Trazidos pelos colonizadores, os animais se adaptaram a cada região do país.
Foto: Aacervo da Rede de Agricultura Familiar e Agroecologia- UFMG
Trazidos pelos colonizadores, os animais se adaptaram a cada região do país.
Flávia G. Pinho, São Paulo, Sp (folhapress) - 02/02/2025 17:32:49 | Foto: Aacervo da Rede de Agricultura Familiar e Agroecologia- UFMG
De olho no mercado gastronômico, que redescobriu o valor da banha e busca carne suína vermelha, de sabor potente, pequenos suinocultores estão empenhados em recuperar raças caipiras que quase foram extintas.
São muitas. Trazidos pelos colonizadores, os animais se adaptaram a cada região do país e ficaram bem diferentes uns dos outros, dando origem a diversas raças consideradas brasileiras, como caruncho pintado, pirapitinga, nilo-canastra, canastrão e baé.
Proprietário da Fazenda Fundão, em Silveiras (SP), Rafael Cardoso é guardião do caruncho roxo. Ele descobriu o porco pequeno e de focinho achatado quando procurava matéria-prima para sua charcutaria, a Curiango. "Testei várias raças até entender que o porco daqui era o mais adaptado às nossas condições", conta.
Nos sítios vizinhos, onde viviam os últimos remanescentes, cruzamentos consanguíneos tinham dado origem a animais com deformidades. Por isso, Cardoso levou oito anos para chegar à estabilidade genética. Agora, seu trabalho virou referência.
Ele compartilha a experiência com chefs e outros criadores na imersão "Do rabo ao focinho", que acontece no próprio sítio e já foi levada até para Portugal –a segunda edição internacional acontece em fevereiro.
Trabalhos parecidos pipocam pelo país. Em Goianá (MG), o agrônomo Filipe Russo é um dos guardiões do porco piau, cuja relevância social e econômica foi reconhecida pela lei estadual 24.792/24. Ele usa os cortes para produzir a carne na lata Porco da Mata, conservada na banha.
Um dos pioneiros foi Marson Warpechowski, professor do Departamento de Zootecnia da Universidade Federal do Paraná, que se dedica à raça moura desde 2014. São animais grandes e peludos, resistentes ao frio, que conquistaram chefs de cozinha e ajudaram a dar visibilidade aos porcos brasileiros.
Warpechowski conta que aparece muita gente disposta a copiar seu exemplo e criar porco moura, mas em outras regiões –o que ele não recomenda. "Raças locais são únicas, por isso sugiro que comecem procurando porcos do próprio lugar."
Foi o que aconteceu com o veterinário Diego Costa. Em 2019, ele procurou Warpechowski com a intenção de levar porcos moura para Pardinho (SP), mas saiu de lá com 14 animais da raça canastra, mais apropriados para o clima do interior paulista.
"A genética já havia sido apurada, só precisei seguir os parâmetros corretos. Já tenho 65 fêmeas e sete machos para reprodução, todos de linhagens distantes", conta o criador, que se associou à queijaria Pardinho Artesanal na empreitada.
Os guardiões se inspiram no passado para criar os animais. Porcos pastam, o que muita gente não sabe, e devem viver soltos. Mas os protocolos do Sistema de Criação de Suínos ao Ar Livre (Siscal), da Embrapa, são bem atuais e preveem cuidados como piquetes rotacionados com vegetação forrageira, alimentação à base de grãos e soro de leite, maternidades em espaços reservados, além de muita sombra e lama, que garantem animais sadios e tranquilos –e, para o bem dos criadores, ambientes sem o mau cheiro dos chiqueiros de antigamente.
Porcos caipiras levam até três vezes mais tempo para chegar ao ponto de abate. A carne é naturalmente vermelha, devido à produção de mais miosina, com gordura entremeada nas fibras musculares, o tão desejado marmoreio, e uma camada grossa e bem branquinha no tecido adiposo.
Não se comercializam produtos assim, tão especiais (e caros), em qualquer lugar. Diego Costa vende os animais abatidos adultos para o restaurante A Casa do Porco, em São Paulo, do chef Jefferson Rueda, e para seu frigorífico, o Porco Real. Já os leitões, cerca de 30 por mês, são enviados ao empório de luxo Casa Santa Luzia, na capital paulista. O quilo do pernil com osso é vendido ao consumidor por R$ 97.
Os produtos da Curiango, charcutaria de Rafael Cardoso, estão em restaurantes, empórios de alto padrão e no perfil da marca no Instagram, onde um pote com 300 g de banha custa R$ 27. Uma peça de 200 g de barriga de porco, curada em especiarias por 180 dias, sai por R$ 53.
Cardoso reconhece que chegar à ponta de lá, onde está o consumidor de alto poder aquisitivo, não é fácil. "O produtor rural é especialista em produzir, mas nem sempre sabe agregar valor e se comunicar", pontua. Resolver este e outros gargalos, como a atualização da legislação, é o objetivo do 2º Encontro Brasileiro de Criadores de Porcos Crioulos, que acontece em abril, em Goianá.
"Nem todo produtor rural tem acesso a frigoríficos certificados para fazer o abate, por exemplo, o que se resolveria com a criação de microindústrias em polos regionais", defende Diego Costa. "O governo precisa dar aos pequenos a mesma atenção dirigida ao agro."
CONHEÇA AS CARACTERÍSTICAS DE ALGUMAS RAÇAS SUÍNAS BRASILEIRAS
Caruncho roxo
- Pequeno porte
- Pele fina e escura, sem pelos
- Focinho curto
- Alta proporção de banha
- Carne marmorizada
Moura
- Grande porte
- Pele preta e pelos longos e densos, rajados
- Aptidão mista para carne e banha
- Focinho longo
- Orelhas caídas
Piau
- Porte médio
- Pelo malhado
- Focinho comprido e reto
- Orelhas em pé
- Aptidão mista para carne e banha
Canastra
- Porte médio a grande
- Pele e pelo curto pretos
- Orelhas ibéricas médias
- Aptidão mista
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