Observação do Serviço de Medicina Fetal da MCO-UFBA foi o ponto de partida para identificar a relação entre o vírus Zika e casos de microcefalia no Brasil
Agência Gov | Via Ebserh - 22/10/2025 11:39:31 | Foto: Arquivo
Em julho de 2015, uma observação feita em uma sala de ultrassonografia da Maternidade Climério de Oliveira (MCO), da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e vinculada à Rede Ebserh, daria início a uma das mais importantes descobertas médicas da história recente do país. O médico Manoel Sarno, professor da UFBA e especialista em Medicina Fetal, percebeu um aumento súbito de casos de microcefalia em fetos — quatro diagnósticos em apenas duas semanas, um número considerado fora do esperado para o período .
As gestantes tinham algo em comum: episódios de exantema - erupção cutânea que pode vir acompanhada de febre, mal-estar e outros sintomas - no início da gravidez, um sintoma que, até então, parecia inofensivo. Ao analisar as imagens dos exames, Sarno identificou lesões cerebrais graves e incomuns, levantando, pela primeira vez, a hipótese de que um novo agente infeccioso com tropismo fetal poderia estar em circulação.
Nascia ali o primeiro alerta sobre a associação entre infecção materna e malformações congênitas que, meses depois, seria confirmada como causada pelo vírus Zika. Em todo o país, cerca de mil casos de síndrome congênita da Zika (conjunto de anomalias congênitas causadas pelo vírus) foram confirmados em 2015. Segundo a Secretaria de Saúde da Bahia ( Sesab ), 162 deles foram na Bahia, com nove óbitos. Em dez anos, o estado registrou 557 casos de crianças nascidas com microcefalia.
“Foi um momento de grande inquietação. A cada exame, a evidência clínica se fortalecia. Sabíamos que estávamos diante de algo inédito”, recorda Sarno .
A partir dessa suspeita, o pesquisador e sua equipe organizaram uma série de investigações com gestantes que apresentavam sintomas de Zika e fetos com microcefalia. Apesar das limitações laboratoriais iniciais, os achados clínicos e epidemiológicos foram decisivos para mobilizar a comunidade científica e o sistema de saúde. Em janeiro de 2016, a revista Science registrou internacionalmente a descoberta.
Pouco tempo depois, estudos conduzidos pelo grupo da UFBA, publicados em periódicos como PLoS Neglected Tropical Diseases (2016) e Ultrasound in Obstetrics and Gynecology (2017), confirmaram o nexo causal entre a infecção materna por Zika vírus e as malformações do sistema nervoso central. O Brasil se tornava, assim, o primeiro país do mundo a demonstrar que um arbovírus podia ser teratógeno, ou seja, qualquer agente que pode causar danos ao embrião ou feto durante a gravidez — um marco para a ciência global.
A MCO-UFBA teve papel decisivo nesse processo. Como centro de assistência, ensino e pesquisa, foi protagonista na geração de conhecimento e na formulação das respostas de saúde pública à epidemia, além de contribuir para o acompanhamento e a reabilitação de crianças com a síndrome congênita do Zika.
Dez anos depois, a experiência permanece como conhecimento sólido. “O episódio mostrou o poder da observação clínica e o valor das redes de colaboração científica. Grandes descobertas podem nascer do olhar atento diante do inesperado”, reflete Sarno .
O que começou com quatro casos em duas semanas se transformou em um legado para a ciência mundial e reafirmou o papel da medicina brasileira na vigilância de doenças emergentes e na defesa da vida desde o início da gestação.
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