Agência de ajuda externa dos EUA sob mira de Trump apoiou ditadura no Brasil

O plano representou a continuação de esforços já existentes na década de 1950

Agência de ajuda externa dos EUA sob mira de Trump apoiou ditadura no Brasil
Agência de ajuda externa dos EUA sob mira de Trump apoiou ditadura no Brasil

Foto: Bandeira da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid) | Reprodução/Redes sociais

O plano representou a continuação de esforços já existentes na década de 1950

Guilherme Botacini, Brasília, Df (folhapress) - 05/02/2025 08:11:22 | Foto: Bandeira da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid) | Reprodução/Redes sociais

A Usaid, agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional, alvo de Donald Trump em suas primeiras semanas de mandato, teve papel importante de apoio à ditadura militar brasileira (1964-1985), particularmente no treinamento de polícias.

Criada em 1961, dois meses após a posse de João Goulart, a Usaid funcionou naquela década como braço de programas da Aliança para o Progresso. O projeto implantado pelo presidente americano John F. Kennedy (1961-1963) tinha como objetivo declarado trabalhar pelo desenvolvimento do continente.

Estrategicamente, no entanto, também operacionalizou o apoio de Washington para conter o avanço do comunismo em países da região.

O plano representou a continuação de esforços já existentes na década de 1950, mas intensificados depois da Revolução Cubana, que balançou o continente no fim daquela década.

Kennedy empenhou-se pessoalmente na criação do programa policial da Usaid, de acordo com documento visto e relatado pelo historiador brasileiro Rodrigo Patto Sá Motta, em artigo publicado em 2010 a partir de pesquisa na Universidade de Maryland (EUA).

"Os objetivos em relação ao sistema de segurança podem ser resumidos a um propósito básico: estabelecer aliança com as polícias brasileiras e evitar que fossem envolvidas pela força ascendente da esquerda. Em poucas palavras: garantir que a polícia estivesse do lado certo na hora H", escreveu Motta.

Ações de treinamento de agentes e oficiais de polícia tiveram coordenação da CIA, a agência de inteligência americana, e envolveram outros órgãos. Dentro da Usaid, era o Escritório de Segurança Pública (OPS, na sigla em inglês) o responsável por gerir o programa.

Ainda antes do golpe militar no Brasil, a agência havia estabelecido a Academia Interamericana de Polícia (Iapa, na sigla em inglês), cujo objetivo era fornecer treinamento a policiais estrangeiros. A instalação ficava na base militar de Fort Davis, na área do Canal do Panamá.

"O principal objetivo desta academia é aumentar a eficácia dos oficiais em nível intermediário de supervisão para manutenção da segurança interna e para combater atividades subversivas e desordens civis", afirma relatório de 1962 do Departamento de Estado sobre os programas de treinamento policiais da Usaid.

"Por essa razão, é dada ênfase considerável ao treinamento em sala de aula sobre segurança interna, com foco no comunismo internacional, e ao treinamento prático em controle de distúrbios", diz o texto.

Mais tarde, a escola foi integrada à Academia Internacional de Polícia (IPA, na sigla em inglês), com sede em Washington, onde milhares de agentes de polícias do continente foram treinados.

"Durante o governo de João Goulart, a Usaid foi usada como uma ferramenta para tentar domesticar o governo de Jango, seja de forma direta ou indireta. Uma das formas mais significativas dessa atuação indireta foi o fortalecimento de governadores da oposição, com o objetivo de restringir as opções políticas do governo federal", afirma Felipe Loureiro, professor de relações internacionais da Universidade de São Paulo (USP) e autor do livro "A Aliança para o Progresso e o governo João Goulart (1961-1964)".

Loureiro cita como exemplo o governador do então estado da Guanabara, Carlos Lacerda, grande opositor de Jango e líder no recebimento de recursos provenientes da Usaid para programas de impacto no estado, como de habitação popular e abastecimento de água.

"Além de focar os governadores opositores, a agência também demonstrava grande preocupação com a situação socioeconômica do Nordeste, que era vista como um terreno fértil para a radicalização política", afirma o professor.

A Usaid se envolveu ainda em tratativas com a ditadura que resultaram em acordo com o Ministério da Educação (MEC) após o golpe. A partir do pacto, o regime implementou, em 1968, reforma universitária amplamente rejeitada pelo movimento estudantil. A reforma foi publicada dias antes da promulgação do Ato Institucional nº5 (AI-5), que cassou direitos políticos e aprofundou de vez a repressão.

As manifestações estudantis, carregadas de palavras de ordem contrárias aos EUA, refletiam o sentimento antiamericano que começou a mudar a percepção de Washington a respeito de sua atuação no Brasil, também mas não apenas via Usaid, durante o período de recrudescimento da ditadura.

Já em 1967 o programa de treinamento policial havia reduzido o número de agentes, de acordo com Motta, que fala de nova redução após a repercussão negativa do AI-5 no Departamento de Estado americano. Em 1972, o programa brasileiro foi encerrado e, em 1974, o Congresso americano extinguiu o projeto em nível global.

Sucessivos governos americanos mudaram a relação com o Brasil e consequentemente a ajuda externa ao país. Durante o governo de Jimmy Carter (1977-1981), com a elevação dos direitos humanos ao centro da diplomacia americana, canais de assistência ainda restantes foram encerrados.

Com o fim da ditadura militar e da Guerra Fria, a Usaid seguiu trabalhando no Brasil, mas apoiando projetos em andamento ou financiados por outras instituições, em uma escala de atuação menor depois que Washington deixou de tratar a América Latina como prioridade para voltar os olhos ao Oriente Médio e a Ásia.

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