As Cúpulas Luso-Brasileiras se realizam desde 1991.
João Gabriel De Lima, Lisboa, Portugal (folhapress) - 21/02/2025 09:18:16 | Foto: © RICARDO STUCKERT/PR - ilustração
Desde que o imperador dom João 6º aportou no Brasil em 1808 trazendo toda sua corte, poucas vezes tantos portugueses ilustres cruzaram o Atlântico de uma só vez.
A Cúpula Luso-Brasileira, marcada para esta quarta-feira (19), em Brasília, contará com a presença do premiê Luís Montenegro e 11 ministros de Estado, vários de primeiríssimo escalão, o que inclui as pastas da Economia, Justiça, Defesa, Cultura e Negócios Estrangeiros. Paralelamente à Cúpula, o presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, faz uma visita oficial de Estado ao Brasil.
Sousa chegou ao Brasil na segunda (17). Sua primeira parada foi em Recife, onde anunciou que Portugal tenciona abrir cinco novos consulados no Brasil -algo que se faz necessário dada a crescente demanda de vistos de brasileiros que querem morar em Portugal.
Depois da parada no Recife, Marcelo -os portugueses costumam chamar seu presidente pelo primeiro nome- vai a Brasília nesta terça (18) para reuniões com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e com os presidentes da Câmara e do Senado, Hugo Motta (Republicanos) e Davi Alcolumbre (União Brasil). Também está na agenda um jantar com Lula, Marcelo e o premiê Montenegro.
O anúncio da abertura dos consulados deu a tônica da missão portuguesa no Brasil. Durante a Cúpula Luso-Brasileira serão assinados cerca de vinte protocolos em diversas áreas, incluindo comércio, cultura e proteção de dados. O principal tema da reunião, no entanto, será como melhorar a vida dos mais de 600 mil brasileiros que vivem hoje em Portugal.
Para preparar a pauta do encontro, a Embaixada do Brasil em Portugal se reuniu com integrantes de várias entidades que congregam brasileiros em Portugal. Ouviu que uma das principais preocupações dos compatriotas é a dificuldade de regularizar documentos para conseguir postos de trabalho.
"Nossa comunidade é cada vez mais qualificada, mas há a desqualificação dos que não conseguem trabalhar em suas especialidades", diz Ana Paula Costa, diretora da Casa do Brasil, uma das entidades ouvidas, e que tem como missão prestar assistência a imigrantes.
Um dos problemas relatados pelos brasileiros é a dificuldade para revalidar seus diplomas em solo lusitano. A Declaração Conjunta da Cúpula Luso-Brasileira, principal documento da reunião, deve conter uma recomendação para "padronizar e acelerar os trâmites administrativos de reconhecimento de diplomas", conforme se lê na minuta que está sendo preparada pelos integrantes da Embaixada.
A declaração conjunta, no entanto, não legisla, apenas faz recomendações -as quais, neste caso específico, podem ser ou não atendidas, pois as universidades têm autonomia.
Outra função da cúpula é atuar como um ponto de checagem das relações bilaterais entre os dois países, aferindo onde houve avanços e onde é necessário melhorar. Nessa linha, a minuta irá enaltecer os acordos estabelecidos, em 2023 e 2024, entre as associações profissionais de arquitetos e de biólogos do Brasil e de Portugal, de forma a "instar outras ordens que façam o mesmo".
A falta de diálogo entre tais corporações é outro obstáculo para os brasileiros que querem trabalhar em Portugal, dado que na maioria dos casos elas são responsáveis pela emissão dos registros profissionais. Em 2023 a Ordem dos Advogados Portugueses (OAP) rompeu unilateralmente o acordo que tinha com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), dificultando a vida dos brasileiros da área que buscam trabalhar em Portugal.
A Agência para Integração, Migrações e Asilo (Aima) é o organismo governamental português responsável pela documentação dos estrangeiros, mas tem enfrentado dificuldades para atender à enorme demanda, alegadamente por falta de pessoal.
No final do ano passado, o Consulado Brasileiro em Lisboa propôs à Aima uma cooperação para acelerar a regularização dos imigrantes. A agência portuguesa implantaria um sistema semelhante ao e-consular brasileiro -o qual, com a digitalização, praticamente aboliu as idas e vindas de papeis dentro da burocracia, principal queixa dos imigrantes que se amontoam em filas em frente à sede da agência.
A Aima ainda não respondeu à oferta. A minuta da declaração conjunta irá enfatizar a "oportunidade de compartilhar tecnologias de processamento de dados destinadas a promover soluções que facilitem a digitalização de processos administrativos".
Intercâmbios envolvendo áreas tecnológicas são prioridade da Cúpula Luso-Brasileira. As ministras brasileiras Luciana Santos (Ciência, Tecnologia e Inovação) e Esther Dweck (Gestão e Inovação em Serviços Públicos) terão uma reunião com os homólogos portugueses Margarida Balseiro Lopes e Fernando Alexandre. Para além da agenda oficial e do encontro entre os chefes de Estado, essas reuniões bilaterais ocupam a maior parte do tempo produtivo da Cúpula Luso-Brasileira.
No dia seguinte à reunião, quinta-feira (20), haverá um encontro entre políticos e empresários. O local escolhido é a sede da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Do lado de Portugal deverão ir, entre outros, o premiê Luís Montenegro e o ministro da Economia Pedro Reis. Do lado do Brasil é esperada a presença do vice-presidente Geraldo Alckmin -mas sua participação não havia sido confirmada até o fechamento desta reportagem.
Na área cultural, os diplomatas que prepararam a minuta da declaração conjunta ouviram reivindicações dos organizadores dos blocos de Carnaval brasileiros -que, de alguns anos para cá, vêm animando as ruas de Lisboa.
Os grupos de foliões são obrigados a pagar à Polícia de Segurança Pública (PSP) uma taxa para garantir a segurança nos festejos. Eles reivindicam que o Carnaval brasileiro seja considerado "manifestação cultural". Se isso ocorrer, blocos como Colombina Clandestina e Cuiqueiros de Lisboa seriam desobrigados de pagar a taxa que pode chegar a € 1.600 (cerca de R$ 10 mil).
As Cúpulas Luso-Brasileiras se realizam desde 1991. A frequência é irregular e espelha as idas e vindas das relações entre os dois países. Não houve reuniões durante o governo de Jair Bolsonaro. O ex-presidente fez uma única visita de Estado a um país da União Europeia -a Hungria, governada pelo premiê de ultradireita Viktor Orbán.
Lula retomou a rotina das Cúpulas indo a Lisboa com vários ministros em 2023, visita que agora os portugueses retribuem. A reunião anterior havia sido em 2016, ainda durante o governo de Michel Temer.
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