O tabuleiro é vasto e em constante movimento
Por João Zisman - 22/10/2025 10:07:26 | Foto: João Zisman - Foto Editoria de Artes/IA
Em O Homem que Calculava , Malba Tahan transformou a lógica em poesia. Beremiz Samir, o célebre calculista árabe, resolvia impasses com uma combinação improvável de raciocínio, elegância e senso de justiça. Se o sábio vivesse em Brasília, talvez se divertisse com o enigma que o Distrito Federal prepara para 2026, quando o eleitor voltará a escolher dois senadores. Dois votos, inúmeras possibilidades e um desafio digno de quem sabe que, na política, uma vírgula pode alterar o resultado de toda a equação.
Ibaneis Rocha conhece o valor de cada número. Sabe que a eleição não se ganha apenas com o voto fiel, mas com o voto que completa a conta, o segundo. Aquele que vem do eleitor que já se decidiu por sua primeira paixão, mas ainda procura um nome de equilíbrio, alguém que some sem anular. É nesse voto complementar, o que flutua entre campos ideológicos, que repousa o segredo do sucesso em 2026.
O tabuleiro é vasto e em constante movimento. À direita, Michelle Bolsonaro mantém o favoritismo natural, enquanto uma eventual candidatura de Bia Kicis ao Senado poderia revirar a mesa. Há um acordo de bastidor, e não é segredo, para que o PL apoie Ibaneis. A lógica é cristalina: Michelle representaria o rosto da direita identitária e Ibaneis, a alternativa de gestão e experiência, uma dobradinha que garantiria vitória aritmética e política. Caso Bia decida entrar no jogo, o cálculo muda. A soma se transforma em subtração e os votos que deveriam convergir passam a se dispersar. Seria uma quebra de alinhamento e, para muitos, uma traição aos cálculos cuidadosamente traçados.
No campo progressista, Érika Kokay carrega o estandarte da esquerda petista, enquanto Leila Barros tenta preservar o protagonismo do centro moderado. Ambas disputam um eleitorado fiel, mas restrito, e abrem espaço para que o voto pragmático procure abrigo em outras paragens. Nesse vácuo, Ibaneis poderia crescer. Poderia, se não surgissem novos competidores.
E eles podem vir. José Roberto Arruda, agora em rota de reabilitação política, acena para o retorno com a força de quem ainda desperta lealdades antigas. Sua eventual candidatura recoloca o voto conservador em disputa direta com Ibaneis. Já Reguffe, se resolver trocar o silêncio estratégico pela reestreia, tem o dom de falar aos eleitores avessos à polarização. Representa o voto independente, aquele que rejeita extremos e decide o pleito quando o país está dividido.
E não esqueçamos de Izalci Lucas. Senador experiente, discreto e de trânsito fácil entre os setores empresariais e a direita tradicional, dificilmente voltará a se arriscar em uma disputa ao Senado. O cenário mais provável é que busque uma vaga na Câmara dos Deputados ou se acomode em uma das chapas majoritárias, talvez como suplente estratégico. Sua decisão, embora individual, tem efeito coletivo: redefine alianças, rearranja apoios e pode alterar o equilíbrio de forças dentro do próprio campo conservador.
Assim, o problema dos dois votos assume contornos quase talmúdicos. O eleitor poderá votar, por exemplo, em Michelle e Bia, em Leila e Érika, em Ibaneis e Arruda, em Reguffe e Ibaneis. As combinações são tantas que nem Beremiz Samir daria conta sem recorrer a um pergaminho e um ábaco. O risco é que, em meio a tantas alternativas, a soma dos favoritos não alcance o suficiente para garantir vaga alguma.
Para Ibaneis, o desafio é preservar o que Malba Tahan chamaria de proporção justa. Manter o PL como aliado, conter impulsos de rebelião, conquistar o eleitor do centro e neutralizar a memória eleitoral de Arruda e Reguffe, tudo isso sem perder o ar de serenidade de quem já venceu outras batalhas. Não é uma equação simples. Envolve diplomacia, cálculo político e um pouco de fé, porque o segundo voto é mais emoção do que lógica.
Em O Homem que Calculava , as contas sempre terminavam em equilíbrio. Na Brasília de 2026, talvez nem tanto. A moral da história, porém, continua válida: quem divide demais, perde. Ibaneis Rocha, o homem que agora calcula, precisará somar diferenças, conter vaidades e entender que, no Senado, o que vale não é apenas a soma dos votos, mas o valor de cada fração que o eleitor decide conceder.
E que, no fim das contas, como diria Beremiz, há problemas que só se resolvem com sabedoria e um pouco de sorte nas urnas.
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