Cuidado com os recursos naturais faz do DF referência nacional em saneamento e detentor de tecnologias de ponta; capital tem 99% das residências abastecidas pela rede
Karol Ribeiro, Da Agência Brasília | Edição: Débora Cronemberger - 27/05/2025 11:01:18 | Foto: 0xCoffe por Pixabay
Investir em saneamento básico é um princípio fundamental para garantir qualidade de vida à população. Embora muitas vezes seja associado apenas ao fornecimento de água e ao tratamento de esgoto, o saneamento básico engloba outros serviços essenciais à saúde pública e ao meio ambiente.
No Distrito Federal, por exemplo, a situação é destaque: segundo estudo do Instituto Trata Brasil, em parceria com a GO Associados, a região apresenta um dos melhores índices de saneamento do país, com 99% das residências abastecidas com água potável. Mas você já parou pra pensar de onde vem a água que chega até a sua torneira e como ela é tratada antes do consumo?
A Companhia Ambiental de Saneamento do Distrito Federal (Caesb) possui 28 mananciais superficiais, que são rios e lagos, e 177 mananciais subterrâneos, que são poços profundos ou artesianos. Para a escolha desses locais de captação é feito um estudo da qualidade da água e da viabilidade de captação. Em Brasília, situada no Planalto Central, uma região de nascentes, não há rios com grandes volumes, por isso são utilizados ribeirões menores, como o do Torto e o Contagem. Desde 2017 também é utilizado o Lago Paranoá para abastecimento.
Segundo o presidente da Caesb, Luis Antonio Reis, nem toda água consumida no DF vem de rios ou corpos-d’água. “É muito importante entender que estamos no alto do planalto, com nascentes muito delicadas. Não temos um rio gigantesco, caudaloso, de onde possamos pegar o que quisermos de água. Essa é a nossa realidade; não é nem bom, nem ruim, é apenas a realidade. Por isso, em 2019, concluímos e inauguramos o Sistema Corumbá, trazendo hoje 1.400 litros por segundo, o que representa praticamente 15% do que se consome no Distrito Federal”, explica.
Reis ressalta que a companhia vai investir na estação de tratamento do Rio Descoberto para aprimorar o sistema de tratamento e disponibilizar mais volume. “Também estamos trocando motores na elevatória do Descoberto, porque os motores originais têm 40 anos. Por necessidade de manutenção da segurança do sistema, estamos trocando esses motores”, destalha.
Os 177 mananciais subterrâneos ou poços profundos possuem diferentes capacidades de abastecimento, a depender da localização e demanda da região: há poços que captam 30 litros por segundo e outros com 1 ou 2 litros por segundo. Segundo a coordenadora do Sistema de Produção de Água da Caesb, Cláudia Simões, é um número bom para o DF, ainda mais considerando a integração com o Sistema do Corumbá, que é o mais recente e já abastece regiões como Santa Maria e Gama.
Para garantir a segurança hídrica do DF, a Caesb tem interligado sistemas e ampliado a infraestrutura de captação. Em parceria com a Saneago, foi concluída a obra que leva água do Corumbá até o São Bartolomeu e o Jardim Botânico, para permitir equilíbrio no abastecimento entre regiões. Também está em andamento a obra reversível, que transporta água do Descoberto para a área central e reforça o sistema Santa Maria, além de estudos para ampliar a captação no Lago Paranoá. Mesmo após 163 dias de estiagem no ano passado, os reservatórios estão em níveis seguros: o Descoberto está cheio e o Santa Maria com 80%, sem necessidade de racionamento.
De 2019 a 2024, a Caesb investiu R$ 1 bilhão na ampliação e na modernização dos sistemas de abastecimento de água e esgotamento sanitário. Para 2025, a companhia pretende intensificar ainda mais esses aportes, dentro de um plano que prevê investimentos de R$ 3,2 bilhões em obras até 2029. As melhorias se concentram em três frentes principais: redução de perdas de água, setorização do fornecimento de água e conversão de gás metano em energia.
Há um conjunto de órgãos responsáveis por cuidar da água na capital federal, entre eles, a Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento do Distrito Federal (Adasa), que desempenha um papel central na gestão dos recursos hídricos da região, tanto na regulação do abastecimento humano quanto na autorização de uso da água por diversos setores. “A Adasa tem uma atuação muito especial porque acumula duas funções: é responsável pela regulação dos serviços públicos de saneamento e também atua como gestora dos recursos hídricos, conforme as políticas nacional e distrital da água”, explica o superintendente de Recursos Hídricos da agência, Gustavo Carneiro.
Toda utilização de água diretamente da natureza, seja por pessoas físicas, empresas ou órgãos públicos, depende de uma autorização, chamada de outorga de direito de uso da água. Essa autorização é concedida pela Adasa. “A água é um bem de domínio público. Qualquer uso direto, de nascentes, rios, reservatórios, poços ou aquíferos, precisa de uma outorga. Isso garante que a quantidade retirada seja compatível com o que a natureza pode oferecer, promovendo um equilíbrio entre disponibilidade e demanda”, afirma Gustavo.
No caso do abastecimento público, a Caesb é a principal usuária da água outorgada. “Cerca de metade de todo o volume de água outorgado no DF vai para o abastecimento humano, operado exclusivamente pela Caesb. Nossas outorgas garantem que a empresa tenha acesso à água necessária para levar água potável à população do DF”, destaca Gustavo.
Processo de tratamento
Antes de chegar à torneira, a água passa por várias etapas. Primeiro, ela é captada nos mananciais (superficiais ou subterrâneos), transportada por adutoras até as estações de tratamento de água (ETAs). Essa água ainda não tratada é chamada de água bruta. Nas ETAs, a água passa por processos físicos e químicos para se tornar potável, ou seja, adequada para o consumo humano, conforme definido pela portaria GM/MS nº 888/2021, do Ministério da Saúde. Ao todo, há 12 ETAs na região, com capacidades variadas.
“O tipo de tratamento depende da qualidade da água bruta. Águas subterrâneas, por exemplo, passam por processos mais simples. Já as águas de rios, mais expostas a impurezas, exigem tratamentos mais complexos”, explica Cláudia Simões. A gestora informa que a legislação exige que toda água de consumo humano, exceto a de poços, passe por filtração.
As principais tecnologias utilizadas para o tratamento da água são:
- Tratamento convencional com decantação: ideal para águas com impurezas mais pesadas, como as dos rios;
- Tratamento convencional com flotação por ar dissolvido: mais usado para águas de lagoas, que têm mais matéria orgânica e algas;
- Filtração direta: usada quando a água do manancial é de boa qualidade e não precisa passar por decantação ou flotação.
A coordenadora esclarece que, nos últimos anos, o uso de membranas no tratamento de água tem crescido muito. Segundo ela, essa tecnologia, já usada há anos na indústria, agora vem sendo adotada pelas empresas de saneamento. “A Caesb foi pioneira, usando esse tipo de tratamento desde 2017 na ETA Lago Norte, que trata água captada do Lago Paranoá. Brasília é referência e recebe visitas de várias empresas de saneamento e até indústrias interessadas nessa tecnologia”, afirma.
Todas as estações, desde as pequenas com 7 litros por segundo até as grandes com 6 mil litros por segundo, são altamente automatizadas. Elas possuem equipamentos de medição online de qualidade da água. Esses sensores monitoram continuamente os parâmetros e tudo é rastreável. Se houver qualquer problema, a Caesb consegue investigar exatamente quando aconteceu.
As ETAs operam 24 horas por dia e todos os dias como foi o tratamento do dia anterior. “Hoje a Caesb já utiliza inteligência artificial em algumas unidades para otimizar o processo, reduzir o uso de produtos químicos e melhorar ainda mais a qualidade da água. Além disso, todo o sistema de manobras nas estações é feito de forma remota, sem esforço físico. Ou seja, o trabalho é mais seguro, eficiente e de melhor qualidade para os operadores”, afirma Cláudia.
Programa de recuperação de nascentes
As nascentes têm importante papel ambiental, pois levam água para os córregos e rios que abastecem toda a cidade. O Distrito Federal está localizado em uma área de recarga, numa das regiões mais altas do Planalto Central. Por isso, as nascentes daqui são fundamentais para garantir a segurança hídrica, não apenas para o DF, mas também para outras bacias hidrográficas que nascem aqui, que são três ao todo.
Atualmente há cerca de 6,2 mil nascentes mapeadas na capital federal com uso de ferramentas de geoprocessamento. A Secretaria de Meio Ambiente (Sema-DF) trabalha com a recuperação de nascentes desde 2015; entretanto, é desde 2021, com o programa CITinova, que a pasta conseguiu mapear as áreas prioritárias para recomposição vegetal do DF, grande parte delas em torno de nascentes. “Entre 2020 e 2023, atuamos com cerca de 70 produtores rurais, recuperando em torno de 70 hectares. Também fizemos ações dentro de unidades de conservação, em aproximadamente três parques”, afirma a coordenadora de Gestão de Águas da Sema, Elisa Meireles.
A coordenadora explica que a recuperação impacta na qualidade e quantidade da água captada, por isso é essencial proteger os locais onde o lençol freático aflora, que são as nascentes. “A água brota ali e, a partir disso, forma um curso hídrico. Por isso, a proteção começa com o cercamento da área para evitar a entrada de pessoas e animais, além da recomposição da vegetação nativa”. Elisa esclarece que isso pode incluir não apenas árvores, mas também plantas típicas de veredas, como os buritis, e vegetação de mata de galeria, dependendo da área.
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