Indígenas reivindicam há 15 anos universidade própria como reparação histórica

Escolar Indígena, voltada para gestão do ensino de base nas aldeias e para garantia de um melhor acolhimento de estudantes indígenas em escolas urbanas.

Indígenas reivindicam há 15 anos universidade própria como reparação histórica
Indígenas reivindicam há 15 anos universidade própria como reparação histórica

Jorge Abreu, Brasília, Df (folhapress) - 20/04/2025 11:04:07 | Foto: Ilustrativa © ANTÔNIO CRUZ/AGÊNCIA BRASIL

Afinal, quem descobriu o Brasil? Os livros de história ainda se baseiam na ideia que a resposta seria Pedro Álvares Cabral, em 1.500. Contudo, mais de 300 povos indígenas de diferentes etnias já habitavam o território antes da chegada das caravelas portuguesas.

Não é de hoje que o movimento dos povos originários reivindica reparação histórica contra o sistema de ensino aplicado nas salas de aulas, além de uma educação diferenciada e inclusiva. Entre as principais pautas está a construção da universidade indígena para mudar o modelo colonizador e eurocêntrico.

Gersem Baniwa, indígena e professor de antropologia na UnB (Universidade de Brasília), relata que a reivindicação pela universidade ocorre desde a primeira Conferência Nacional de Educação Escolar Indígena, realizada em 2009, mas que só avançou no governo, de fato, neste terceiro mandato do presidente Lula (PT), quando a proposta foi levada à equipe de transição em 2022.

"Seis meses depois do início do governo, o movimento não teve retorno, então o Fórum Nacional de Educação Escolar Indígena, que eu sou um dos coordenadores, solicitou uma audiência com o ministro Camilo Santana, da Educação, e com a ministra Sônia Guajajara, dos Povos Indígenas, cuja uma das pautas principais foi a criação da universidade indígena", disse.

Segundo Baniwa, o MEC (Ministério da Educação) assumiu o compromisso de efetivar essa proposta, como também atender outras demandas do movimento -por exemplo, a criação da Secretaria Nacional de Educação Escolar Indígena, voltada para gestão do ensino de base nas aldeias e para garantia de um melhor acolhimento de estudantes indígenas em escolas urbanas.

"A presidenta Dilma [PT] chegou a criar o primeiro GT [grupo de trabalho] para discutir a universidade indígena. Naquela ocasião, porém, a comissão achou que precisaria de mais tempo para discutir e amadurecer essa ideia."
"A prioridade naquele momento era consolidar programas e políticas, como de cotas, de reserva de vagas, de acesso e permanência de estudantes indígenas na educação superior, da formação de professores indígenas em licenciaturas interculturais, entre outros", declarou.

Em nota, o MEC informou que deve instituir um novo GT, composto por representantes dos povos indígenas, do governo federal e de reitores das instituições de ensino superior, para criação e implementação da universidade indígena.

"Neste momento, o MEC está em fase final de articulação com o Ministério dos Povos Indígenas, o MGI [Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos], a Funai [Fundação Nacional dos Povos Indígenas] e a Casa Civil para obtenção de anuência e indicação de representantes desses órgãos. A publicação da portaria de nomeação está prevista para os próximos dias", diz a nota.

De acordo com Baniwa, apesar de a educação básica nas aldeias ainda ter inúmeras lacunas, o ensino superior para a população indígena também deve ser uma prioridade do governo. Ele destaca que a formação é fundamental para os povos entenderem sobre dimensão técnica e política, com objetivo de melhorar a compreensão sobre a complexidade do mundo.

"A educação para os povos indígenas é uma ferramenta de pós-contato, uma necessidade para garantir seus territórios e seus direitos. Também é um instrumento de cidadania que permite, no campo político, lutar pelos interesses coletivos, identidade e preservação de seus modos de vida conforme culturas, tradições, histórias e memórias", declarou.

"A política de educação é importante para promover, valorizar e continuar a produção de seus saberes e seus próprios sistemas de conhecimento. Na academia chamaríamos: suas epistemologias [reflexão em torno da natureza], suas ontologias [modelo de informações, na filosofia]."
O projeto da universidade indígena prevê uma sede administrativa em Brasília, por questões geológicas e políticas, com campi distribuídos nas cinco regiões do Brasil. Na grade curricular, o intuito é valorizar os 274 idiomas indígenas ainda falados, contra a imposição da obrigatoriedade das línguas oriundas da colonização como português, inglês e espanhol.

A instituição também pretende fomentar a ciência ancestral, responsável pelo melhoramento genético de plantas e frutos, e o papel dos povos indígenas no enfrentamento da crise climática por meio das atividades de preservação dos biomas naturais desenvolvidas nos territórios.

"A educação é um direito, mas deve ser do nosso jeito". O mote do movimento dos estudantes indígenas está presente nos encontros da categoria e resume a vontade de mudar o atual sistema educacional.

A pauta foi destaque, inclusive, nas últimas edições do Acampamento Terra Livre, a maior manifestação dos povos originários da América Latina.

Arlindo Baré, presidente da Upei (União Plurinacional dos Estudantes Indígenas), celebra as conquistas do movimento, como a ampliação da cobertura da Bolsa Permanência, que ajuda os universitários que saem de seus territórios para cursar a graduação na rede federal, e a criação do Instituto de Pesquisadores Indígenas, voltado para a ciência.

"A universidade indígena se tornou um desafio para o movimento e trouxe a necessidade de justificar a sua importância para os povos", afirmou.

"Primeiro, no fortalecimento do próprio movimento. A universidade possibilitará trazer recursos humanos, um quadro mais qualificado, para estar, de alguma maneira, ocupando esses espaços."
"Quanto à concepção dos povos indígenas, essas epistemologias precisam ser reconhecidas pelo conhecimento ocidental. A universidade indígena trará a possibilidade de, a partir do ensino, pesquisa e extensão, trazer uma nova forma de ensino, um novo currículo", disse Baré.

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