O estado de saúde do Papa Francisco preocupa o frade dominicano, teólogo e escritor Frei Betto pela proximidade entre os dois, a admiração que carrega pelo pontífice e, também, pelo que o líder religioso representa para o momento atual da história.

“O Francisco é uma pessoa excepcional, eu diria mesmo que é o único grande líder mundial progressista, que defende o direito dos pobres, dos migrantes. Ele fez mais viagem que todos os papas. Em 12 anos, visitou 60 países e sempre fazendo questão de encontrar com os excluídos, de encontrar com os marginalizados, os vulneráveis”, defende Frei Betto no Conversa Bem Viver desta terça-feira (11).

Na manhã desta terça-feira (11), o Vaticano publicou uma atualização do estado de saúde do Papa Francisco na qual traz um cenário de melhora. O pontífice segue internado, porém a nota afirma que ele “teve uma noite boa, está se sentindo melhor e o humor é bom”. O Papa está internado no Hospital Gemelli de Roma desde 14 de fevereiro.

Frei Betto já esteve duas vezes com Papa Francisco, e espera ter o terceiro encontro em novembro deste ano durante a COP 30, que acontece em Belém do Pará.

O teólogo, autor de mais de 70 livros, incluindo Batismo de Sangue , vencedor do Prêmio Jabuti e que já virou filme, conversou também sobre o Movimento Fé e Política, criado em junho de 1989, e que iniciou um novo ciclo nesta quaresma.

Confira a entrevista na íntegra

Qual o objetivo do Movimento Fé e Política, do qual o senhor está à frente neste momento de quaresma?

O movimento foi fundado num caráter interreligioso, ou seja, é um movimento que abarca todos aqueles que estão interessados em associar a sua espiritualidade, os seus princípios espirituais, ainda que não sejam de uma religião específica, de uma igreja, de uma entidade qualquer, mas que tenham a preocupação com a espiritualidade e a atividade política.

Porque a atividade política é a atividade essencial de nós como seres humanos, já dizia o velho Aristóteles: todo ser humano é um ser político, ainda que não saiba e ainda que não assuma essa postura.

Quando nos omitimos, estamos passando um cheque em branco para aquelas pessoas que estão dominando o cenário político da atual conjuntura.

De modo que o movimento tem sido um espaço de reflexão para todos aqueles que, de alguma forma, se envolvem na política, não necessariamente do ponto de vista partidário, mas também militantes de movimentos pastorais, militantes de movimentos sindicais, sociais, identitários.

O senhor é uma das maiores autoridades religiosas do nosso país. Seria muito interesse ouvi-lo sobre por que devemos combater o fundamentalismo religioso.

Durante muito tempo o pessoal progressista tinha preconceito às religiões, e isso facilitou com que a direita se apropriasse do fenômeno religioso manipulando a consciência popular.

Hoje essa direita utiliza a religião em função do seu interesse das suas ambições, deturpando inteiramente o conteúdo da Bíblia, o conteúdo do Evangelho. E o que a gente vê nos Evangelhos é justamente Jesus no enfrentamento constante com os fundamentalistas religiosos da época dele, que eram os fariseus, saduceus e uns sacerdotes, inclusive.

Por esse enfrentamento, ele pagou com a vida. Todos nós sabemos que Jesus morreu assassinado. Jesus foi condenado por dois poderes políticos religiosos, tanto o poder romano que ocupava a Palestina, quanto o poder religioso centralizado no templo de Jerusalém.

Hoje há um despertar de que os setores progressistas cometeram o grave erro de não valorizar a religião como algo inestimável para o nosso povo.

Se você perguntar a uma faxineira, a um lavador de carros, qual é a visão que ele tem da vida, do mundo, da criação do universo, certamente ele dará uma resposta em categorias religiosas.

E nós não trabalhamos suficientemente esse ponto porque tivemos uma interpretação equivocada daquilo que o Marx fala em um dos seus livros, dos seus textos, que a religião é o ópio do povo.

Na verdade, quando o Marx fala isso, no mesmo texto ele diz que a religião também pode ser o coração de um mundo sem coração, pode ser o grito de rebelião do oprimido.

Então ele teve uma visão dialética, assim como a política serve para oprimir, mas serve também para libertar, o mesmo acontece com a religião, ela pode servir para libertar, como pode servir para oprimir, depende como ela é conduzida.

Então é esse fator importante que o movimento tem trabalhado, denunciar esse fundamentalismo que utiliza a região abusando do nome de Deus.

Esse é o primeiro mandamento da lei de Deus: não tomar o seu santo nome em vão. Além de amar a Deus sobre todas as coisas.

E é justamente o que eles não fazem. Eles nem amam a Deus sobre todas as coisas, porque amam o capital, amam o imperialismo, amam os torturadores, como tanto costumam louvá-los, e abusam do nome de Deus para manipular as pessoas.

Sabemos que o senhor tem uma proximidade com o Papa Francisco. Sei que é um momento delicado, mas gostaríamos de te ouvir mais sobre o papado dele.

Eu estive duas vezes pessoalmente com o Papa Francisco, tivemos boas conversas tanto em 2014 quanto agora em 2023, lá em Roma, no Vaticano.

E o Papa é uma pessoa muito aberta e muito empenhado em renovar a Igreja Católica. Na verdade, o que ele quer é implementar aquelas decisões do Conselho Vaticano II, que ocorreu entre os anos de 1962, 1965, mas muita coisa ficou no papel.

E a missão do Francisco tem sido modernizar a igreja, fazer com que a igreja seja uma igreja aberta, uma igreja amorosa, seja uma igreja tolerante, uma igreja que tenha diálogo ecumênico e interreligioso.

Mas a resistência é muito grande, eu costumo frisar que a Igreja Católica hoje é um corpo conservador com uma cabeça progressista.

Porque a Igreja Católica foi governada, antes do Papa Francisco, ao longo de 34 anos, por dois pontificados conservadores, o João Paulo II e Bento XVI.

Então esse fator realmente influenciou muito no retrocesso da instituição, e o Papa tenta fazê-la avançar.

Eu lamento muito se o Papa não puder voltar a exercer o seu comando da igreja, porque ele realmente é uma pessoa profética, uma pessoa de abrir caminhos. Mas espero que ele primeiro se recupere, isso que é o mais importante. Estamos todos orando por isso, mas eu espero que ele também consiga fazer o seu sucessor, que seja alguém que dê continuidade àquilo que ele tenta implementar na igreja.

Seria um desastre, se depois de 12 anos de pequenos avanços trazidos pelo Francisco, a gente tivesse mais um grande período de retrocesso como tivemos nos 34 anos de João Paulo II e Bento XVI.

O Francisco é uma pessoa excepcional, eu diria mesmo que é o único grande líder mundial progressista, que defende o direito dos pobres, dos migrantes. Ele fez mais viagem que todos os papas. Em 12 anos visitou 60 países e sempre fazendo questão de encontrar com os excluídos, de encontrar com os marginalizados, os vulneráveis.

A ascensão da extrema direita ao redor do mundo, como a eleição de Donald Trump, pode influenciar na escolha do próximo papa?

Olha, eu acho muito difícil, primeiro que o Colégio de Cardeais já está constituído. Muito antes de Trump se tornar pela segunda vez presidente dos Estados Unidos e praticamente presidente do mundo.

Evidente que as forças de direita e as grandes big techs farão de tudo para tentar influir no conclave.

Aliás, eu recomendo com ênfase nesse filme Conclave para que as pessoas possam saber como é que é escolhido o novo Papa.

Não vou dizer que é um colégio que vai necessariamente escolher um Papa progressista. Parece que a intenção de Francisco era ter um sucessor africano. A igreja já teve Papas africanos, mas hoje seria muito emblemático um Papa negro, um Papa que viesse da África.

Ainda que a África infelizmente não tenha muitos cardeais progressistas. É quase que uma incongruência dizer isso, mas é verdade.

Muitos seminaristas, muitos jovens africanos que se tornam sacerdotes, bispos e posteriormente cardeais, o fazem não por adesão à proposta de Jesus, mas por uma questão de, entre aspas, esbranquiçamento.

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Edição: Nathallia Fonseca