Quatro mulheres expõem argumentos sobre o PL do Licenciamento Ambiental no Brasil

O confronto entre visões de 2 políticas e 2 técnicas com papéis-chave no licenciamento ambiental expõe argumentos

Quatro mulheres expõem argumentos sobre o PL do Licenciamento Ambiental no Brasil
Quatro mulheres expõem argumentos sobre o PL do Licenciamento Ambiental no Brasil

Por Giovana Girardi Agência Pública Com Brasil De Fato - 18/07/2021 18:08:26 | Foto: Agência Pública

No acirrado debate que se instalou no Brasil sobre o projeto de lei que cria a Lei Geral do Licenciamento, quatro mulheres sintetizam o teor dos argumentos de um lado e do outro e viraram símbolo daquela que se tornou a principal frente de batalha entre o ambientalismo e alguns dos principais lobbies econômicos do país: Kátia Abreu, Izabella Teixeira, Rose Hofmann e Suely Araújo.

A senadora do Tocantins ligada ao agronegócio; a ex-ministra do Meio Ambiente (de 2010 a 2016); a atual secretária de Apoio ao Licenciamento do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) do governo federal; e a ex-presidente do Ibama (gestão Temer) já se cruzaram em diversos momentos cruciais da história ambiental recente do Brasil – e em diferentes configurações: ora em oposição, ora em parcerias ou convergências pontuais.

Não que o debate em torno do licenciamento ambiental se encerre nelas. Pelo contrário. Há diversos outros protagonistas importantes nessa história. Mas analisá-la sob o ponto de vista dos discursos dessas quatro mulheres – duas políticas e duas técnicas – ajuda a entender os interesses que estão em jogo na tramitação, os pontos onde talvez seja possível avançar e os nós que dificilmente serão desatados.

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Para esta reportagem, a Agência Pública entrevistou três delas – somente Kátia Abreu não aceitou conversar conosco. Segundo sua assessoria, ela só deve atender a imprensa depois de estudar o processo e ouvir as diferentes partes. Mas sua participação, juntamente com Izabella e Suely, em um webinar da Fundação FHC sobre o tema, nos ajudou a caminhar pelo labiríntico pensamento da senadora.

E por que elas? Atribui-se à analista ambiental Rose Hofmann uma boa parte do conteúdo do novo texto sobre o licenciamento ambiental – e também a defesa do projeto como representante do governo federal. Suely Araújo, hoje especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima, está na linha de frente dos ambientalistas e é autora da expressão que mais vem sendo usada por quem é contra o projeto – que ele seria a “mãe de todas as boiadas” – em referência à fatídica fala do agora ex-ministro Ricardo Salles.

Na falta de uma posição por parte do Ministério do Meio Ambiente como defensor oficial da área, nove ex-ministros da pasta se reuniram em diversas manifestações nas quais apontaram os riscos das mudanças propostas. Izabella Teixeira faz parte desse grupo e vem se destacando com uma voz forte na tentativa de costurar os consensos possíveis.

Suely Araújo, ex-Presidente do Ibama (2016-2018), é especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima / Pedro França/Agência Senado

A senadora Kátia Abreu (PP-TO), que foi ministra da Agricultura no segundo mandato de Dilma, é, das quatro, a que entrou por último no debate recente. O tema já estava em seu radar em outros momentos ao longo dos 17 anos desde que a primeira versão do PL foi apresentada. Mas agora ela é a relatora que vai levar para o Senado a versão do texto que será votado na casa.

Kátia assumiu a relatoria no começo de junho, após o PL ser aprovado em maio na Câmara – às pressas e cercado de polêmicas. Apesar de a primeira proposta de uma lei geral do licenciamento ser de 2004, e o tema já ter sido debatido quase à exaustão em suas mais diferentes versões ao longo desse tempo, o texto atual, relatado na Câmara pelo deputado Neri Geller (PP-MT) não passou por debate nenhum.

O parecer foi apresentado por Geller, que é vice-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), no dia 10 de maio. No dia 12, já estava aprovado no plenário da Câmara pelo placar de 300 votos a favor e 122 contra.

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Criticado por cientistas, ex-ministros, ambientalistas e até por alguns representantes do setor produtivo – que consideram que o PL cria mais um regime de exceção do que de regra geral, fragilizando a proteção ambiental –, o texto tem apoio da FPA, da indústria e, claro, do governo, que tem interesse não só em atender aos setores econômicos, como em liberar grandes obras de infraestrutura.

Lições do Código Florestal

A disputa remete à que ocorreu no início dos anos 2010 em torno de outra legislação, o Código Florestal, que acirrou os ânimos entre ambientalistas e ruralistas. Se já naquela época se insistiu na dicotomia entre proteção ambiental e direito de produzir, agora parece que proteger o ambiente é impedir o desenvolvimento como um todo.

Em 2012, duas das nossas personagens estavam em lados opostos da disputa. Izabella, como ministra do Meio Ambiente, tentava impedir que a reforma do Código Florestal diminuísse as áreas a serem preservadas em terras privadas e levasse a uma anistia maior de desmatadores.

A senadora Kátia, que era também presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA, argumentava que o Brasil já tinha área protegida demais, que faltava espaço para a agropecuária e que os pequenos produtores eram os que mais sofriam com um Código Florestal muito restrito.

A senadora Kátia Abreufoi ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento no segundo mandato de Dilma Rousseff / Marcelo Camargo/Agência Brasil

Nove anos depois, ver as duas debatendo sobre o licenciamento ambiental tem gostinho de déjà-vu. Em um webinar realizado em 15 de junho pela Fundação FHC, Kátia comparou a votação do PL do licenciamento com a que aprovou na Câmara a reforma do Código Florestal em 2012.

“Eu acho que os exageros é que levaram à mudança do Código Florestal. Nós tivemos uma votação de 410 votos a favor a 63, e o mundo não acabou, tudo continuou como antes. O caos não veio como tantos outros apregoavam no Brasil”, disse a senadora. Izabella se agitou na cadeira de sua casa ao ouvir isso.

“Eu fico muito preocupada, não só com o licenciamento rural, mas com o das estradas do país, com o excesso de burocracia”, continuou Kátia. “Assim como o país cansou daquela criminalização que o Código Florestal impunha no passado, (agora) o licenciamento foi aprovado com 300 votos a 122. Não teve uma votação maior porque de fato tem algumas questões que precisam ser avaliadas, mas eu não julgo esse projeto com a negatividade com que a ministra Izabella ou a ex-presidente do Ibama Suely (julgam).”

A fala de Kátia gerou incômodo porque o desmatamento da Amazônia, que chegou a sua menor taxa em 2012, voltou a subir no ano seguinte. E muitos especialistas atribuem parte da responsabilidade por essa alta justamente à mudança do Código Florestal, que teria gerado uma expectativa de impunidade nos desmatadores, já que a lei poderia ser alterada a qualquer momento para acomodar crimes ambientais mais recentes.

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Mas o que fez Izabella sacudir na cadeira foi o fato de que a ampla vitória da mudança do Código Florestal na Câmara foi só o primeiro passo. O texto mudou no Senado. Foi aprovado com vários vetos pela presidente Dilma Rousseff e uma medida provisória foi editada para preencher os buracos. Passado tudo isso, a lei ainda foi contestada e só considerada constitucional pelo STF em 2018.

O risco de judicialização é justamente uma das ameaças que pairam sobre o PL do licenciamento ambiental. “O que eu estou dizendo é que teve que ir ao Supremo para consolidar. Não podemos ter discussões no Congresso que toda vez que tem uma divergência tem que ir ao Supremo e não se implementa a lei”, reagiu Izabella.

“O Código Florestal foi um processo altamente negociado. Você sabe disso, Kátia”, lembrou a ex-ministra do Meio Ambiente. “Você foi uma pessoa que sentou na minha sala e assinou dez compromissos e cumpriu os dez compromissos que você assinou como presidente da CNA e da comissão de agricultura no Senado. Temos que negociar e não passar o trator, nem tão pouco a boiada”, disse.

Foi a tentativa de Izabella de chamar a senadora a se engajar em negociações para agora melhorar o texto do licenciamento. Apelou à capacidade política da colega e a uma lembrança de um momento em que teria sido possível chegar a algum consenso, ainda que muito criticado por todos os lados.

Kátia entrou no jogo, dizendo que considera Izabella e Suely suas professoras na questão e que está disposta a debater. Mas é uma figura ambígua. De “miss motosserra de ouro” – apelido que ganhou quando negociava o Código Florestal –, a senadora, que hoje preside a Comissão de Relações Exteriores, passou a repetir nos últimos anos, sempre que tem chance, que o Brasil não precisa desmatar mais a Amazônia para produzir.

Foi crítica feroz a Ricardo Salles, atuou para recompor os orçamentos do Ibama e do ICMBio neste ano – que ficariam na penúria sem a alteração – e propôs um projeto de lei para antecipar de 2030 para 2025 as metas de redução de emissões de gases de efeito estufa que o Brasil assumiu junto ao Acordo de Paris. À frente da relatoria sobre o licenciamento, porém, é difícil antecipar como ela vai agir.

Além do agro

“As atividades do agro já estão sujeitas ao Código Florestal, precisam de autorização de supressão de vegetação, de captação de água. Passam por vários screenings”, disse Izabella Teixeira / Ministério do Meio Ambiente

No webinar, Kátia saiu em defesa da simplificação dos processos para o agro – como era de se esperar – e também da infraestrutura diretamente ligada ao setor, a pavimentação de estradas. Disse que há corrupção no sistema, que falta transparência e que o licenciamento “é uma caixa preta utilizada para gerar dificuldades para vender facilidades”.

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