Nem todo pirata do Caribe tem o charme de Jack Sparrow, o personagem vivido por Johnny Depp.
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Nem todo pirata do Caribe tem o charme de Jack Sparrow, o personagem vivido por Johnny Depp.
Naief Haddad, Salvador, Ba (folhapress) - 04/02/2025 06:33:48 | Foto: Unesp reprodução
Nem todo pirata do Caribe tem o charme de Jack Sparrow, o personagem vivido por Johnny Depp.
Na primeira edição inglesa do livro "Bucaneiros da América", publicado em 1684, uma gravura retrata um corsário holandês que passou a ser chamado de "Rock Brasiliano" ao viver um período na Bahia em meados do século 17. A ilustração mostra o pirata com cara de poucos amigos, uma forma fiel de apresentar um homem conhecido pela crueldade com que atacava barcos portugueses e espanhóis.
Depois de um tempo no Brasil, ele embarcou rumo ao Caribe, na época terra com boas oportunidades para corsários como ele. Foi para Port Royal, na Jamaica.
Publicado há quase três séculos e meio, com uma série de gravuras elaboradas minuciosamente como essa do Brasiliano, o livro do francês radicado na Holanda John Esquemeling é uma das raridades do recém-lançado "Iconografia Baiana na Coleção Flávia e Frank Abubakir".
A obra resulta de uma seleção feita a partir dos mais de 50 mil itens que compõem a mais importante coleção privada de iconografia da Bahia dos séculos 17 ao 19. São 269 imagens de livros ilustrados, óleos, aquarelas, gravuras e mapas, entre outros formatos.
Em grande parte, a coleção é fruto da obsessão do empresário Frank Abubakir, presidente do conselho de administração da Unipar Carblocloro.
Nascido no Rio de Janeiro, ele passou a infância em Salvador e, na adolescência, alternava-se entre as duas cidades. Quando estava na capital fluminense, costumava ficar em Versailles, como se refere ao casarão do século 18 no Cosme Velho, que pertencia aos seus avós maternos, Paulo e Maria Cecília Geyer.
Vizinha à casa de Roberto Marinho, a residência chamava a atenção pela quantidade de obras de arte, em geral peças ligadas à história da capital fluminense. "Meu passatempo era brincar de caça-tesouro, eu mexia em tudo. Fui criando uma relação de simbiose com aquele acervo", lembra Abubakir, hoje com 52 anos.
Quando tinha 20 e poucos anos, inspirado pelos avós maternos, iniciou sua própria coleção. Por sua vez, o ramo paterno da família, baseado em Salvador, o influenciou na escolha do foco do acervo, a Bahia. O casamento com a baiana Flávia acentuou seu interesse pela iconografia da região.
Passadas três décadas, a numerosa coleção está dividida em dois espaços -uma parte na residência do casal em Crans Montana, na Suíça, e outra no escritório em Salvador- e continua em expansão.
Em um leilão no ano passado, Frank Abubakir comprou "Família Brasileira na Praia de Itaparica", pintura de 1863 do austríaco Joseph Selleny. A obra está na primeira seção do livro, dedicada aos quadros a óleo.
"Selleny, que era aluno do Thomas Ender [também austríaco], fez poucas pinturas no Brasil. Há um quadro dele no Museu Nacional de Belas Artes, no Rio, que é parecido com esse", lembra o editor e historiador Pedro Corrêa do Lago, organizador do novo livro.
Embora relevante, "Família Brasileira" não é o principal óleo sobre tela da coleção. Para Corrêa do Lago, esse posto cabe a "Vista do Porto de Salvador", pintada entre 1856 e 1862 por Joseph Léon Righini.
O italiano se notabilizou como o primeiro artista a registrar a floresta amazônica in loco. Antes de se mudar para Belém, Righini trabalhou em capitais do Nordeste, como São Luís e Salvador.
Para o editor, entre as imagens da Bahia do século 19, nenhuma é tão relevante quanto "Vista do Porto de Salvador". A pintura impressiona, entre outras razões, pelo uso requintado da luz e das cores, especialmente nas águas da baía de Todos-os-Santos.
Ainda entre os óleos, outro destaque do livro é "Vista do Solar do Unhão", obra do final da década de 1830 em que o francês François-René Moreaux retratou o casarão à beira-mar que funcionava como uma fábrica de rapé, fundada por suíços. Hoje, o complexo abriga o Museu de Arte Moderna da Bahia.
Entre as aquarelas, Corrêa do Lago ressalta os trabalhos do inglês William Smyth, em especial "Ladeira da Fonte dos Santos Padres", realizada em 1834. "A essa altura, a fotografia ainda não existia, e ele faz uma aproximação fotográfica perfeita. Há uma riqueza de detalhes, tanto na arquitetura quanto na população, que é extraordinária", afirma o editor.
Na seção de mapas, uma aquisição recente é especialmente preciosa. Desde 2001, Frank Abubakir tentava comprar um mapa de Salvador no século 17 de um dos mais importantes marchands holandeses. Foram várias propostas até que, em 2022, o negócio foi fechado.
Desenhado pelo engenheiro militar Joos Coecke em 1624, durante a invasão holandesa à Bahia, o mapa se aproxima muito do traçado das vias do centro histórico de Salvador como o conhecemos hoje. Segundo o bibliófilo e professor de história do Brasil da Universidade Federal do Oeste da Bahia, Pablo Magalhães, um dos sete autores dos textos do livro, trata-se da "mais completa representação cartográfica de Salvador do século 17".
Acreditava-se que a principal marca deixada pela invasão holandesa em Salvador, então capital do país, havia sido o Dique do Tororó. O mapa de Coecke, porém, mostrou que o dique erguido pelos holandeses ficava nas imediações da atual Baixa dos Sapateiros, foi usado como sistema defensivo e permaneceu ativo até o século 18.
Grande parte desse acervo, com as obras que estão no livro e outras milhares, foi digitalizado e pode ser visto no site do Instituto Flávia Abubakir.
Pesquisadores podem pedir acesso às obras em alta definição. Em situações específicas, explica Ababukir, a visita à coleção é permitida.
O jornalista viajou a convite do Instituto Flávia Abubakir
ICONOGRAFIA BAIANA NA COLEÇÃO FLÁVIA E FRANK ABUBAKIR
- Preço R$ 195
- Editora Capivara (320 págs.)
- Organização Pedro Corrêa do Lago
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