O Congresso é muito sensível à opinião pública.
Adriana Fernandes E Idiana Tomazelli, Brasília, Df (folhapress) - 31/03/2025 06:28:08 | Foto: Edu Andrade/Ascom/MF
A insistência do governo em mostrar a disparidade de alíquotas efetivas pagas por trabalhadores assalariados e o grupo mais rico da população brasileira parece ter surtido efeito, na avaliação do secretário de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda, Marcos Barbosa Pinto.
"Tem injustiça maior do que essa? Um milionário pagar um quarto de imposto que uma professora paga", diz.
Segundo ele, a criação do imposto mínimo para milionários tem "índices de aprovação da proposta muito elevados" entre os contribuintes, o que tende a se refletir no posicionamento dos parlamentares.
"O Congresso é muito sensível à opinião pública", afirma à Folha de S.Paulo. "A gente não pode esquecer, todos eles têm que se candidatar à reeleição."
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PERGUNTA - A taxação dos milionários tem chance de ser aprovada?
BARBOSA PINTO - Acho que sim. O Congresso é muito sensível à opinião pública, e a gente está vendo que a maioria da população, quando informada, é favorável não só à isenção até R$ 5.000, mas também ao imposto mínimo. As pessoas sentem essa injustiça, que é uma enfermeira pagar mais Imposto de Renda que um milionário. Elas não querem que essa injustiça permaneça. Você vê índices de aprovação muito elevados da proposta.
P - Os parlamentares são sensíveis mesmo à opinião pública? Em outros temas eles não foram.
BP - Eu acho. A gente não pode esquecer, todos eles têm que se candidatar à reeleição. É um fator importante na consideração. No começo, pode ter tido uma visão de que essa nova forma de tributo vai ser impopular ou neutra para a população. Mas a injustiça é tão grande que, quando revelada, gera um sentimento de indignação.
Os trabalhadores estão pagando, na média, 10% de IR. Tem trabalhador que chega a pagar 27,5%, e uma minoria de 141 mil pessoas está pagando 2,5%. Tem injustiça maior do que essa? Um milionário pagar um quarto de imposto que uma professora paga.
P - A Fazenda já conversou com alguns parlamentares?
BP - Já, e a recepção é muito boa. Temos conversado com gente de todos os campos [políticos]. Estive, por exemplo, na Frente Parlamentar do Empreendedorismo e não ouvi críticas de exagero. Tem um reparo ou outro, mas não vi nenhuma objeção significativa.
Já se tentou várias vezes diminuir os gastos tributários e não houve muita efetividade.
P - Ao fazer o imposto mínimo, estamos atacando vários gastos tributários no atacado. Por que a alíquota efetiva desses 141 mil brasileiros é tão baixa?
BP - Porque tem uma série de isenções e [regimes] de tributação mais favorecida que os beneficiam. Essa é a discussão.
A gente está falando de equidade, tributar [com] o mesmo percentual a renda da pessoa mais rica e a da pessoa de classe média. E esse é o sistema seguido por todos os países do mundo. Vou dar um exemplo: a alíquota efetiva do 1% mais ricos nos Estados Unidos é 25%. Estamos falando da grande locomotiva do capitalismo mundial. E aqui, é 2,5% para esse grupo.
P - O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), falou em cortar gastos tributários. Isso põe em risco o imposto mínimo?
BP - A fala do presidente foi perfeita. Vai na linha de redistribuir o ônus da tributação. Agora, ao estabelecer uma alíquota mínima de 10%, estamos atacando vários gastos tributários de uma vez.
P - O que acontece se o Congresso não aceitar a retenção de 10% na fonte sobre os dividendos?
BP - Já conversei com vários parlamentares e não vejo essa possibilidade. Tanto a opinião pública quanto os próprios parlamentares [estão] entendendo o projeto.
A retenção garante a questão da inadimplência. Você faz a retenção [do IR] na folha de pagamento, por exemplo, do trabalhador, para evitar cobrar depois. Acontece em aplicações financeiras. É natural que seja feita assim com o dividendo. A gente não trabalha com a possibilidade de não ter retenção. Se não tiver retenção, fica sem receitas [para 2026] e não tem condições de aprovar o projeto. Fica sem compensação.
P - O projeto pode atrapalhar os investimentos na Bolsa?
BP - Não. A principal fonte de rendimento dele é o ganho de capital, comprar uma ação e vender por um preço maior. E essa tributação continua a mesma. Além disso, da distribuição de proventos pelas empresas, boa parte vem do Juro sobre Capital Próprio, cuja tributação também continua a mesma. A terceira razão é que, se a empresa já pagou 34%, ou perto disso, vai ter devolução do imposto mínimo.
E mais: os modelos de tributação internacional da OCDE dizem que os países onde a empresa está operando podem tributar os dividendos entre 5% e 15%, e o país de residência do investidor deveria dar crédito pelo imposto pago.
Isso efetivamente ocorre nos tratados que o Brasil tem, e mesmo em países com os quais não há tratado de tributação. O maior exemplo são os Estados Unidos, que preveem que o imposto pago no Brasil pode ser abatido do imposto de lá. Nosso propósito foi equiparar o tratamento do residente e do não-residente. Se a gente não fizesse isso, aí sim poderíamos ter fuga de capitais no Brasil.
P - Por que o governo não comprou a briga para tributar as verbas indenizatórias do serviço público, os chamados penduricalhos?
BP Não é que a gente não comprou a briga. Existe um entendimento do Judiciário de que indenizações não são renda e não podem ser tributadas. A grande questão é se são realmente indenizações. Isso vai além do imposto mínimo que a gente está criando.
Mesmo se considerasse a verba indenizatória como renda, é muito difícil que eles fossem abarcados pelo imposto mínimo. Eles estão sujeitos às retenções e já pagam em geral alíquota máxima de 27,5%.
P - Por que o governo deixou de fora as LCIs, LCAs, CRIs e CRAs do imposto mínimo? A indústria reclama que o governo protege o setor financeiro.
BP - O beneficiário não é o setor financeiro, mas o setor agrícola e o imobiliário. Os incentivos fiscais para esses setores têm um apoio muito grande do Congresso. Já estamos fazendo uma mudança significativa na lógica do IR, e sem o apoio do Congresso a gente não conseguiria. Fizemos escolhas.
P - O imposto vai atingir os empresários do Simples Nacional?
BP - Como o Simples tem limitação de faturamento, a medida vai atingir pouco. Não há dúvida de que são pequenas empresas. Isso faz com que os dividendos pagos também não sejam tão significativos assim. Se tiver milionários do Simples, eles vão ser atingidos. Mas a esmagadora maioria não vai ser afetada pelo imposto mínimo.
P - Há a crítica de que o governo deveria ter feito uma reforma tributária mais ampla.
BP - Estamos devendo uma reforma tributária [da renda] mais ampla. Mas não temos condições políticas de fazer agora. Está no meio do mandato, e ainda nem terminou a reforma do consumo. Não é factível politicamente.
A melhor forma de não mudar nada é dizer que a gente só pode fazer mudança mudando tudo. Esse argumento, para mim, é de quem não quer mudar.
P - O projeto vai isentar de IR quase 90% das pessoas. Isso não é populismo?
BP - Não. É resultado direto da desigualdade social brasileira, porque os 10% restantes ficam com 60% da renda do Brasil. Estamos simplesmente reconhecendo uma realidade. A renda no Brasil está concentrada em uma parcela pequena da população.
P - A isenção não vai gerar inflação?
BP - Tenho certeza de que o BC atuará de maneira firme para manter a inflação na meta. Agora, não podemos adiar reformas estruturais importantíssimas por questões conjunturais.
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RAIO-X | MARCOS BARBOSA PINTO, 47
Secretário de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda. Graduado em Direito pela USP, mestre em direito por Yale e em economia e finanças pela FGV, além de doutor em direito pela USP. Foi sócio da Gávea Investimentos. Integrou conselhos de empresas como Hering, Unidas e BR Malls . Foi consultor do BID e diretor da CVM.
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