delegacia especializada no atendimento de crimes de discriminação envolvendo raça, religião, pessoas LGBTQIA+, pessoas idosas e pessoas com deficiência, foi inaugurada em 2016, após vários casos de ataque à religiões de matriz africana no DF.
“O trabalho da Decrin em Brasília já foi um avanço muito grande para nós que somos das comunidades tradicionais de matriz africana”, avaliou Christiane Alves Bastos, conhecida como Mam’etu Zaze. “O lançamento do protocolo veio para somar e fortalecer o trabalho, e nos dar mais importância quando chegamos a uma delegacia após sermos atacados e termos nossas casas vilipendiadas”.
Segundo a delegada-chefe, a Decrin realiza a investigação protetiva com perspectiva interseccional. “A investigação protetiva é aquela em que o foco está no acolhimento da vítima, para que ela não se sinta revitimizada ao ter que acessar todo o conteúdo doloroso vivido no momento do crime”, explicou.
Também há a preocupação com a capacitação policial, com letramento específico que contribua para o entendimento a respeito dos contextos de vulnerabilidade em que a vítima está inserida.
Criada em 2016, Decrin é delegacia especializada em crimes de racismo e discriminação / Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Além do POP da Diversidade religiosa, a Decrin já criou protocolos para atendimento à população idosa e à população LGBTQIA+.
Para Fábio Felix (Psol-DF), a criação deste teve um impacto muito positivo. “Tivemos uma mudança cultural e estrutural no trabalho da Polícia Civil em relação a esse tema”, destacou.
Segundo o parlamentar, a Comissão de Direitos Humanos da CLDF recebeu muitos relatos de que houve uma mudança no tratamento policial em relação aos casos de homotransfobia. “O flagrante foi feito, o autor do crime foi preso e só saiu da delegacia, quando saiu, na audiência de custódia. Alguns até com medida protetiva. O trabalho da polícia civil foi excepcional e isso tem a ver com o protocolo”, afirmou Felix.
Pesquisa
A construção do Procedimento Operacional Padrão (POP) da Diversidade Religiosa contou com a participação de 18 representantes de diferentes religiões e convicções filosóficas, que foram questionados em relação às características de suas crenças.
A pesquisa foi realizada pelas delegadas da Decrin, Ângela Maria e Cyntia Cristina, com a colaboração da professora do departamento de Sociologia da Universidade de Brasília (UnB) Tânia Mara Campos e da professora Ana Paula Miranda, da Universidade Federal Fluminense (UFF).
Construção do POP da Diversidade da PCDF contou com a participação de 18 lideranças religiosas / Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Os líderes religiosos que participaram do questionário foram perguntados, dentre outras coisas, sobre os elementos sagrados e quais são mais comumente atacados
Lideranças de religiões evangélicas afirmaram que sofrem discriminação em relação às manifestações de carisma (transe espiritual), aos jargões/expressões que utilizam e ao incentivo à contribuição monetária, que costuma ser apontada como charlatanismo.
Já lideranças judaicas relataram sofrer discriminações em razão da política do Estado de Israel, de fake news e por organizações de campanhas contra o judaísmo.
Os praticantes de religiões de matriz africana, como a Umbanda e o Candomblé, sentem-se discriminados em relação a suas práticas ritualísticas e à proibição de uso de vestimentas e acessórios religiosos, como turbantes, fios de contas ou guias, sob dos tambores e atabaques e assentamentos.
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Edição: Flávia Quirino
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