O trabalho tem entre seus autores os brasileiros Thomaz Pinotti e Fabrício Santos, da UFMG.
São Carlos, Sc (folhapress) - Reinaldo José Lopes - 09/05/2025 11:11:05 | Foto: Christiane Wilden por Pixabay
Há cerca de 800 anos, construções majestosas de vários andares no deserto do Novo México (EUA) foram abandonadas para sempre por seus ocupantes, mas uma nova análise de DNA indica que esse povo não desapareceu. De acordo com os dados genômicos, indígenas que ainda habitam a região hoje têm parentesco próximo com os antigos arquitetos.
A continuidade entre o passado remoto e o presente dos nativos americanos foi comprovada numa pesquisa que acaba de sair na revista científica Nature, uma das mais importantes do mundo. O trabalho tem entre seus autores os brasileiros Thomaz Pinotti e Fabrício Santos, da UFMG, e é fruto de uma colaboração ainda pouco comum entre cientistas e povos originários.
Isso porque o artigo nas páginas da Nature também é assinado por representantes da nação tribal Picuris Pueblo, o grupo indígena que muito provavelmente descende dos grandes construtores do deserto.
"O estudo só existe por causa da relação de confiança de três décadas entre um dos coautores, o Mike Adler, que é um arqueólogo do Texas [da Universidade Metodista do Sul], com os indígenas. Em especial o Richard Mermejo, que trabalhou muito tempo com os cientistas, fazendo essa ponte entre a cultura indígena e a pesquisa, e que infelizmente morreu em 2024", explicou Pinotti à reportagem. "Então, a gente entrou nessa história com gente já muito escolada, e o processo foi suave."
A colaboração também partiu do pressuposto de que o grupo indígena tinha o direito de tomar decisões sobre a continuidade ou encerramento do trabalho, já que os pesquisadores estavam trabalhando com material genético dos ancestrais deles.
"Tudo passava pelo conselho tribal", diz Pinotti, cujo trabalho de doutorado foi realizado na UFMG e também na Universidade de Copenhague, sendo orientado conjuntamente por Fabrício Santos e pelo dinamarquês Eske Willerslev.
"Quando fui defender o doutorado em Copenhague, o pessoal me perguntou se eu estava nervoso, eu respondi que, depois de apresentar o trabalho sobre a história do povo de Picuris para eles mesmos, eu estava muito tranquilo", brinca ele. "No fim das contas, o que a história oral indígena diz e o que o DNA mostra são coisas que nem se validam, nem se contradizem, mas são histórias paralelas."
Com efeito, tanto as narrativas tradicionais da população de Picuris Pueblo quanto a arqueologia já indicavam uma possível relação com os responsáveis pelas construções do chamado Chaco Canyon, entre as quais se destaca a famosa "grande casa" de Pueblo Bonito, com múltiplas portas alinhadas.
Para alguns especialistas, o abandono de Pueblo Bonito e outras construções da região teria sido resultado da exploração exagerada dos recursos naturais da região por volta do ano 1150 d.C., com perda da fertilidade do solo e lutas entre os grupos indígenas da região levando a um colapso populacional e, talvez, à substituição dos moradores originais por outros povos.
No novo estudo, os pesquisadores brasileiros e seus colegas analisaram o DNA de 16 antigos habitantes do território de Picuris Pueblo, que morreram entre 700 anos e 500 anos atrás. Também estudaram o genoma de 13 membros atuais da comunidade e, por fim, compararam esses dados com o DNA de quase 600 indígenas das Américas e da Sibéria, tanto antigos quanto atuais. O mais importante é que essa amostragem para comparação incluía justamente o material genético de antigos habitantes de Pueblo Bonito.
O resultado não poderia ser mais claro: entre todos os povos indígenas avaliados, o grupo de Picuris tem a maior semelhança, em seu DNA, com os de Pueblo Bonito. De quebra, um dado muito intrigante apareceu na análise do mtDNA ou DNA mitocondrial, que é transmitido apenas pelo lado materno, de mãe para filha ou filho.
Acontece que, em um dos sepultamentos de Pueblo Bonito, havia uma variante bastante rara de mtDNA presente em diversos indivíduos, o que sugeriu a presença de uma espécie de antiga dinastia materna naquele povo. Pois, entre o povo de Picuris, havia um indivíduo moderno que carregava essa mesma variante, indicando algum tipo de conexão genealógica direta.
De quebra, a diversidade genética do grupo pôde ser usada para investigar se houve algum tipo de redução populacional antes da chegada dos europeus. "Uma das coisas em que a gente estava mais interessado era ver se realmente houve um colapso pré-colombiano. E nossos dados não mostram absolutamente nenhum sinal", resume Pinotti.
Mais estudos com a população indígena do Novo México e com os sítios arqueológicos podem trazer mais dados sobre o processo de dispersão dos antigos construtores de monumentos. Mas o pesquisador brasileiro ressalta que a arqueologia já indicava que não tinha ocorrido um colapso repentino da civilização.
"Pueblo Bonito foi intencionalmente abandonado, porque há aposentos que foram cuidadosamente selados e incendiados com oferendas dentro. A ideia do colapso não é verdade: foi uma coisa super ordenada", diz ele.
Resta saber o porquê.
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