Se a nova datação estiver correta, a criação das armas no território da atual Alemanha, por volta de 200 mil anos antes do presente, encaixa-se num processo mais amplo de aumento das habilidades de caça dos hominínios
São Carlos, Sp (folhapress) - Reinaldo José Lopes - 13/05/2025 15:22:03 | Foto: Freepik/Imagem gerada por IA
As mais antigas lanças produzidas por membros da linhagem humana provavelmente são 100 mil anos mais recentes do que se imaginava e foram feitas por um grupo de neandertais (Homo neanderthalensis), de acordo com uma nova pesquisa.
Se a nova datação estiver correta, a criação das armas no território da atual Alemanha, por volta de 200 mil anos antes do presente, encaixa-se num processo mais amplo de aumento das habilidades de caça dos hominínios (membros do grupo de espécies mais próximas do ser humano), que teriam aprendido a capturar presas de grande porte de forma comunitária e com mais eficiência nesse período.
A nova análise, publicada nesta sexta-feira (9) na revista especializada Science Advances, foi coordenada por Jarod Hutson, ligado ao Centro de Arqueologia Leibniz, na Alemanha, e ao Museu Nacional de História Natural (EUA).
Junto com colegas de várias outras instituições europeias, Hutson buscou maneiras mais precisas da datar as chamadas lanças de Schöningen, encontradas numa mina de lignita (carvão mineral de baixa qualidade) na região da Baixa Saxônia.
Reveladas pela primeira vez nos anos 1990, as dez lanças, acompanhadas de seis bastões pontiagudos, passaram a ser vistas desde então como as mais antigas armas de madeira feitas por ancestrais da humanidade. Com comprimento que varia de 1,8 m a 2,5 m e, em geral, com ambas as extremidades pontudas, seu formato indica que eram usadas como dardos, ou seja, eram arremessadas à distância contra os alvos. Um só dos artefatos pode ter sido a exceção, sendo usado para ataques "corpo a corpo", segurado por um caçador.
Centenas de artefatos de pedra e os restos de mais de 50 cavalos retalhados com eles completam o cenário descoberto na mina de Schöningen, indicando que os equinos podem ter sido abatidos em emboscadas à beira de um antigo lago, provavelmente ao longo de muitos anos.
A grande questão, entretanto, é que nada parecido com uma datação direta das lanças tinha sido realizado até agora. As estimativas de idade sugeridas por enquanto, inicialmente de 400 mil anos e, mais tarde, de 300 mil anos, levam em conta a posição das camadas de sedimentos em que as armas foram achadas e a datação de fósseis em outras camadas na mesma sequência de Schöningen.
Hutson e seus colegas tentaram aumentar essa precisão ao datar fósseis achados exatamente no mesmo nível que as lanças e que correspondem a antigos organismos soterrados com elas pelos sedimentos do lago. Os mais importantes são partes das conchas de Bithynia tentaculata, um caramujo de água doce -mais especificamente os opérculos, as "tampas" que o animal usa para fechar sua concha quando está totalmente encerrado dentro dela.
A datação é justamente uma análise dos componentes das proteínas preservadas nos opérculos, uma técnica conhecida como geocronologia de aminoácidos. O que acontece é que, com a passagem do tempo, reações químicas que alteram a estrutura dos aminoácidos acontecem espontaneamente num ritmo conhecido, e é isso que permite aos pesquisadores estimar quanto tempo passou desde que o animal morreu, possibilitando, portanto, uma estimativa da idade daquela camada.
Foi usando esse raciocínio que os pesquisadores chegaram à datação de cerca de 200 mil anos, período em que os neandertais já tinham adquirido as características clássicas de sua espécie, que os diferenciavam de outros hominínios, e estavam se tornando senhores da Europa Ocidental.
Mais interessante ainda, afirmam os cientistas, o cenário de Schöningen bate com o de outros sítios espalhados pela Europa Central, da França à Polônia. Em todos eles, há sinais de caça colaborativa a uma espécie preferida de mamífero de grande porte que é abatida de forma recorrente.
Além dos cavalos, há exemplos envolvendo auroques (bois selvagens de grande porte), cervos, rinocerontes, bisões e renas. Seria mais um indício importante da complexidade comportamental emergente desses parentes extintos do Homo sapiens naquela época.
Isso não significa, porém, que o comportamento de caça dos hominínios tenha começado nesse momento.
Provavelmente o interesse por caçadas é muito mais antigo, já que os parentes vivos mais próximos do ser humano, os chimpanzés, também conseguem capturar presas de forma colaborativa (em geral, macacos ou pequenos antílopes) de forma ocasional, e o mesmo acontece com outras espécies de primatas.
A principal diferença parece ser o tamanho e a ferocidade das presas que podiam ser abatidas, e o desenvolvimento de uma tecnologia capaz de facilitar ataques à distância, como a das lanças, provavelmente faria muita diferença na captura de mamíferos de grande porte. Antes disso, o mais provável é que, em geral, os hominínios tivessem acesso a esse recurso alimentar atuando como carniceiros.
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