Bensenor cita a própria trajetória acadêmica para exemplificar como áreas de interesse feminino.
Ana Botallo, São Paulo, Sp (folhapress) - 11/03/2025 18:03:48 | Foto: GettyImages - Gov.br
Pesquisadoras têm buscado investigar mecanismos biológicos envolvidos em algumas condições que acometem mais mulheres ou que são exclusivas de pessoas que se identificam com o sexo biológico feminino ao nascer, como a gravidez e menopausa.
"Hoje, as áreas de pesquisa podem ser ampliadas justamente por pesquisadoras mulheres, que vão se preocupar mais com questões como condições tireoidianas e doenças autoimunes, que são predominantemente femininas, sempre tentando entender o papel do gênero, na determinação das condições", avalia Isabela Bensenor, epidemiologista da Faculdade de Medicina da USP e coordenadora do ELSA (Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto) em São Paulo e do Centro de Pesquisa Clínica e Epidemiológica do Hospital Universitário da USP.
Um exemplo é o estudo publicado no último ano no periódico científico Nature Neuroscience no qual a neurocientista Elizabeth Chrastil, da Universidade da Califórnia em Irvine (EUA) documentou mudanças ocorridas no próprio cérebro antes, durante e após a gestação de seu primeiro filho.
Chrastil descobriu uma redução significativa -de cerca de 4%- no volume da massa cinzenta cerebral, além de um aumento na integridade microestrutural da massa branca localizada mais profundamente no cérebro, associadas ao aumento dos níveis dos hormônios estradiol e progesterona. Até então, havia uma ideia corrente de que a gravidez pode ter efeitos ligados ao esquecimento.
"A gravidez não é uma doença, mas leva a um monte de alterações. Depois, tem a amamentação. Então, isso começou a ser valorizado agora, mais recentemente, por mulheres cientistas e pressão da própria sociedade", avalia a pesquisadora da USP.
Embora pareça simples, estudos como esse carecem em geral de dois fatores para serem desenvolvidos: vontade e incentivo financeiro. No caso do primeiro, Bensenor lembra que muitas vezes não há interesse por parte de pesquisadores homens em investigar condições ligadas ao sexo feminino por considerarem "de menor importância".
Bensenor cita a própria trajetória acadêmica para exemplificar como áreas de interesse feminino podem alavancar conhecimentos sobre coisas básicas, como a enxaqueca. Ela sofria muito da condição durante as duas gestações e, quando voltou da licença-maternidade, decidiu iniciar um projeto de pesquisa para investigar os efeitos da enxaqueca na qualidade de vida das mulheres.
"Ninguém dava bola para enxaqueca, porque ela não mata ninguém, não está associada à mortalidade, mas ela está associada a um comprometimento muito grande da qualidade de vida, particularmente da vida pessoal e do trabalho feminino. É incapacitante", diz.
Como vice-coordenadora do Elsa-Brasil de 2008 a 2018, a epidemiologista incluiu também dados sobre a perspectiva da saúde feminina, uma vez que existiam poucas informações sobre isso. "No mundo, de maneira geral, existem mais pesquisadores homens do que mulheres."
O segundo obstáculo é mais difícil de ser superado, pois depende do apoio de órgãos financiadores de ciência. O MCTI (Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação), por exemplo, abriu no último ano um edital de até R$ 500 mil para o primeiro prêmio Mulheres e Ciência, voltado para pesquisadoras e instituições de pesquisa com foco em equidade e diversidade nas áreas de ciência, tecnologia e inovação.
PESQUISAS VOLTADAS À SAÚDE FEMININA
A revista científica Science Advances, parte do grupo da Science (uma das mais prestigiadas revistas do mundo), publicou no último dia 5 um volume especial com artigos voltados para a saúde da mulher.
Entre os destaques estão um estudo sobre os efeitos da reposição hormonal para tratar os sintomas da menopausa e o Alzheimer, um artigo associando o risco da idade da menopausa na perda cognitiva e ainda uma pesquisa sobre como a reativação de genes impulsionada pelo envelhecimento no cromossomo X silencioso afeta o declínio cognitivo em camundongos fêmeas.
Na mesma edição, um editorial levanta o debate sobre por que a saúde da mulher deve ser posta em evidência em pesquisa médica: "A ciência da saúde da mulher está em um ponto de inflexão. Durante décadas, foi limitada pela baixa representatividade destas em ensaios clínicos, resultando em lacunas de diagnóstico, tratamento e desigualdades nos resultados de saúde. No entanto, hoje, uma onda crescente de pesquisas está abordando essas disparidades."
Para Bensenor, há uma mudança no Brasil e no mundo, para que as mulheres tenham mais acesso às áreas científicas desse escopo. "É um processo, existe o olhar da sociedade para a importância, mas ainda falta muito."
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