O julgamento do Marco Civil da Internet se tornou prioridade no Supremo após o Congresso enterrar o PL das Fake News.
Foto: © Bruno Peres/Agência Brasil
O julgamento do Marco Civil da Internet se tornou prioridade no Supremo após o Congresso enterrar o PL das Fake News.
Cézar Feitoza E Ana Pompeu, Brasília, Df (folhapress) - 24/11/2024 16:00:36 | Foto: © Bruno Peres/Agência Brasil
O atentado a bomba de Francisco Wanderley Luiz na praça dos Três Poderes no último dia 13 terá impacto no julgamento do STF (Supremo Tribunal Federal) sobre o Marco Civil da Internet, marcado para a próxima quarta-feira (27).
Essa é a avaliação de dois ministros do Supremo e auxiliares ouvidos pela Folha. Integrantes do tribunal também já deram sinais públicos de que as explosões podem alterar o ambiente e fortalecer a posição favorável à maior regulação das redes sociais.
O entendimento majoritário na corte é que o processo de radicalização política no Brasil passa pelo uso das redes sociais para a propagação de notícias falsas e ataques, além de algoritmos que incentivam posições extremadas.
Um dos caminhos para reverter essa situação, dizem os ministros, é responsabilizar as big techs pelo conteúdo publicado por seus usuários. Isso passa por uma discussão sobre o artigo 19 do Marco Civil da Internet, objeto das ações no Supremo.
A regulação das redes sociais costuma enfrentar a oposição de bolsonaristas. Além do atentado, o julgamento deve ocorrer sob o impacto do indiciamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outras 36 pessoas por trama golpista e da prisão de cinco suspeitos de um plano para matar o presidente Lula (PT), o vice Geraldo Alckmin (PSB) e o ministro do STF Alexandre de Moraes no fim de 2022.
Os magistrados afirmaram sob reserva que o caminho mais provável a ser adotado pela corte é definir que as redes sociais têm dever de cuidado -regra segundo a qual as plataformas devem remover conteúdos criminosos sem necessidade de decisão judicial.
Essa decisão deve impactar as regras de moderação de conteúdo das plataformas, uma vez que as big techs poderão ser responsabilizadas por danos causados por conteúdos publicados por terceiros.
No STF, avalia-se que o atentado na praça dos Três Poderes dá mais legitimidade para os ministros julgarem o caso, diante da inação do Congresso na regulamentação das redes sociais.
O ministro Alexandre de Moraes levantou a tese na segunda-feira (18), durante palestra na Assembleia Legislativa de Mato Grosso. "É necessário para voltarmos à normalidade democrática uma regulamentação [das redes sociais] e o fim dessa impunidade", disse.
Segundo o ministro, o extremismo tem sido impulsionado pelos algoritmos das redes sociais, que "sem nenhuma transparência" promovem "lavagem cerebral nas pessoas, gerando esse ambiente de ódio".
Em discurso no dia seguinte ao atentado, o ministro Gilmar Mendes também indicou impacto do atentado no julgamento sobre o Marco Civil da Internet.
"A revisitação dos fatos que antecederam aos ataques de ontem [último dia 13] é pressuposto para a realização de um debate racional sobre a defesa de nossas instituições, sobre a regulação das redes sociais -julgamento este que se avizinha- e sobre eventuais propostas de anistiar criminosos", disse Gilmar.
O ministro leu um discurso escrito no plenário. O texto dizia que foram tantos os ataques nas redes sociais, as tentativas de causar confusão e os apelos por golpe de Estado nos últimos anos que a "consciência crítica da sociedade brasileira ficou um tanto anestesiada com tamanha desordem".
O presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, fez discurso semelhante. Ele relatou um histórico da evolução do radicalismo político, começando pelos ex-deputados Daniel Silveira e Roberto Jefferson até chegar aos ataques às sedes dos Poderes.
"No dia 8 de janeiro de 2023, milhares de pessoas, mancomunadas via redes sociais, e com a grave cumplicidade de autoridades, invadiram e depredaram as sedes dos três Poderes da República", afirmou Barroso.
No caso do atentado, Francisco anunciou nas redes sociais os planos de lançar explosivos ao Supremo. Os textos premonitórios apareciam entre publicações de cunho religioso, extremista e supremacista compartilhadas no Facebook.
O julgamento do Marco Civil da Internet se tornou prioridade no Supremo após o Congresso enterrar o PL das Fake News em abril deste ano. O projeto de lei era o caminho principal para se buscar uma regulamentação mais ampla das redes sociais, mas o tema acabou enfraquecido pela oposição das big techs.
Relator de um dos casos, Dias Toffoli tirou o processo de pauta diante de pedido da Câmara para que aguardasse a votação do tema pela Casa.
O ministro é responsável pela ação que trata do artigo 19 do Marco Civil. O trecho define que os provedores de internet só podem ser responsabilizados civilmente por danos decorrentes de conteúdo publicados por terceiros quando houver decisão judicial pela derrubada do conteúdo e esta for descumprida.
Além desta ação, o plenário deve se debruçar ainda sobre outros dois de forma conjunta. Os casos lidam com processos que envolvem gigantes da internet: Google e Meta.
O segundo deles está sob a relatoria de Luiz Fux e trata da responsabilidade das plataformas pelo conteúdo gerado pelos usuários e a possibilidade de remoção de conteúdos que possam ofender direitos de personalidade, incitar o ódio ou difundir notícias fraudulentas, as fake news, a partir de notificação extrajudicial.
O caso tem como tema de fundo uma decisão que reconheceu lesão à honra e à imagem de uma pessoa na criação de uma comunidade da rede de relacionamentos Orkut intitulada "Eu Odeio a Aliandra", em referência a uma professora de ensino médio de Belo Horizonte, e impôs ao provedor responsável pela manutenção do serviço o dever de indenizar.
Por fim, sob a relatoria do ministro Edson Fachin há o caso que discute o bloqueio do aplicativo de mensagens WhatsApp por decisões judiciais. A ação pede que o Supremo analise se a derrubada ofende o direito à liberdade de expressão e comunicação e o princípio da proporcionalidade.
Há, ainda, além do julgamento conjunto dessas três ações, o caso sobre a produção de relatório sobre o comportamento de servidores contrários ao governo Bolsonaro.
O material teria sido feito pela Secretaria de Operações Integradas do Ministério da Justiça, com informações sobre 579 professores e policiais identificados como antifascistas. Cármen Lúcia é a relatora.
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