Acolhimento e respeito no SUS: conheça o Ambulatório Trans do DF

Serviço realizou mais de 4 mil atendimentos em 2024;

Acolhimento e respeito no SUS: conheça o Ambulatório Trans do DF
Acolhimento e respeito no SUS: conheça o Ambulatório Trans do DF

Foto: Ambulatório Trans do DF é referência em atendimento de pessoas trans, travestis e não-bináries em toda a região. - Foto: Divulgação/Agência Brasília

Serviço realizou mais de 4 mil atendimentos em 2024;

Bianca Feifel - Brasil De Fato | Brasília (df)  - 04/02/2025 20:16:20 | Foto: Ambulatório Trans do DF é referência em atendimento de pessoas trans, travestis e não-bináries em toda a região. - Foto: Divulgação/Agência Brasília

Para muitas pessoas trans, ter acesso à saúde é um desafio diário, permeado de preconceitos e desinformação. Apesar dos problemas, no Distrito Federal, essa população encontra acolhimento e tratamento humanizado em um serviço público de saúde, o Núcleo de Atendimento Ambulatorial de Diversidade de Gênero (NAMB), mais conhecido como Ambulatório Trans.

O serviço é referência em atendimento a pessoas trans, travestis e não-bináries em toda a região do DF e Entorno e, segundo Sid Vasconcelos, chefe do NAMB, já recebeu encaminhamentos até de Minas Gerais. “O SUS é para todos, todas e todes. É extremamente necessário que se tenha esse serviço, porque nós estamos falando de existências. São pessoas que sofrem violência todos os dias, sofrem por ser quem elas são. O SUS precisa se responsabilizar em oferecer uma assistência de qualidade para essa população, oferecer mais profissionais e ter mais espaços”, defendeu Vasconcelos.

O único requisito para receber atendimento no Núcleo é ter mais de 18 anos. O serviço oferece assistência integral em saúde para pessoas transgêneros, travestis e não-bináries em processo de transição de gênero, com uma equipe multidisciplinar que atua no modelo de atendimento biopsicossocial.

“Muitos usuários quando chegam aqui, vêm com a expectativa do hormônio. E aí nós entramos com uma equipe desconstruindo isso e mostrando que o serviço é muito além, que é todo um processo, tanto social, quanto de saúde, como uma questão psicossocial mesmo”, destaca a chefe do NAMB.

Diadorim Silva, professor de artes de 27 anos, é atendido no ambulatório há dois anos e contou ao Brasil de Fato DF que lá tem acesso à consultas com psiquiatra, psicólogo, nutricionista, ginecologista, dermatologista, atendimento clínico em geral, e, caso a especialidade não esteja disponível no Núcleo, é encaminhado para outros serviços de saúde, como o Hospital de Base.

Para Diadorim, é muito importante ter esse serviço de atendimento à população trans no Sistema Único de Saúde (SUS). “Normalmente nas UBS [Unidades Básicas de Saúde) perto das nossas casa não têm atendimento qualificado para pessoas trans. Nós passamos por muitas transfobias antes de conseguir consultar e muitas das pessoas desistem, porque os médicos e enfermeiros não têm preparo para lidar com esse público”, avalia.


Diadorim Silva é atendido no Ambulatório Trans há cerca de dois anos / Foto: Kaleb Giulia

O professor de artes relata que ainda há um estigma muito forte em relação às pessoas trans e LGBTQIA+ quando se trata de serviços de saúde. “No geral, é dito que essas pessoas só precisam de um atendimento, que é exames de IST [infecção sexualmente transmissível], ou pegar camisinha ou no máximo receber antidepressivo”, aponta. Mas, para ele, no NAMB isso é diferente, a equipe entende a complexidade das necessidades dos corpos trans.

“No Ambulatório Trans existe esse cuidado. A equipe entende muito mais de pessoas trans e conseguem ter um atendimento muito melhor. Tanto os médicos, os enfermeiros, os atendentes da porta, todo mundo”, conta. “Lá eu confio nas pessoas. Elas me conhecem, eu conheço elas, e esse atendimento é ótimo, porque passa confiança”.

Fluxo de atendimento

O Ambulatório Trans do DF fica localizado no Hospital Dia, na 508/509 Sul, e foi inaugurado em 2017, mas foi credenciado pelo SUS apenas em 2020, quando passou a receber repasses do Ministério da Saúde. Em maio de 2024, foi institucionalizado e passou a integrar o organograma da Secretaria de Saúde do DF (SES-DF), tornando-se o Núcleo de Atendimento Ambulatorial de Diversidade de Gênero (NAMB). Mesmo com a troca de nome, o serviço ainda é popularmente conhecido como Ambulatório Trans.

Segundo a SES-DF, o Núcleo realizou 4.285 atendimentos em 2024 e, no momento, possui cerca de 815 pessoas trans cadastradas. A porta de entrada do ambulatório funciona por dois caminhos: a demanda espontânea, quando os pacientes procuram o Núcleo presencialmente, por telefone ou por e-mail, e por encaminhamento de outros serviços da rede pública de saúde, de instituições privadas ou da rede interinstitucional, que são os referenciamentos realizados por órgãos como a Defensoria Pública do DF, o Centro de Referência Especializado da Diversidade Sexual, Religiosa e Racial (CREAS Diversidade) e o Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centro Pop).

Após entrar na fila de espera, as pessoas são chamadas, em levas de 35 a 40 mensalmente, para o grupo de admissão. Neste encontro, os profissionais do Núcleo explicam o serviço, o fluxo e atendimento e as especialidades disponíveis. Do grupo de admissão, os pacientes já saem com um acolhimento individual agendado. Na consulta, são apresentadas as demandas da pessoa acolhida e inicia-se a construção do Plano Terapêutico Singular (PTS).

“O ambulatório não existe para validação da existência de uma pessoa trans. Não é sobre isso. É para dar suporte à manutenção dessa existência”, destaca a chefe do Núcleo em relação ao atendimento biopsicossocial oferecido. “A ideia é o fortalecimento e o protagonismo dessa pessoa. Elas já chegam aqui muito fragilizadas das diversas violências que sofrem socialmente, no âmbito familiar, social, de trabalho. Nós estamos aqui nesse lugar como uma rede mesmo, para que essa pessoa se sinta segura”, afirma.


Núcleo de Atendimento Ambulatorial de Diversidade de Gênero (NAMB) / Foto: Joel Rodrigues / Agência Brasília

Segundo Vasconcelos, desde a pandemia do coronavírus, em razão dos planos de contingência adotados em todos os serviços de saúde, houve um grande crescimento da fila de espera. “Quando eu cheguei ao Núcleo em 2023, havia uma fila de mais ou menos 900 pessoas”, conta Vasconcelos. Entre 2023 e final de 2024, esse número foi reduzido para cerca de 300 e, em dezembro do ano passado, o ambulatório realizou um mutirão de atendimentos que zerou a fila de espera.

Diadorim ficou cerca de um ano e meio aguardando para ser atendido, mas relata que o atendimento tem sido bem mais ágil agora. “Eu consigo ver um progresso”, destaca. “Eu indico para todas as pessoas trans que eu conheço, para pelo menos ficarem na fila de espera, esperarem mesmo, porque o atendimento vale muito a pena”.

Desafios

O NAMB é o único serviço público de referência para pessoas trans, travestis e não-bináries em Brasília. Para Diadorim, é necessário investimento em mais equipamentos de saúde semelhantes. “Não é suficiente. São poucas pessoas trabalhando lá para o tamanho da demanda. O serviço ia fluir muito melhor, com menos pressão para os profissionais e mais pessoas poderiam ser atendidas”, avalia.

Outra demanda apresentada pelo professor de artes diz respeito ao atendimento dos outros profissionais do Hospital Dia, onde o Ambulatório Trans fica localizado. Segundo Diadorim, é comum que os servidores que não estão ligados ao NAMB refiram-se a ele com nome ou pronomes errados.

“Eu me senti muito mal. Eu sinto que esses ensinamentos [de como lidar com pacientes trans] não chegam lá embaixo lá no Hospital Dia, e eu acho que tem que chegar, não só lá, mas em todos os postos de saúde, nas UPAs [Unidades de Pronto Atendimento], para que o atendimento seja melhor para a população trans”, defende.

Muito além da transição

Para além do atendimento biopsicossocial, individualizado e humanizado para as pessoas em transição de gênero, o NAMB oferece outros serviços importantes, como grupos terapêuticos e formações.

“Nós também somos um centro de formação acadêmica. Nós recebemos residência médica, recebemos estudantes e também somos capacitores de outros serviços de saúde”, destaca Sid Vasconcelos.


Além do atendimento individualizado, Ambulatório Trans oferece outras atividades, como grupos terapêuticos / Foto: Geovana Albuquerque

Já nos grupos terapêuticos, são desenvolvidas conversas sobre diversas temáticas, muitas vezes trazidas pelos próprios pacientes. Um desses espaços é o Grupo Mais Mais, voltado para pessoas trans acima de 45 anos. Idealizado por Vasconcelos, o grupo faz reuniões semanais onde são realizadas atividades e diálogos sobre o envelhecer trans.

A expectativa de vida para uma pessoa trans no Brasil é de 35 anos. O país é o que mais mata transexuais e travestis em todo o mundo. O grupo Mais Mais foi pensado para acolher aquelas pessoas que conseguiram ultrapassar essa triste barreira e resistem com vida.

“Muito se fala no recorte de morte das pessoas trans. E aí vemos que elas estão ultrapassando esse recorte e ninguém está falando sobre o cuidado do envelhecimento dessa pessoa”, destaca a chefe do NAMB.

“Nós entendemos, enquanto serviço de saúde, que as pessoas trans têm uma especificidade diferente no sentido de que elas sofrem muito mais violências do que a gente possa imaginar assim em comparação a uma pessoa cis, hétero. Então, falar do envelhecimento das pessoas trans, é promover saúde para elas”, conclui Vasconcelos.

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Edição: Flávia Quirino

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